Saí da casa dos meus pais, pois precisava ficar mais próximo dos estudos e do trabalho. A minha situação econômica não é das melhores, então optei por alugar um quarto de uma pensão que cobrava um preço bem acessível. Enfim, aluguei o quarto e me foquei nos estudos e no meu trabalho. Mas a impressão que eu tinha quando me preparava para dormir era que eu estava sendo observado por alguém. Continuei na mesma rotina de sempre por meses. Os vizinhos me olhavam torto. Um deles me contou uma vez o motivo: diziam que aquele quarto era mais barato e estava sempre desocupado porque era assombrado por uma entidade, daquelas do mal. Claro que achei absurda aquela história! Quem não acharia? Mas ficou aquela pontinha de desconfiança, lá no fundo, sabe? Algo irracional me fazia olhar de canto de olho para as paredes do quarto. Na escuridão do quarto, algo me observava. Mas por mais que eu tentasse entender essa sensação, minha racionalidade nunca encontrava sentido nela. Com o tempo, talvez afetado pela rotina corrida do trabalho e dos estudos, talvez pelo mito que os vizinhos me contaram, eu comecei a sentir uma presença ainda mais marcante naquele lugar. As minhas coisas começavam a mudar de lugar de uma hora para outra. Me convenci a ignorar aquelas ideias e fui dormir certa noite. Mas algo me incomodava. Seja o que for, me observava ainda mais perto do que de costume.
Dei um pulo ao ver a entidade olhando em meus olhos. Pálida, os cabelos negros dela eram longos e pareciam ter vida própria. Seus olhos completamente brancos não desgrudavam dos meus. Interroguei-a na esperança de que aquilo fosse um delírio meu. A entidade não respondeu; ao invés disso ela simplesmente desapareceu na minha frente. Nos dias seguintes, mensagens escritas com uma espécie de tinta negra marcavam as paredes e o teto: avisavam que aquele quarto já tinha proprietário. Não dei muita importância, apesar de ter que limpar toda a bagunça depois. Uns dias depois, coincidindo com um aumento no ritmo da minha rotina, comecei a ver ela em todos os cantos da casa. A Entidade queria deixar bem claro que era a dona do lugar. Não pense que eu aceitei aquilo. Quem quer que ela fosse quando viva, morta ela não tinha direito a nada. O quarto era meu. Deixei isso bem claro uma vez. Peguei um marcador de estudo, apaguei uma das muitas mensagens de ameaça e escrevi no mesmo lugar "O quarto é meu. Não vou sair". "Não pense que deixarei por isso", ela me falou telepaticamente. Ainda não mencionei que ela se comunicava assim, de forma telepática. Como foi a primeira vez que ela entrou em contato comigo, fiquei um pouco assustado e não respondi. E nas semanas que vieram a seguir, eu disputei com ela pela liderança no quarto: ela sumia com minhas coisas e me dava sustos à noite, eu apagava cada mensagem dela e fazia questão de colocar cada objeto do quarto em uma posição diferente para irritá-la. "Você é muito atrevido!", ela falou uma vez, "você vai se arrepender!". A competição ficou ainda mais frequente. Uma vez eu escrevi uma mensagem para ela, dizendo "Nem percebo sua presença, fantasminha!". Ela ficou tão furiosa que me perseguiu até a porta de entrada do quarto. Ofegante, eu gritei "Você poderia fazer melhor!" de frente para a porta. Os vizinhos deviam pensar que eu havia enlouquecido de vez. Gradualmente, fui percebendo detalhes particulares com relação à minha anfitriã: a Entidade não parecia do mal, apesar do arquétipo de fantasma demoníaco; ela só se comunicava comigo para provocar e sempre de forma telepática (acredito que essa é a forma dos fantasmas se comunicarem conosco).
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Multinversos
Short StoryCompilado de contos de universos e conteúdos diversos, do light ao dark. Divirta-se viajando por esses multi-inversos.