Lembranças

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"Ela"

Ela queria esquecer;
Ela precisava esquecer;
Ela definitivamente não conseguia esquecer.
Não importava se o homem que aquecia sua cama usava a língua, os dedos ou seu considerável membro, nada fazia a jovem demonstrar prazer, ela não emitia som algum.

A verdade é que quanto mais tentava se distrair mais sua mente voltava ao fato de que hoje completava cinco anos desde o assassinato dos pais, cinco anos de sonhos destruídos, ilusões, a família unida e perfeita com a qual um dia sonhou hoje enterrada em algum lugar de Cortana. Cinco malditos anos desde que foram traídos e assassinados no meio da noite por valorianos.

Ele continuava a se contorcer dentro dela, mas de nada adiantava aquilo, por fim ela simplesmente o jogou para o outro lado da cama, desistindo da transa.

Em poucos minutos, já havia se vestido e saia para a rua escaldante e abarrotada de Arcádia, abandonado o homem e procurando uma nova distração.

A essa hora em um dia qualquer ela estaria treinando, praticando arco e flecha, correndo, arremessando facas. Mas não hoje.

Na maior parte do tempo tudo que Isabella sentia era uma necessidade profunda de vingança, mas durante os aniversários da morte de sua família tudo desaparecia, a raiva se transformava em tristeza, o ódio passava a ser desespero, seu corpo parecia não pertencer mais ela.

Enquanto andava lembranças à atormentavam, memórias de uma garotinha saltitando de felicidade, com um sorriso puro no rosto, ao receber cartas do pai prometendo que em breve iria buscá-la e a mãe relatando a saudade que sentia da filha e tudo que fariam juntas quando se reencontrassem.

Mas derrepente, tudo que via era aquela mesma garota agora com 14 anos, sentada no escritório de Ariana, sua guardiã, observando a mulher com o rosto indecifrável enquanto essa procurava as palavras mais adequadas. O que de nada importava, o significado era o mesmo, a capital havia sido atacada e estava agora sob domínio de Valória.

Isabella ainda se lembrava da falta de ar, do aperto no peito e o pavor que tomou conta dela antes mesmo do que viria a seguir. Mortos, seu pai e sua mãe estavam mortos. E então tudo ao seu redor se tornava um borrão, sentia água escorrendo por suas bochechas, mas não se lembrava de ter começado a chorar, talvez tenha gritado, não tinha certeza. A verdade é que o mundo já não fazia sentido, ela não tinha controle sobre o que fazia ou falava, era como se sua alma tivesse se partido em milhares de pedaços e tudo que restara foi um corpo vazio e desconhecido.

O motivo pelo qual acordava todos os dias, pelo qual se empenhava tanto nas aulas, era recuperar sua família, poder abraçá-los, ouvir suas vozes. E agora acabou.

Curtas imagens, era tudo de que se lembrava do que aconteceu depois. Ser carregada por alguém que parecia falar com ela, mas não compreendia o que era. Estar em navio. Então um prato de comida, mas ela não conseguia segurá-lo, sequer se lembrava de como mastigar e engolir.

Aquilo durou dias, a dor era insuportável, havia entrado em estado de choque. Se não a tivessem ajudado talvez teria morrido de fome ou desidratação, estaria em uma poça com os próprios dejetos, ou talvez simplesmente teria desistido e encontrado uma forma mais rápida de acabar com a agonia.

Isabella havia caminhado o dia todo, por toda a cidade, viu comerciantes oferecendo seus produtos a todos que passavam por perto, viu pessoas tomando café em uma padaria, crianças brincando de bola, uma mulher segurando um bebê no colo, um idoso carregando sacolas de compras. Todos viviam suas vidas como se fosse um dia comum, mas ela sabia que não era.

Só voltou para casa quando o sol despontava para um novo dia.

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