Memórias Quebradas

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1985

O dia estava ensolarado, era primavera, a época do ano favorita de Chishiya. Ele gostava de plantas, sempre gostou, desde que era só um menino tolo.
Seu pai, por outro lado, nunca gostou que ele brincasse nas flores ou pegasse borboletas, sempre insistia que o filho dele não era "bicha".

Mas as vezes, ele olhava pela janela de seu quarto o quintal e as árvores atrás da casa, na primavera ali se enchia de flores de cores diversas, os olhos dele se iluminavam e o coração palpitava.

É bobo parar pra pensar numa coisa assim, afinal quem em sã consciência com tanta coisa nesse mundo iria escolher flores?

Mas ele escolheu, melhor dizendo, as flores escolheram ele.

Havia uma flor específica, ele nunca aprendeu o nome, mas ele gostava mais ainda dela.

Era uma flor de cor violeta, talvez pudesse ter outras cores, mas o fato dela ser violeta o atraia mais e mais.

Sua cor favorita era roxo.

Essa flor não aparecia no seu quintal, nem mesmo na primavera.

A única vez que ele havia visto tal flor foi quando um dia foi a igreja, no jardim da frente haviam várias pequenas flores e ali no meio aquela se destacava.

Ele não podia olhar muito, seu pai estava presente, mas ele não evitava desviar o olhar para aquela flor, não conseguia não olhar, chegou um momento em que ele não disfarçava mais, olhava e admirava a beleza daquela flor.

Foram cerca de 9 segundos antes de seu pai estapear seu rosto e gritar consigo, mas para ele foi toda uma vida.

Aquela foi a única vez que viu a flor, mas guardou na memória.

Chishiya estava deitado em sua cama, encarava fixamente o teto como se fosse a coisa mais interessante desse mundo quando ouviu batidas na janela, sabia quem era.

Niragi o conhecia a cerca de dois meses, o viu a primeira vez quando foi a um fliperama, inclusive bem surpreso por seu pai ter deixado ir a um lugar como aquele.

Religião é complicado.

Mas assim que o viu ele soube que algo estava errado consigo, bom, não exatamente.

Desde pequeno ele sentia que não era bem o que seus pais esperavam que fosse, que tinha algo diferente em si e até chegou a comentar com sua mãe.
A mesma ficou um pouco surpresa mas então disse as seguintes palavras:

"Aime qui tu veux, mais ne lui fais pas savoir"

Chishiya não sabia o que significava, nunca ouviu nada em francês, então mesmo crescido nunca soube o que a frase dizia, ele também nunca perguntou.

O loiro então levantou da cama, se certificou da porta estar trancada e por fim abriu a janela.

A imagem do moreno ali em sua frente, a luz da lua refletindo em seus cabelos e o iluminando.

Ele era sua luz, e aquilo era lindo.

Niragi entrou no quarto lentamente, por fim ficando de frente para o loiro e sorrindo para o mesmo.

- Oi.

- Oi.

- Te trouxe uma coisa.

Niragi disse, enquanto tirava de seu bolso alguma coisa meio amassada.

Era uma foto.

O moreno rugiu baixo quando viu que estava amassada.

"Mas o que ele esperava? Estava no bolso dele o tempo todo"

Pensou Chishiya, sorrindo incocientemente com aquele ato.

O moreno então entregou a foto nas mãos do loiro que observou a mesma com cuidado, teve que caminhar para mais perto da janela pra ver exatamente o que tinha nela.

Era a flor, aquela flor, a flor violeta que tinha visto quando criança, era ela.

- Desculpe, não consegui achar a flor mesmo pra pegar ou comprar, mas um dia fuçando nas coisas do pai achei uma foto antiga dela, bonita não é?

Chishiya assentiu, era muito bonita.

- Você me contou que gostava de uma certa flor roxa mas não sabia o nome, era Queresmeira. Eu queria te dar a própria de presente mas...

- Me dar?!

O loiro se exaltou no exato momento em que a frase saiu da boca do moreno, colocando as mãos em sua boca e repreendendo a si mesmo por ser barulhento.

Niragi parecia confuso, então o loiro tomou ar e perguntou:

- Você sabe o que significa dar uma flor roxa pra alguém?

A resposta levou um certo tempo para sair da boca do moreno.

- Não é quando você gosta dela? Tipo aquele gostar, o primeiro amor...

O loiro paralisou, seus olhos arregalados, seu corpo tremendo e suando frio.

Não é como se ele não gostasse também de Niragi, ele tinha a certeza que sentia algo a mais por ele, mas o medo tomou conta de si.

E se ele estiver brincando? E se seu pai descobrir? E se, e se, e se...

Várias perguntas pairavam sua cabeça, todas começando com "e se", ele chegou a murmurar algumas delas, parecia estar em pânico.

Niragi logo percebeu isso e em um ato espontâneo o abraçou e deixou um beijo no topo de sua cabeça.

Chishiya não estava exatamente calmo, mas pôde sentir aquele toque e o medo passou, o cheiro de perfume velho e amadeirado que vinha do moreno era claro, dava pra sentir até a um metro de distância, mas abraçando ele assim era mais óbvio ainda e não era ruim.

O toque era cuidadoso, carinhoso, tudo ao seu redor desapareceu.

Realmente, ele estava apaixonado, não tinha pra onde correr.

- Não precisa retribuir, eu só...

O moreno começou a falar assim que se afastou relutantemente.

- Eu tenho medo dele.

O loiro disse de forma arrastada, não sabia se Niragi iria entender, mas estava esperando de verdade que sim.

- Tudo bem, posso esperar até que se sinta seguro.

Ele sorriu, ambos sorriram, Chishiya não sentiu dor ou remorso nas palavras do moreno, era sincero, verdadeiro, ele realmente esperaria.

Voltaram a se abraçar e alguns minutos depois, Niragi teve que ir embora. O quarto voltou a ser vazio, escuro e triste, mas, dessa vez, haviam memórias que deixavam Chishiya acordado o resto da noite.

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⏰ Última atualização: Apr 25, 2021 ⏰

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