Capítulo 2
Ao alvorecer da manhã, Joseph acordara atordoado, dizendo poucas palavras, quando sua mãe novamente trouxera a água suja dita como sopa para seu desjejum.
Transmitindo-lhe apenas seu silêncio quando ela saiu levando a bandeja consigo.
Mas mais tarde, naquele mesmo dia de um setembro nebuloso, seus enormes olhos varreram a escrivaninha, sentindo a necessidade de narrar seu sonho ou o que quer tenha sido a assombrosa aparição nas páginas do seu diário.
Ele então levantou-se, o que se tornara cada vez mais difícil ao passar dos dias. Afagou seus olhos quando afastou a pesada cadeira de madeira maciça e sentou-se nela, cansado, pois os poucos passos lhe pareciam uma corrida a léguas de distância.
Abriu o diário, segurando a pena com seus dedos trêmulos e de aparência esquelética. Por um momento, vendo seus olhos cintilarem no espelho da penteadeira por detrás do fogo da lareira, em seguida olhando para as páginas em branco e começando a escrever.
A escuridão o trouxe para mim. Tão estranho e cavernoso quanto às sombras das Gárgulas de Notre-Dame. Seus olhos de um vermelho intenso me provocaram a ânsia de uma morte calma e instantânea.
Considero isso como algo doentio, mas não mais doentio do que minha carne em estado de podridão.
Santo Deus, um anjo ele não era. Um demônio então, com asas negras, chifres longos e cabelos ondulados ao vento infernal, com um corpo grande e sedento de desejo, aos olhos de um doente como eu.
Irei arder no fogo do Satanás por sentir esses desejos obscuros? Mas o que me importa quando a vida pouco corre em minhas veias manchadas pela enfermidade?
Eu poderia jurar aos céus que não senti nada além de medo na noite passada, mas estaria mentindo ao dizer que não espero a sua presença outra vez. Quero vê-lo, nem que seja pela última vez.
Nem que tenha sido um sonho.
Nem que eu queime pela eternidade.°°°
Era meio de tarde quando sua mãe entrou no quarto trazendo com ela o médico da família. Deixando-os a sós logo em seguida.
Joseph abominava as visitas de rotina com todo o seu fervor, ao menos desde o momento em que ele percebera de que em nada as adiantava ao passar dos dias.
Observava com desinteresse o homem, de estatura baixa e gorducho, sentado na poltrona ao lado da sua cama anotar mais e mais recomendações em sua caderneta. Ele segurava firmemente na caneta de prata, como se ela pudesse fugir dos seus dedos roliços a qualquer momento.
Ele estava farto de todo esse teatro. Todos sabiam que lhe restavam poucas semanas de vida, dias... se levassem em consideração a sua deplorável aparência.
Apenas rios de dinheiro desperdiçado por mera inconsciência.
— Está sentindo-se bem? — perguntou Christian Beau, erguendo a haste dos seus óculos oval, com a ponta dos dedos.
Joseph respirou fundo, levantando suas sobrancelhas com um ar sutil de arrogância. E embora não quisesse ser descortês com o velho médico da família, ele crispou os lábios com determinada força antes de responder.
— Não vê? — Ele inclinou-se para frente com dificuldades, para ver de mais perto o rosto enrugado do homem. — Em meu melhor estado. Tão bem que até encomendei um terno novo ao alfaiate.
— Isso é ótimo, menino Joseph. — Christian disse, dando pulinhos deselegantes na poltrona.
— Absolutamente. — Ele disse, sem qualquer expressão na voz roufenha. — A cor combina perfeitamente com a do meu caixão.
O médico sentiu o sangue verter do seu rosto, encolhendo as sobrancelhas antes de levantar-se da poltrona. Ele então deu um passo adiante para pegar sua maleta na mesa de café da manhã, a fechando num baque antes de olhar para o doente secamente.
— Deus o ajude, menino. — Ele torceu os lábios, desgostoso.
Joseph permaneceu em um sombrio silêncio, sepultado com a sua arrogância após escutar o fechar da porta.
°°°
Christian girou a maçaneta, tentando ser compreensível, mas o brilho no olhar dele denunciava a sua irritação.
Ele girou nos calcanhares, levando um susto ao ver Anastasia de pé e com uma expressão angustiante à sua espera. Então suspirou e baixou a cabeça em respeito à loira, a quem ele prestava honrosa amizade e respeito mesmo após a morte do seu honrado marido, a quem Christian também muito admirava.
— Como ele está, Christian? — Anastasia perguntou em um tom de voz preocupado.
Olhando-a, o médico deixou a expressão irritadiça de lado, pois certamente não gostava de ver a sua velha amiga nesse estado incólume de preocupação.
— Sinto lhe dizer, querida amiga. — Ele esfregou o queixo duplo com rispidez. — Mas temo que seu filho não tenha mais chances.
E ali, naquele momento, Anastasia soube que tudo estava acabado. Derramando-se em um choro silencioso e compadecido.
°°°
Às três horas daquela madrugada gelada, Joseph despertara. Ele então se escorou na cabeceira da cama, uma das mãos deitada em seu colo enquanto a outra muito trêmula secava o suor da sua testa.
Olhando pela janela aberta, a lua cheia se erguia sobre uma noite obscura e sem quaisquer rastros de estrelas. E, de repente, lembrou-se de que a janela não se encontrava aberta quando fora dormir, pois Marie, uma das muitas empregadas que havia na mansão, a tinha trancado.
Durante um minuto ele paralisou, revendo em suas lembranças o cair da outrora noite. Tudo parecia se repetir igualmente a antes.
E pouco depois o farfalhar de asas provou a sua apreensão, fazendo-o respirar profundamente e desviar seu olhar turvo da janela a frente do seu leito. Então ocorreu-lhe a sensação de ter sua pele em chamas, quando os olhos rubros e feiticeiros da onipresente criatura fixaram-se nos seus.
Um demônio com longas asas negras, chifres imensos e um longo rabo pontiagudo que lhe passara despercebido na noite passada. O que parecia ser a perdição em aparência do mais atraente homem e o inferno a poucos passos do eterno paraíso.
A janela repentinamente fechou em silêncio, e as luzes dos candelabros se acenderam pouco brilhantes e dona de uma chama avermelhada. Apenas o suficiente para que Joseph pudesse enxergar o corpo desnudo e musculoso.
Ele ajustou seus olhos, passando a mão pelo cabelo molhado e respirando com dificuldades. Sabia que era uma grande loucura, mas seu membro respondera aquele visão digna de uma pintura renascentista.
Cada centímetro daquela pele pálida e livre de pelos como mármore era maravilhosamente tentadora para Joseph. Com seu torso marcado de músculos incrivelmente firmes e também o peito largo com mamilos castanhos.
Podia sentir as gotas de suor voltarem a sua testa.
Respirando fundo, ele perguntou.
— O que você é?
Foi algo realmente assustador quando a criatura sorriu e presas surgiram em sua boca deliciosamente carnuda. Então ele as afundou em seus lábios vermelhos, mas antes lambendo o lábio inferior com a língua pontiaguda.
— Digamos que a sua perdição — a voz de timbre grave soou como lâminas de aço.
Joseph tentara manter sua voz suave, quando discretamente se moveu para levantar-se da cama. E assim que se levantou, decidiu-se por se aproximar dele, ficando perto o bastante para poder sentir seu cheiro pecaminosamente sedutor.
— Você é um demônio? — perguntou mais para si do que para a própria coisa. — Você parece um demônio.
— Segundo a tola religião dos humanos, sim.
— Veio buscar-me então? — Ele disse com a voz baixa. — É isso?
— Não ainda, doce perdição — a voz grave retumbou na sua mente e em seu corpo. — Por agora eu somente vim trazer-lhe o mais profano prazer.
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Anjo Noturno [Conto Gay]
Short StoryTítulo: Anjo Noturno Autor: Matheus McAvoy Gênero: Fantasia, sobrenatural [BL] Status: Concluído Sinopse: Na frança do século dezoito, Joseph Gaillard se encontra moribundo e apenas à espera da sua dolorosa morte. Quando, em uma noite tempestuosa e...