Capítulo 2

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CAPÍTULO DOIS

“I don't need this, I don't need you

I'm hitting back for what you put me through

I'm over this, I'm over you

I'm taking back what I have given you”

Don’t Need This – Melanie C

 

 

 

- Greve de sexo? - Pedro gritou com cara de espanto, passando as mãos pela franja comprida.

E era por isso que eu evitava comentar qualquer coisa sobre meu relacionamento com meus amigos.

- Não, cara. É mais uma aposta pra ver quem cede primeiro. E não é de sexo, é de beijos.

- Como se já tivesse conseguido alguma coisa além disso... – Samuel ironizou. – Não sei por que ainda continua com essa garotinha.

- Ela é gostosa – Leo opinou, esparramando-se no sofá cinza surrado em meu porão e cobrindo os cabelos loiros bagunçados com uma touca.

- Ei! – bronqueei e ele levantou as mãos se desculpando. – E ela não é uma garotinha, tem quase dezoito anos.

- Dezessete anos e manda na sua vida como se fosse a droga da sua mãe! – Samuel rebateu outra vez.

- Será que a gente pode acabar com essa discussão inútil e voltar ao ensaio? – era a vez de Pedro devolver alguma sanidade ao grupo.

As noites de ensaio podiam ser terrivelmente caóticas às vezes. Principalmente quando o nome de Penélope era mencionado. Era como uma bomba relógio: começava num fio silencioso e por fim, terminava numa grande e barulhenta explosão. Esconder qualquer coisa deles era difícil, principalmente quando as discussões com minha namorada começavam a afetar meu desempenho na banda. Por outro lado, discutir com meus companheiros também não levava a lugar nenhum.

Samuel não entendia o porquê de eu namorar com Penny há quase um ano e eu sabia o motivo. Ele era o único pra quem eu contara a verdade: nós nunca tínhamos feito nada além de nos beijar. É claro que houveram alguns amassos no banco de trás do carro e até ali naquele porão, mas não passou disso. Sempre que as coisas esquentavam, Penélope dava um jeito de escapar e me deixar sem reação, até que começava a me beijar outra vez e qualquer vestígio de irritação desaparecia de imediato. Era doloroso saber que não sairíamos daquela situação tão cedo, mas o modo como ela me levava aos limites, me fazia esquecer qualquer confusão interna e me concentrar apenas naqueles lábios, mãos e corpo explorando o meu provocativamente.

- Será que dá pra entrar na sua deixa ou vamos ter que repassar a introdução pela terceira vez? – Samuel me despertou do devaneio, enfurecido.

- Cale a boca e toque essa droga de bateria! – respondi irritado, sentindo os olhos de todos queimarem em minhas costas.

- Não fui eu quem perdeu a entrada por causa de uma briga estúpida com minha namoradinha – ele largou as baquetas e se levantou, vindo em minha direção e apontando o dedo em meu peito. – Estou cansado de ouvir essa sua choradeira todo santo dia, cara!

- Qual é, gente! Dá pra tocar pelo menos uma vez sem que algum de nós estrangule o outro? – Pedro interveio, encostando o baixo na parede e se colocando no meio da nossa discussão idiota.

- Não é culpa minha se ela não quis você! – ignorei a sanidade e despejei as palavras sem ao menos pensar no que estava dizendo.

O rosto de Samuel se transfigurou e ele apertou os punhos até os nós dos dedos ficarem brancos.  Desejei poder apagar o que eu tinha acabado de dizer.

- Não foi isso que eu...  – podia sentir o sangue pulsando da veia saltada em seu pescoço.

- Babaca!

Quase não ouvi o que ele tinha acabado de dizer quando um soco me atingiu o estômago. A sala inteira girou enquanto meu corpo pendia para baixo.

Leo correu em minha direção e Pedro segurou Samuel pelos ombros, tentando acalmá-lo. Mil coisas passaram pela minha mente enquanto ele se virava para mim com a raiva faiscando de seus olhos, mas nada saiu de meus lábios. Eu já tinha falado demais.

- Dane-se essa droga, nós nunca fomos uma banda de verdade! – foram suas últimas palavras antes de subir as escadas numa velocidade sobre-humana.

A porta se fechou com um baque alto e todos se voltaram para mim.

- Vocês são uns imbecis! – Pedro começou a guardar o baixo, enquanto eu me levantava com dificuldade e me dirigia para a saída. Leo apenas nos encarava, como se estivesse alheio à cena abominável que acabara de acontecer bem diante de seus olhos.

Apenas respirei fundo e saí, irritado demais para ouvir outro sermão. Eu sabia que não deveria ter dito aquilo, principalmente na frente de todos. Sabia que Samuel sentia-se envergonhado demais por aquilo e agora eu tinha ferrado com tudo.

Uma única vez, no primeiro ano, ele havia tentado ficar com Penélope e ela o humilhou na frente de todos. Fez com que ele se apaixonasse perdidamente a ponto de abandonar seus amigos e quase repetir de ano por ela, e depois o dispensou, dizendo que ele era imaturo demais e que nunca tinha beijado uma garota. Penélope havia se esquecido daquilo uma semana depois, enquanto ele passou o resto do semestre almoçando sozinho e ouvindo as provocações dos garotos do último ano. Eu fui o único que fiquei do lado dele, até que chegamos ao último ano do colegial e eu me apaixonei. Por ela. Que grande ironia do destino!

Peguei minhas chaves e fui até o meu Chevette preto, caindo aos pedaços. Liguei o motor e saí, decidido a concertar pelo menos alguma coisa antes que tudo fugisse completamente ao meu controle. Se eu conhecia Samuel, ele não estaria nem um pouco disposto a me ouvir, e aquilo podia esperar. Era hora de fazer algo que eu adiara por muito tempo. Eu iria até a casa de Penélope e discutiríamos tudo o que havia ficado pendente nas últimas semanas. E aquela seria a última vez em que nos falaríamos antes que a Glass House saísse em turnê.

PenélopeOnde histórias criam vida. Descubra agora