Vingança

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"Ela"

       Os moradores da casa estavam começando a despertar, Isabella conseguia ouvir os murmúrios no andar de baixo.

       Ela precisava se apressar, tinha perdido as aulas do dia anterior e não poderia se dar ao luxo de faltar novamente. A tensão estava cada vez maior, apesar de não comentarem sobre, todos sabiam que a guerra estava próxima. Em breve ela, sua corte e os tutores partiriam para Cortana onde se encontrariam com aliados a fim de lutar pelo trono.

       - merda - resmungou ela após entrar na banheira. A água estava gelada, o encanamento havia estragado à tempos e a janela quebrada deixava entrar o ar frio da manhã, de modo que a garota estava quase congelando.

       Ninguém poderia negar, a casa estava caindo aos pedaços e não tinha nada a ser feito. Uma reforma custaria uma fortuna e o dinheiro deixado pelo rei e pela rainha para a segurança da filha estava chegando ao fim. Além do mais precisavam economizar ao máximo para a viagem de volta ao lar.

       A casa era grande e  quando chegaram poderia ser considerada muito luxuosa, porém com moradores constantemente quebrando lustres, portas, mesas e vez o outra explodindo alguma coisa durante os treinamentos, a moradia foi ruindo.

       Contudo o que realmente tornava aquele lugar importante era sua localização. Antes da morte dos monarcas de Cortana, esses haviam deixado documentos e instruções explícitas caso algo acontecesse.

       Começando pela princesa acompanhada por seus tutores e sua corte indo de barco por uma rota pouco conhecida até o reino de Arcádia. Lá deveriam encontrar uma casa, já escolhida e paga, próxima ao palácio real pois, se necessário poderiam pedir auxílio a rainha Eloise e ao rei Robert, velhos amigos da família cortanesa

       Diversas orientações foram registradas, de modo que, vez ou outra Isabella se perguntava se eles de alguma forma sabiam que não voltariam a vê-la. Ainda assim de uma coisa ela tinha certeza, seus pais sabiam que cedo ou tarde o ataque viria.

       Ela ainda ouvia rumores sobre o "Massacre ao Templo dos Ossos", tinha apenas 6 anos quando ocorreu, sendo pequena demais para se lembrar, mas acreditava que foi justamente aquela ocasião que fez com que sua família percebesse como a  situação com o inimigo estava fora de controle.

       O ataque havia sido terrível, ocorreu dentro de um templo, abarrotado de fiéis, em uma cidade do interior. A região não era muito rica e a população era bem humilde, a segurança se limitava a algumas poucas dezenas de soldados.
Ninguém foi poupado, crianças, idosos, homens e mulheres, todos mortos pelo fogo, o lugar havia sido selado per um grupo de militares valorianos e as poucas pessoas que estavam na rua e tentavam se aproximar para ajudar, eram assassinadas. Os inimigos só foram detidos com a chegada de um batalhão do exército de uma cidade vizinha, mas o massacre já tinha sido feito e tudo que restara eram ossos e sangue.

       Desde então a rainha Vitória e o rei George concluíram que  não bastava ser apenas a "filha" de uma criada, simplesmente estar próxima dos monarcas, de viver no mesmo teto que esses já era um grande risco para Isabella.

       Assim, poucos dias depois ela já estava sendo enviada para uma pequena cidade litorânea, caso precisasse sair do reino as pressas, onde seria treinada por professores habilidosos e só poderia retornar quando completasse 18 anos ou quando a guerra acabasse.

       Inicialmente as coisas pareciam divertidas, ela pensava que seria apenas uma viagem temporária com outras quatro crianças, mas aos poucos foi percebendo que não. Enquanto a maioria das princesas teriam aulas de etiquetas, aprendendo a andar, se vestir e até mesmo comer graciosamente, Isabella aprendia a lutar, se esconder e manipular, mas não houve um dia que não se lembrasse do porque estava fazendo aquilo.

       Conforme foi crescendo ela foi adquirido gosto pelas atividades, ainda tinha lições de história, geografia, matemática, ciências e linguagens, afinal continuava sendo uma princesa e seria rainha um dia. Porém suas atividades favoritas envolviam a luta, a jovem percebeu rapidamente que era muito ágil e rápida, alguém que se continuasse treinando quem sabe não conseguiria até mesmo vencer os tutores em breve.

       Tantos sonhos, tantas expectativas destruídas quando soube que a família estava morta, que ela sequer conseguiu se despedir, a única coisa que a fazia seguir em frente era o desejo de vingança, o que a transformou em uma pessoa fria e calculista.

        Além do assassinato do rei e da rainha, metade do exército havia sido exterminado, o povo não tendo quem os defendesse teve que aceitar o novo governo de tiraria e tortura. Os militares sobreviventes tiveram de se ajoelhar para a nova imperatriz e jurar lealdade, os impostos extremamente altos faziam com que o povo  passasse fome. Os cidadão que se revoltaram eram escravizados ou decapitados em praça pública como lição à outros. A violência era tanta que o medo tornou-se um sentimento comum, com o qual os cidadãos aprenderam a conviver.

        Pouco havia mudado em cinco anos, as atrocidades continuavam, e a falta de esperanças do povo tornaram as rebeliões cada vez mais escassas. Assim, Isabella pensava que libertar seu povo era uma motivação tão grande, quanto pensar nas cabeças ensanguentadas da imperatriz de Valoria e de seu general em suas mãos, algo que as vezes lhe tirava o sono.

        Ela os odiava, com todo seu coração, eles haviam destruído qualquer chance de felicidade da jovem. Primeiro não permitindo que o mundo soubesse quem ela era, obrigando os pais a se manterem distantes quando outras pessoas estavam por perto, sem poderem abraçá-la, beijá-la, ou lhe mostrar os lugares mais lindos do reino como um dia haviam prometido. Depois forçando os monarcas a mandarem a única filha para longe com apenas 6 anos.
Como se não bastasse, mataram sua família e ao fazer isso arrancaram a alma da garota, mataram quem ela era e poderia ter sido, a líder que os pais um dia desejaram que fosse. Pois quando o pânico passou e a consciência voltou, ela estava diferente, completamente vazia, com novas responsabilidades e um novo título, era uma rainha.

        - Já chega - resmungou Isabella, terminando de se vestir após o rápido e agonizante banho frio - esses pensamentos não vão ajudar em nada.

        - Conversando sozinha ? - perguntou Liana. Não apenas um membro de sua corte, mas sua amiga, uma das quatro crianças que a acompanharam durante todos aqueles anos, alguém que viu os altos e baixos de sua líder.

        - Só pensando alto - respondeu.

         - Ouvi você chegar - Liana parecia nervosa, dizendo cada palavra cuidadosamente - está tudo bem ?

         Isabella sabia que todos na casa entendiam que a jovem precisava de espaço, precisa enfrentar o aniversário da morte dos pais e todas as lembranças monstruosas sozinha. Porém não significava que eles não se preocupavam, que não ficavam tensos.

         Ainda se lembrava do primeiro ano, quando Maressa e Conor, outros dois jovens da corte, a seguiram por toda a cidade, mantiveram-se afastados para dar o máximo de privacidade a sua rainha, mas sem desviar os olhos dela, com medo do que poderia vir, que pudesse tirar a própria vida. Então quando chegou em casa e se deitou para dormir, Isabella começou a pensar no significado de terem que segui-la, se realmente pensavam que ela seria capaz de abandoná-los, seus amigos e seu povo. Aquilo a assustou, aterrorizou melhor dizendo, ela não faria nada, não se fosse deixar tantas pessoas na mão. Quando chegou a tal conclusão decidiu conversar com os tutores e sua corte, que desde então não a seguiram novamente.

        - Sim, estou bem. Mas não quero falar sobre isso - respondeu a rainha com suavidade - agora precisamos ir ou vamos perder o café da manhã.

        - Tudo bem, mas se precisar conversar estou aqui. Aliás Ariana nos quer na sala de reuniões em meia hora. Vamos ter que espionar a família real de Arcádia. - Isabella ergueu uma das sobrancelhas diante das últimas palavras, mas Liana apenas deu de ombros.

         Assim as duas jovens saíram do quarto e foram em direção a sala de jantar, para um novo dia.

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⏰ Última atualização: Jul 06, 2021 ⏰

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