O primeiro dia

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Tento relaxar enquanto a água quente cai sobre meu corpo, depois da noite mal dormida de ontem por culpa da ansiedade um banho quente é a única coisa que poderia me acalmar. Hoje é finalmente o primeiro dia, meu primeiro dia como conselheira, é o cargo mais alto com o qual uma pessoa como eu poderia sonhar. Prestígio social, conforto e o melhor pagamento: saber das decisões políticas da colônia antes mesmo de serem oficializadas. Isso é importante para mim se eu quero continuar protegendo minha irmã e meu sobrinho que acabou de nascer.

Minha cabeça dói um pouco e talvez isso seja culpa dos mil pensamentos diferentes que me invadem. No geral eu não sou tão ansiosa ou deixo esse tipo de coisa me dominar, afinal eu preciso sempre manter a calma sob pressão, isso foi me ensinado desde meus 11 anos aqui, porém hoje estou me dando uma folga. É um dia especial para mim.

Olho para minha pulseira, ela que é um símbolo do que eu sou aqui, dou um toque na mesma e consigo ver que horas são: 6:00h. É tempo suficiente para que eu passe nas dependências de minha irmã para vê-la.

A pulseira começou a piscar em verde e amarelo. Aquele sinal de boas notícias. De repente um holograma é projetado, "parabéns pela admissão, é um prazer tê-la como conselheira. Por favor não se atrase para a reunião às 7:00". Dou um leve sorriso, atraso não consta no meu vocabulário.

Enquanto eu coloco a blusa do meu traje, um som ecoa por todo meu quarto, é a campainha, só podem ser uma das únicas duas pessoas de quem me aproximei na colônia, as únicas duas pessoas que seriam o mais próximo de amizade para mim, mas não é como se eu os considerasse meus amigos, são apenas colegas. Aperto a tela gelada de metal que fica ao lado da porta e no mesmo instante ela desliza, não é apenas um, mas sim os dois.

-Parabéns para a mais nova conselheira da colônia, como está se sentindo? - disse Ítalo invadindo o quarto mesmo sem eu ter o convidado para entrar.

Consigo ver de relance seu cabelo negro encaracolado enquanto ele invade meu quarto e preenche todo espaço com sua presença. Todo folgado ele deita em minha cama, que em outra ocasião ele disse ser macia demais.

-Uau! - eu digo - É quase como se eu pudesse tocar o céu.

Ouço uma risada atrás de mim. É Ivy.

-Como sempre nada empolgada. Mas não seria você se não fosse assim. E Ítalo, seja mais educado e espere que as pessoas o convidem para entrar -Olho para trás a tempo de vê-la consertar seus óculos com os dedos indicador e anelar, já é uma marca. Ela espera minha resposta, uma permissão para entrar.

-Bem, eu agradeço pela visita e pelos parabéns, mas eu preciso passar nas dependências de minha irmã. Eu gostaria de vê-la antes de ir para a primeira reunião. - eu não queria ser grosseira, mas eu não tolero atrasos de minha parte.

-Tudo bem, tudo bem. Eu preciso mesmo voltar para o posto. Quando fui embora ontem havia três exploradores com defeito. E como vocês sabem, quanto mais rápido eu terminar o trabalho melhor. - Ítalo é mesmo um preguiçoso, tem sorte de só ser chamado para o trabalho quando há algum problema com os equipamentos da colônia, ou ele morreria por ter que cumprir qualquer tipo de carga horária.

-Posso ir com você? - questiona Ivy. - Faz um tempo que não vejo a Mari, eu queria saber como está o Miguel também.

-Podemos ir juntas, claro. Nos fazemos companhia até a reunião.

A Ivy é uma pessoa que tem algo diferente, é como se fosse uma luz. Sua pele é escura como o café que eu costumava tomar todos os dias de manhã quando era criança. É uma das coisas que mais sinto falta. Seus olhos são pretos como um céu noturno, e quando fica empolgada eles brilham como se fosse o berçário de milhões de estrelas-bebê. Ela sempre usa tranças na altura do ombro jogadas para o lado contrário à parte do cabelo que é raspada, e sua boca sempre está vermelha, como se ela tomasse um cuidado extra para sempre ter essa cor. Perto dela, com meu cabelo loiro escuro e pele pálida realçando as olheiras que preciso esconder todo santo dia, eu sou tão sem graça quanto um joão de barro perto de um canário.

Chamas e CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora