Capítulo 2 - Édam Donoghan

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A deliciosa refeição teria me satisfeito por completo se as conversas paralelas que surgiram não fossem tão absurdas.

As surpresas começaram com Tássia Merani levantando-se e dando a notícia que tanto me alegrou quanto me deixou incrédulo:

— Alguns dos presentes já sabem, mas outros ainda não... — ela direcionou a última frase a mim e a Georgar Merani, seu irmão. — Vou participar do Torneio da Escolta de Foltéria!

O rosto fino de Tássia mal podia comportar os olhos arredondados de expectativa, afinal, seu irmão e eu éramos quem mais escutava suas queixas, desde o cabelo que tinha de ficar preso num coque ridiculamente igual ao de sua mãe, até a vida entediante de dama de companhia da rainha. Não que a companhia de minha mãe fosse desagradável, mas era a tarefa que lhe tomava o tempo que ela precisaria para treinar e tornar-se um soldado de Foltéria. Obviamente, tal tarefa não era uma escolha de Tássia mas sim uma ordem de sua mãe, a senhora Rôuse, nossa castelã.

Não fui capaz de disfarçar. Por mais que minhas mãos acompanhassem a salva de palmas, tanto os meus olhos quanto minha boca pareciam emperrados.

Ainda menos despercebido passou o susto de Georgar. Mesmo eu encarando Tássia, ao meu lado o brutamontes ocupava boa parte da minha visão, e isso ocorria tanto pelos ossos largos e compridos, quanto pelos densos músculos. Apesar de seu tamanho descomunal, o jovem virou-se para sua mãe tão rápido quanto um cão que escutou seu dono, e então fez a pergunta:

— Isso é verdade, mãe? — Percebendo o semblante estático da senhora Rôuse, Georgar insistiu: — A senhora permitiu que ela lutasse?

Rôuse era uma viúva de pose. Sempre colocava-se com uma postura impecável e o queixo erguido, como se aquilo a mantivesse acima de todos mesmo quando a situação era desfavorável a ela. Comigo sempre funcionava pois desde pequeno sentia-me intimidado por sua presença mesmo sendo o príncipe de Foltéria.

A castelã respondeu o seu filho de maneira tão reta e pontiaguda quanto a franja que lhe cobria a testa:

— Sim, Georgar. Eu permiti.

Georgar pareceu entender que aquele não era um assunto do agrado da mãe. O grandalhão silenciou-se de maneira tão submissa que quase duvidei que aquele fosse o amigo com quem cresci. Diante disso lembrei-me que até o cão mais incontido pode ser domesticado quando sua adestradora é uma mulher perspicaz.

Apesar de seus filhos estarem sob suas rédeas, Rôuse não tinha esse poder sobre todos os presentes. Isso foi comprovado por minha mãe, que não poupou sua subalterna de uma inocente provocação:

— Não permitiu assim, tão facilmente, não é mesmo, senhora Rôuse? — A rainha sugeriu não mais que um sorriso travesso para a castelã e em seguida detalhou-nos o ocorrido: — Após muitas conversas com minha dama de companhia e depois de ver o quanto ela tornou-se habilidosa com aquelas foices, não pude deixar de interceder pelo sonho de Tássia. E quem é que recusaria um pedido da rainha?

As risadinhas surgiram no mesmo instante, espalhando-se pela longa mesa, de um a um, até chegarem na exceção: eu. Talvez uma mísera curva até tivesse se formado em minha boca, mas, se sim, fora apenas por educação, pois naquele mesmo instante o foco de minha visão se tornou outro. Meus olhos foram forçados a analisar a rainha.

Primeiramente analisei seus cabelos ondulados, soltos sob seus ombros, castanhos como os de qualquer folteriano, mas tão bem escovados e com um brilho que não se encontrava nas madeixas de nenhuma outra mulher do reino. Apreciei também seus adornos no pescoço e, por fim, seu vestido de tom vermelho escuro com sutis detalhes em dourado. Tão sutis quanto suas quase imperceptíveis hipocrisias..

Elementos da Guerra - A Maldição dos KadronisOnde histórias criam vida. Descubra agora