delineio na tela branca as curvas do teu corpo com marcas de minha boca.

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Primavera de 1987.

É comum que um artista calcule cada traço enquanto desenha, eu sei, as rosas desse jardim eram pintadas com mínimos detalhes para que eu te entregasse sem arrependimentos no outro dia.

Rosas vermelhas, roxas, amarelas, azuis... E você preferia o girassol. "Ele é interessante, senhor! Sempre está em direção à luz. Não é bonito?" Escutei na primeira vez que te vi tentando levar uma daqui.

É sim. Mas eu não te respondi, porque a palavra bonito não possuía outro significado em minha cabeça, no dicionário talvez, mas eu não ligo. Bonito não tem outras características quando eu só percebo uma; você.

Isso arrisca-me a piscar os olhos, que é perder milésimos de segundos, quase nenhum, mas ainda alguma coisa, eu aprendi isso porque te olhar nu, de bruços, enquanto delineio na tela branca as curvas do teu corpo com marcas de minha boca, penso no absurdo de não poder te admirar numa hipnose merecida.

No entanto, ainda tenho tempo. Nós temos tempo para gastar com tardes no jardim ao que te ponhar debaixo do sol, entre as rosas e pedir para que me olhe nos olhos, é semelhante à uma psicoterapia intensa, mas da arte que cura.

— Terminou? — te ouvi perguntar. Eu terminei, respondo para mim, na minha mente, sem deixar tu ouvir.

Se isso significasse poucos minutos até uma despedida, eu prefiro mentir para te ter mais aqui. Ergui o olhar, ignorando a tela pequena e mirando você, exibindo tua nudez ao sol da tarde, deitado na grama encima de um lençol meu. — Não.

Tu riu e segurou os lábios entre os dentes. — Está mentindo... — após escutar, eu também sorri. Pois bem, nunca fui bom em mentir para você, sou facilmente descoberto como ratos ao atrair-se por uma ratoeira.

Afastei a tela a qual te pintava, abandonando o pincel e, do meu banco acomodado, foi mais flexível uma visão sua. Perfeito. Se há de existir deuses, Afrodite está vingando-se do Universo agora. Ela não é mais o sinônimo de beleza, meu menino.

— Estou. — acenei. Você sorriu de novo, dessa vez, se preparando para levantar, deixando o tecido e caminhando calmamente até mim.

Eu desenhei esse momento em minha mente, já que não vi possibilidade em te mandar parar para que essa cena se tornasse viva em mais uma tela, de outras oitenta só tuas.

Oitenta quadros espalhados em cada canto de minha casa, e só assim posso sentir que não posso morrer sem antes mergulhar nas lembranças de todas elas.

— Não precisa mentir para que eu fique mais um pouco. — sentou em meu colo. Levei minhas duas mãos para a cintura que ainda tinha mais delas ali. — Me peça e eu fico.

— Você está cansado... — eu quis acusar. Teu rosto não dizia muita coisa sobre isso, os fios pretos bem cortados em contraste com tuas bochechas e boca rósea manifestava a essência adorável e animada.

Além do mais, o nosso ficar mais um pouco não é para que te desenhe numa tela livre, mas para que eu te use como sendo, e deixe o ofício da arte que dois corpos podem fazer mesmo quando não há um pincel.

— Sim. — te vi acenar sincero, ainda sorrindo, dedilhando timidamente os dedos por meu peito desnudo até as mãos miúdas enroscarem-se em minha nuca. Eu gostava daquilo. — Mas é só você se controlar um pouquinho dessa vez, hyung...

Como pode alguém tão doce ter o timbre do perverso? Eu sorri de lado.

— Não acho que eu consiga isso, uh? — segurei teu queixo e lambi tua boca, então, minhas mãos escaparam e trabalharam em desafivelar meu cinto e desabotoar a calça. Ansioso, você se remexeu em cima de mim.

Eu nunca consegui me controlar só um pouquinho como tu sugeria, um selvagem, você diz. Não sei bem, mas um homem da lei não costuma ser sutil com aqueles que a violam. Talvez eu, erroneamente saiba de momentos entre ser gentil ao te amar e punidor por tentar roubar um girassol de meu jardim.

Na verdade, talvez eu use todas essas desculpas para te manter aqui, porque eu li uma vez que, não se admite que haja amor perfeito em corações que a lei não possa unir.

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