Prisioneiros de Kalean

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Era por volta das quatro horas da tarde quando Campion foi obrigado a acompanhar Gabriel até o alto da Cidade para ajudar nas compras do jantar. Não havia nada mais frustrante para ele do que fazer compras na cidade. Ele não odiava fazer compras em si, aliás, ele adorava comprar coisas novas para preencher o seu quarto. Mas sim, porque sempre que frequentava a cidade ele era alvo de olhares indesejáveis. E durante toda a caminhada para a cidade, ele teve que aguentar esses olhares sobre eles.

Naquele horário em Kalaen, era muito incomum ver jovens como eles caminhando sem preocupações pelas ruas da cidade. A maioria dos jovens ou estavam frequentando a Academia Militar ou estavam na Guerra lutando pela Glória do Império. Entretanto, se você não estava fazendo isso ou aquilo só queria dizer uma coisa: Você foi descartado.

Com o “descartados” significava de uma forma sutil que você não nasceu para lutar e que, provavelmente, não serve para nada além de ocupar espaço.

Campion havia sido descartado por que, por uma falha genética, acabou nascendo sem o braço direito. E Gabriel, tendo a idade que tem, estaria atualmente lutando na Guerra, contudo, foi descartado porque nasceu com cromossomos a mais —síndrome de down. As pessoas costumavam dizer que era um desperdício Gabriel ter nascido daquele jeito, que com o seu tamanho e força ele conseguiria jogar uma pessoa para longe com extrema facilidade, mas em vez disso, ele era apenas um grandalhão que gostava de cozinhar para as pessoas e que não tinha coragem alguma de machucar qualquer coisa viva. Já o que as pessoas diziam sobre Campion, elas conseguiam esconder muito bem o que pensavam e achavam sobre ele, porque respeitavam o seu pai que já foi herói do Exército Sagrado, e por isso também respeitavam seus filhos. No entanto, Campion conseguia sentir o que a maioria dos olhares significavam: pena. Um pobre e coitado que nasceu sem um dos braços, Órfão de Guerra, forçado a morar com seus tios que não tinham uma boa reputação na vizinhança e com um futuro incerto pena frente. O que seria daquela pobre criança?

—Aperte os passos, Gabriel. Vamos voltar logo para casa!

—Por que a pressa? – Perguntou Gabriel estranhando o comportamento do seu melhor amigo. Já que nas raras ocasiões que descia a cidade Campion sempre mantinha a tradição de desviar-se do caminho para deixar marcas de mãos e baba na vitrine na doceteria Luv enquanto admiravam o que tinham do outro lado da vitrine: bolo de morango e de chocolate, donuts, pudim, e o melhor, uma fonte que jorrava chocolate sem parar, mas já que não tinham dinheiro para obter o que a vitrine destacava, apenas olhavam através dos vidros as crianças nobres da cidade se empanturrarem de doces. – Está apertando? – Comentou ao pensar na primeira razão da pressa do seu melhor amigo.

—Não. Não é isso. – Disse Campion caminhando a passos largos e de cabeça baixa. Gabriel até então não havia prestado a atenção naqueles malditos olhares sobre eles enquanto caminhavam pela Cidade, ou, talvez, ele nem ligasse para isso tanto quanto ele.

“Como você não pode perceber?” Disse a si mesmo.

—Você pode fazer ali no beco. Não se preocupe, eu vigio a sua reta-retaguarda. – Ele levanta o polegar dizendo que poderia ter confiança nele.

—Eu já disse que não estou apertado, estou apenas com pressa. —Ele não queria dizer ao Gabriel o que o incomodava naquela hora. E se disse a verdade, Gabriel se sentiria magoado. E sendo o seu melhor amigo, a única pessoa com quem ele brincava, seria difícil vê-lo magoado a semana toda.

—Então é o número dois, né? Faça ali atrás da lata de lixo, eu espero aqui. Ah, mas não tem papel higiênico. Acho você pode usar aquele jornal ali no chão para limpar a sua bun- - Insistiu o garoto.

—Gabriel, eu não estou com vontade de ir ao banheiro! Eu só quero chegar logo em casa. – Interrompeu. – E por que eu ou alguém iria cagar ali?! - O rosto de Campion preencheu-se rapidamente de vermelho e uma veia se sobressaía em sua testa. Ignorou seu amigo e voltou ao seu percurso batendo os pés no chão enquanto resmungava algumas coisas desconexas sobre o Gabriel, até parar bruscamente na esquina da rua. — O que está acontecendo? – Perguntou ao ver a aglomeração de pessoas na estrada principal de Kalaen.

Adaga do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora