Capítulo 7 - Enya

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O vestido que a filha de Domiciano – é esse o nome do dominus do clã, de acordo com as conversas que ouvi – me deu é diferente daquele que recebi ontem de manhã. Surpreendo-me por perceber que a seda substitui o algodão, leve e elegante, fazendo o vestido balançar a cada pequeno movimento que faço. É quase hipnotizante.

As outras duas mulheres Isazi que trabalham comigo também têm roupas mais bonitas do que as de ontem, mas não receberam nada parecido com seda. Aparentemente, a ocasião pede que todas estejamos apresentáveis, embora eu não perceba porque é que me deram as melhores roupas.

Desço as escadas aborrecidamente devagar, porque tenho medo de desmanchar o carrapito apertado que a Marva fez no meu cabelo, quando eu comecei a desesperar porque não sabia sequer como começar. Em casa, estava habituada a tranças simples e não a coisas tão complexas como isto.

− Escrava. – A voz da filha de Domiciano chega-me aos ouvidos, autoritária. Sei que se dirige a mim, mas não respondo. – Escrava, estou a falar contigo. – Paro a meio do corredor, avistando a luz ténue que vem da cozinha. Deixo-me estar quieta, sem me virar. – Enya, olha imediatamente para mim.

Quando ouço o meu nome, viro-me rapidamente, fazendo o meu vestido dançar numa nuvem de seda. A rapariga olha para mim de sobrolho franzido e aperta os lábios pintados de vermelho um contra o outro.

− Sei o que estás a tentar fazer – diz-me ela, cruzando os braços. – Não penses que podes levar a melhor. Se os nossos convidados não estivessem prestes a chegar, não sairias impune, escrava.

− O meu nome não é escrava – digo, desafiando-a com o olhar.

Ela aproxima-se de mim, os tacões dos seus sapatos a fazerem um escarcéu no chão de mármore.

- Eu não quero deixar-te com marcas, mas isto posso fazer. – Antes que eu possa fazer alguma coisa, a filha de Domiciano levanta a mão e engancha-a no meu pescoço, tal como o caçador de recompensas fez. Falta-me o ar e sinto um calor pouco natural no peito, mas deixo-me estar quieta. – Tu não és ninguém. És uma escrava. Uma rapariga Isazi que não vale um forth de prata. – Ela aperta mais e eu tenho de abrir a boca para inspirar profundamente. – Hoje vais servir o meu clã e os nossos convidados. Daqui a dez minutos, quero que sirvas as bebidas e assim por diante. Vais-te pôr no teu lugar. Caso contrário, sofrerás as consequências.

Quando me vejo livre da mão dela, sinto a força das minhas pernas dissipar-se lentamente e tenho de me encostar à parede branca, respirando a custo. Provavelmente, vou ficar com hematomas, mas não até amanhã. Ela não se podia arriscar a mostrar a sua crueldade aos convidados, quem quer que sejam.

Recomponho-me e caminho até à cozinha. Quando lá chego, observo Marva a transferir a sopa que esteve a cozinhar para uma travessa decorada com figuras geométricas em dourado. A mulher mais nova, por sua vez, empilha vários pratos decorados da mesma forma e pega neles, passando por mim sem uma única palavra.

− Ela não gosta muito de mim – digo. Marva olha para mim e abana a cabeça vigorosamente, como se quisesse dizer que isso não é verdade. Eu ignoro-a. – A comida. Está tudo pronto? Precisa de ajuda?

Ela abre a porta do frigorífico e tira de lá uma garrafa com um líquido claro e esverdeado que nunca vi antes. Aponta na direção da sala de jantar, depois para a garrafa e, finalmente, para mim.

− Ah, quer que eu lhes sirva esta bebida? – Ela acena afirmativamente com a cabeça. – Claro, fá-lo-ei.

De repente, o vestido de seda e o cabelo bem arranjado fazem todo o sentido. Afinal, sou eu que vou servir os convidados, por isso não posso aparecer com uma roupa qualquer e o cabelo despenteado. Este pensamento faz-me rir. O que estas pessoas fazem para manter as aparências é quase surreal.

Ao mesmo tempo que a mulher mais nova entra na cozinha, ouço vozes vindas do átrio, o que só pode significar que os convidados chegaram.

− Sabes o que tens de fazer?

Olho na direção da voz, surpreendida por a ouvir falar para mim.

− Tenho de servir esta bebida – digo, sem perceber a pergunta. – E tudo o que vier depois dela.

− Sim, mas sabes como o fazer? – Não respondo e ela suspira, olhando para o corredor vazio. – As bebidas são servidas pela direita. Pede sempre licença quando colocares ou retirares alguma coisa da mesa. Não permaneças na sala mais tempo do que o necessário e tenta fingir medo. Eles gostam de pensar que nos assustam.

Olho para a mulher, tentando perceber se ela está a brincar comigo. Parece que está a preparar-me para um ataque à mão armada e não para servir o jantar a umas quantas pessoas de nariz empinado. No entanto, a expressão dela diz-me que está tudo menos a brincar; na realidade, está a zelar pela minha segurança, a impedir-me de ser sovada quando os convidados saírem. E isso assusta-me mais do que qualquer outra coisa.

Um Império em ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora