Capítulo 1

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“But you make the deals

And it hurts some more till you just can't feel”

Make The Deal – Ocean Colour Scene

 

Corri desesperadamente pelos corredores da escola. Era a quarta vez na semana que chegava atrasado por conta dos ensaios da banda. Apesar de Penélope odiar o fato de eu “não fazer nada de útil com meu talento”, cantar na Glass House me trazia uma adrenalina, quase como se meu corpo necessitasse de substâncias tóxicas para manter-se de pé. A música era a minha droga.

Cheguei arfando na sala de aula e meus olhos imediatamente se fixaram ao fundo.  Um casaco cinza, roupas largas e um capuz cobrindo a metade do rosto. Apesar do calor que fazia no Rio de Janeiro, poderia ser só mais um menino desleixado do último ano, dormindo de cabeça baixa e babando em cima do caderno quase em branco, mesmo com as provas finais se aproximando. Mas não. Era ela. Dirigi-me até a última carteira tentando conter um sorriso no canto dos lábios. O professor já estava em sala, tão entretido com seus assuntos que nem sequer a tinha notado.

- Você não tem escrúpulos – balbuciei na intenção de que ela lesse meus lábios e tudo o que recebi em troca foi um sorriso debochado.

Sentei à sua frente, dobrando o corpo para trás no encosto duro.

- O que está fazendo aqui? – sussurrei sem me virar para ela.

- Queria te ver – deu de ombros como se aquilo não tivesse a menor importância. – Quer bala? 

Penélope estalou o doce na língua, espalhando seu hálito gelado de menta em minha nuca. Senti um calafrio e me ajeitei nervosamente no assento.

- Você não desiste, não é?

Ela riu e seus lábios se colaram ao lóbulo de minha orelha esquerda. Firmei minhas mãos na mesa.

- Não de você.

Depois abaixou o capuz outra vez e saiu da sala, deixando-me perplexo demais para fazer qualquer comentário antes de vê-la partir sorrateiramente. 

Duas aulas tinham se passado e meus pensamentos ainda divagavam sobre o impacto que a simples presença de Penélope me causava. Estar no mesmo cômodo que ela era perigoso. Como estar no meio de um incêndio e não sentir calor; se eu não escapasse depressa, seria alastrado por suas chamas como uma frágil folha de papel.

Quando o professor chamou meu nome, percebi que seu tom de voz havia mudado. A sala estava vazia e eu não tinha percebido. Ótimo. Recolhi minhas coisas e lhe dei um aceno de cabeça antes de partir, evitando olhar em seus olhos raivosos. Com passos rápidos, desviei-me dos alunos apressados e me afugentei em uma das cabines do vestiário. Eu estava cansado demais pra discutir outra vez, mas era óbvio que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer. Eu só precisava de alguns minutos longe dela.

Joguei minha mochila no chão, apoiei as costas na parede e dobrei os joelhos, fechando os olhos e me forçando a dormir o suficiente para aguentar os próximos tempos. Meu celular tocou, mas eu ignorei. Poderia lidar com Penélope outra hora.

Quando acordei outra vez, havia quinze chamadas perdidas. Eu dormi naquele chão frio por exatas três horas e tinha perdido o restante das aulas.

- Droga!

Peguei minhas coisas e saí cambaleando porta afora. Enquanto me aproximava do portão, checava as mensagens de voz na caixa postal. Sorri atônito. As palavras de Penélope pareciam água em uma chaleira fervente prestes a apitar.  Seria cômico se não fosse trágico.

PenélopeOnde histórias criam vida. Descubra agora