3. Dias desastrosos do começo ao fim

13 2 2
                                    

Semanas antes...

Havia uma coisa sobre momentos. E timing. Para um primeiro beijo, ambos são extremamente importantes.

Mas Safira era totalmente desprovida de ambos, momento e timing.

É senso comum saber que quem antes chega, melhor come — a não ser que você goste de raspas de arroz. A treinadora parecia não se importar muito se suas corredoras comiam pedaços generosos de carne ou os últimos pedaços pequenos e frios. Fato é que, todos os dias, a mulher inventava exercícios que tirara sabe se lá de onde, atrapalhando todo o processo. De cabeça baixa e olhar murcho, Yue carregou a bandeja lotada de legumes ensopados num molho que um dia carne fora. Parecia injusto pagar por algo assim.

O refeitório já estava lotado, pessoas conversando e rindo em seus lugares. Numa mesa ao fundo, duas cadeiras vazias brilhavam como se fossem a prova física de um milagre. Enquanto se dirigiam para o lugar, Kalla e Yue não paravam de pensar no banquete que Izumi estaria usufruindo com o pessoal do jornal.

— Tem alguém sentado aqui? — Kalla perguntou ao garoto na ponta oposta. Ela mal olhava ao redor.

Sem levantar a cabeça, ele respondeu com um leve sotaque:

— Não, pode sentar.

Suspirando de alívio, as duas ocuparam os lugares. Elas estavam na área das mesas de oito lugares, mais especificamente próximas às janelas laterais — onde o sol brilhava sem dó, nem piedade. Além daquelas duas vagas, mais duas permaneceram vazias. As outras garotas presas por Safira faziam biquinho em solidariedade para a colega de time, ao que Yue respondeu com um sorriso melancólico.

— Caramba, garota. — Kalla se pôs a reclamar, o rabo de cavalo balançando. — Não sei quem é pior, sua treinadora ou meu chefe.

— Safira não me paga um salário.

Morando sozinha e longe dos pais, Kalla precisava trabalhar muito para se sustentar, já que não tinha a intenção de incomodá-los. Eles moravam em uma das pequenas cidades vizinhas e administravam uma companhia de pesca. Duas vezes na semana, a tarde, Kalla trabalhava de suporte técnico na rádio; três vezes trabalhava na cafeteria do campus e, aos sábados à noite, fazia bebidas no bar de um sênior. A parte boa de tudo isso era que apenas um dos chefes lhe dava problemas.

— Tem razão. Aliás, — enfiou o pedaço mixuruca de carne na boca. — Amanhã vai ser a inauguração do novo espaço do café. Vocês precisam ir.

Antes que Yue pudesse responder, uma voz masculina irrompeu:

— É o espaço de jogos?

Surpresas, ambas levantaram a cabeça rapidamente. O garoto a frente sorria, nem um pouco constrangido por ouvir a conversa alheia.

— Desculpa, acabei ouvindo. — então coçou a cabeça.

— Oh. — ao mesmo tempo, Yue exclamou de seu lugar.

Ela olhou para o garoto, sentindo os olhos quase saltarem das órbitas. Por um momento, quis enfiar a cabeça debaixo da mesa e sair dali engatinhando. Mas era tarde demais, ele também olhava para ela. "Oh", foi o que ele disse.

— Você! — ele exclamou e deu uma cotovelada na pessoa da cadeira ao lado. — Veja, Hui.

Enquanto estavam tão ocupadas em suas miseráveis bolhas injustas, os dois garotos ouviam a conversa. Yue não tinha certeza se Hui se lembraria dela, mas ela com certeza sabia quem ele era. Os dois, na verdade.

No ensino médio de Vale D'Oro, o veterano Hui Haneda era muito famoso. Por onde passava arrancava suspiros. Ele e o melhor amigo, Junior Tang, eram como estrelas alcançáveis. Quem esqueceria o lendário dia em que a torneira quebrou e deu um banho nos garotos bonitos? Nem mesmo a tão avoada Yue esqueceria — já que também foi pega pela água (mas disso ninguém lembrava).

platônico.comOnde histórias criam vida. Descubra agora