O Embarque

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Uma enorme locomotiva vermelha a vapor estava parada na plataforma de embarque amontoada de soldados uniformizados. Os primeiros vagões já estavam cheios de soldados e a grande parte daqueles homens, que nem sequer poderiam ser chamados de homens, tinham acabado de entrar na adolescência, igual ao Albert, seu irmão. Mas assim como o pequeno Campion, haviam aqueles que estavam ali apenas para dizer o último adeus a seus entes queridos. E como um todo, eles rezavam pelo retorno e segurança dos soldados do reino.

A maioria dos soldados, assim como Albert, não estavam ali por escolha própria. Há um ditado muito comum no Reino: "Se nascem em Kalaen, morrem por Kalaen". Quando uma criança nasce, como todos os humano do Norte, ele era inspecionado minuciosamente. Se ele fosse pequeno, fraco ou deformado, ele seria descartado como um soldado. Pessoas fracas não são úteis para servir ao Reino e muito menos ao Exército Sagrado. Mas quando uma criança nascia forte, eles eram ensinados a lutar desde pequenos. Foi assim que escolheram Albert para lutar, e foi assim que descartaram Campion como um lutador.

Naquele ambiente movimentado, Campion se sentia estressado e sufocado pela tristeza, medo e insegurança que em grande parte fluía das pessoas que estavam em sua volta, porém, aqueles mesmos sentimentos também fluíam dentro dele que, por muitas vezes o deixava irreconhecível.

E para desviar desses sentimentos, Campion tentava pensar em outra coisa. Andava de um lado para o outro contando os próprios passos na plataforma e quando não conseguia mais contar, pensava em qualquer outra coisa que o distraísse daquela confusão de gente chorando, berrando e se abraçando, essa tentativa também lhe servia para evitar uma última conversa com Albert. Mas ele sabia que uma hora ou outra eles teriam a última conversa antes do embarque para a grande muralha, para onde a guerra esperava por seu irmão e muito dos outros soldados do continente.

Para Albert, era difícil dizer adeus para seu irmão mais novo, ainda mais deixa-lo sozinho nas mãos de seus tios que não faziam esforço para cuidar deles —e mesmo durante anos de convivência, nenhum dele fizeram questão de marcar presença em sua despedida. Antes de estar ali, ele rezou continuadamente para que seu irmão mais novo pudesse superar a sua partida, mas o fato era que Campion teve um longo tempo para a aceitar que eles não ficariam juntos para sempre. Ele nunca se deu bem com partidas. E não seria de uma noite para outra que Campion aceitaria o fato de que ele iria para uma guerra e que, diante das diversas probabilidades, provavelmente, ele nunca mais retornaria para seu irmão mais novo.

Albert de longe ouviu o apito do maquinário. Era o primeiro sinal para que todos os soldados restantes adentrassem nos vagões.

Campion cerrou seus punhos e mordeu seus lábios.

—Então... eu acho que é agora que nós nos despedimos. — Falou Albert sem encarar seu irmão mais novo.

—Mas por que você tem que ir? — perguntou Campiom, ao abaixar a cabeça na tentativa de esconder as primeiras lagrimas que se formavam em seus olhos.

— Não vou embarcar ainda ... — respondeu Albert, ajeitando o seu uniforme —Não, sem antes, de sabe se você vai ficar bem.

Campiom engoliu o choro e secou suas lagrimas. Ele sabia que não havia opções para Albert, e mesmo que ele não demostrasse isso, Campion sabia que seu irmão durão estava chorando por dentro.

— Você sabe que não vou estar bem sem você por perto.

—Eu sei muito bem disso. —Albert retrucou —Mas quero que você se esforce um pouco mais. Eu sei que se tentar pelo menos um pouco ... você vai conseguir viver sem mim por um tempo, até essa guerra acabar e eu voltar para casa ... para você.

— E quando essa guerra irá acabar? Quando você vai voltar? Você sabe que não consigo sem você.

Albert virou-se para encarar o rosto do seu irmão mais novo. O garoto baixinho e de cabelos loiros como folhas de ouro, com um chamativo óculo redondo no rosto que escondia suas lágrimas, soluçava baixinho enquanto apertava a barra do seu moletom vermelho.

— Olha, isso tudo é temporário. —disse Albert, levantando o rosto do seu irmão caçula para que ambos olhassem um no olho do outro. Ele queria garantir para Campion que aquelas próximas palavras não fossem entendidas como mentiras. — Eu juro, que quando tudo isso terminar eu vou dar um jeito de vir busca-lo. E nós dois vamos para um outro lugar. Um lugar longe dessa guerra estúpida.

—E se você não voltar? — Perguntou Campion ao se lembrar do seu sonho na noite anterior. Geralmente seus sonhos costumavam ser apenas sonhos, sem significado aparente. Mas o sonho da noite anterior parecia ser real demais para ser só um sonho. Ele havia sonhado com Albert. De ter atravessado um longo campo de Dunas de areia luminosas que expandiam eternamente à medida que caminhava, e, de repente, descendo o extenso elevado de areia, viu diante de si a imagem de seu irmão. Ele havia aparecido como uma tempestade de areia e desaparecido na eternidade como um supro no vento, mas antes de desaparecer sua voz persistia em ecoar na concepção do tempo para que não o deixasse partir. Talvez fosse uma mensagem de aviso, talvez fosse só um sonho sem significado aparente. Mas fosse como fosse, Campion imaginou que seu irmão estava preparado para enfrentar a guerra, como foi ensinado em toda a sua infância.

—Se eu não voltar? Eu vou voltar. — Afirmou apertando os ombros do seu irmão — Por acaso você está me subestimando? —Albert soltou uma risada descontraída — Olha, eu posso não ter sido o melhor na academia, mas posso garantir que não há nada nesse mundo que me faça quebrar uma promessa com meu irmão caçula.

E mais uma vez o apito do maquinário soou pela plataforma, o último aviso do embarque.

Albert respirou fundo, apanhou a mala que estava no chão, e com sua outra mão livre passou os dedos nos cabelos bagunçados do Campion.

—Cuide-se. — Talvez ele tivesse mais algum tempo de sobra para dizer mais algumas palavras finais para ele, mas não achou que fosse necessário, ele disse tudo o que queria dizer para o Campion e caso quisesse dizer mais alguma palavra, seria quando voltasse para casa.

Foi assim que ele partiu, sem dizer mais nenhuma palavra. Albert sentou-se na janela onde, meio escondido, podia observar seu irmão mais novo em pé na plataforma envolta de várias outras pessoas que se despediam aos prantos. Campion levantou seus óculos e, com a manga da camisa, limpou as lagrimas que caiam do seu rosto. Albert também chorava atrás das janelas da grande locomotiva.

Adaga do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora