Estranho

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“(...) É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?"
          — Clarice Lispector

Wuxian olhava para o relógio a cada cinco minutos na esperança de seu trajeto se tornar mais curto por estar mais perto de seu destino.

E como todas as vezes, não estava. Ele se atrasava, não importava o qual tivesse se esforçado para levantar cedo e deixar suas obrigações prontas em casa.
Aquela rotina era esgotante.

Principalmente pelo fato de ser uma pessoa estritamente solitária.

Wuxian não tinha família. Havia crescido em um orfanato e vivido nele possivelmente uma vida inteira, pois não recordava nada que lhe desse a impressão de ter tido pais ou irmãos.

Qualquer mera lembrança teria sido mais interessante do que viver uma vida vazia. Os dias eram monótonos de todo modo. Desde que havia arrumado um emprego em que, por sorte ou acaso, havia lhe dado um certo conforto para viver sem depender de ninguém, Wuxian se dedicava a ser um excelente funcionário mesmo que este tivesse uma carga horária extensa – e até poderia dizer escrava -, desde que pudesse pagar as contas e sobrasse o mínimo de tempo para estudar, estaria tudo bem.

Viver com fardo de não ter alguém para amar era a pior coisa que existia. E ainda que pensasse na possibilidade de se aproximar das pessoas e criar vínculos com elas, Wuxian sentia um certo receio toda vez que conhecia possíveis amizades.

Ele sempre pensava na possibilidade de um dia elas não estarem lá. Delas conhecerem suas vulnerabilidades, virtudes e sonhos, lhe darem afeto e, um belo e terrível dia, elas não quiserem mais estar em sua vida.

Porque aí sim, Wuxian teria que conviver com o fato de que não era alguém bom o suficiente para que outros quisessem ser presentes em sua vida.
Com isso em mente, Wuxian apenas era gentil. Ele prezava sua bondade e gentileza, mas não deixava que ninguém se aproximasse o bastante para lhe fazer perguntas sobre sua vida pessoal.

Ele adorava ajudar quem quer que fosse, onde fosse. Entre círculos sociais dos quais não fazia parte, era conhecido, todos tinham uma perspectiva boa de Wuxian, porém sempre se perguntavam o porquê não havia alguém próximo do jovem garoto estudioso e trabalhador.
Sendo assim, Wuxian levava seus dias despreocupado, afinal, se não deixava alguém entrar em seu coração, não poderia se magoar.

Isso não queria dizer que Wuxian não se preocupasse com outros, principalmente no que se dizia em situações extremas.
Finalmente chegando no metrô, Wuxian  estava preparado mentalmente para a prova de literatura comparada quando à espera do transporte público, estando metros atrás da linha da plataforma, notou um jovem adulto olhando para baixo, para os trilhos.

Este era a única pessoa entre todas naquele espaço com os pés além da linha de segurança.

“Talvez não seja nada de mais.” Disse pensativo, tentando se concentrar no lugar de onde viria o transporte. “Deve ser uma pequena paranoia.”

Ainda que tentasse, algo naquele jovem, embora de costas, chamava a atenção. Ele estava usando um casaco cinza, calça jeans e mochila nas costas. Seu corpo pareceu balançar para frente e para trás.

Wuxian olhou ao redor. O metrô não estava cheio, mas ainda havia pessoas ali.

E nenhuma delas parecia notar aquele jovem. O corpo dele continuava balançando ainda que seus pés estivessem estagnados no mesmo lugar.

O coração de Wuxian começou a pulsar freneticamente enquanto olhava para o lado de onde o transporte viria e o jovem que continuava ali, encarando os trilhos.

IMPERADOR | WANGXIANOnde histórias criam vida. Descubra agora