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O que levar para uma nova vida? Não sabia nada sobre o lugar para onde estávamos indo, não tinha muito o que levar também. Minha vida se resumia a morar com o Tatá ou com o Beto, era sempre assim desde que fui expulsa da tribo. Tudo o que realmente tenho são minhas roupas, algumas bijuterias que fazem parte dos figurinos que uso quando canto, e um livro de poemas. cabem em uma bolsa de viagem e com isso sou a primeira a estar pronta. Beto foi na casa do Tiago, ele tem muita coisa para levar e tem os pais que não querem deixar o menino ir sem estar com tudo realmente organizado na nova casa. Eles são muito legais e agora posso dizer que sei o que é ter mãe.

Sigo para o quarto da Cai e ajudo com as roupas, a mulher é menor que eu e tem três malas só de acessórios. Depois de tudo pronto, seguimos até o quarto de Tatá e posso confessar que ele é a personificação da beleza negra, super alto, corpo esculpido de músculos naturais e um sorriso de matar, pena que ele assim como o Beto prefere pessoas um pouco mais altas, nunca vi o Tatá rejeitar ninguém, é um cara zero tabus, tirando o fato de me ver como uma criança por causa da minha falta de altura, já trocamos beijos e carícias, pelo menos é o que ele conta, porque de verdade não lembro, até tentei, com chás de ervas, raízes e até os remédios de manipulação, zero lembranças o bom é que ele sabe que foi perfeito.

Há um tempo atrás eles tentaram fazer comigo o mesmo que viram em um filme, a garota havia sofrido um acidente e perdeu a memória achando que o dia de amanhã era o aniversário de um parente, todos os dias ela usava a mesma roupa, comprava o bolo de aniversário e entregava o mesmo presente, até que um cara decide fazer um vídeo, assim ela assistiria sobre os fatos ocorridos e hoje seria apenas hoje. De início deu certo, mas logo depois eu não conseguia lembrar nem mesmo o nome das pessoas que me cercavam. O vídeo também era um fato que me fazia esquecer. Aí eles voltaram a anotar o que achavam importante e me contavam na manhã do dia seguinte, foram tantos anos convivendo com eles que acabei mantendo a memória da nossa amizade.

Tudo realmente pronto, seguimos para o porto, vamos de barco até a outra cidade e depois são umas dezoito horas de navio até a capital, pena que de sereia, só tenho a voz. Se o Beto ainda fosse boto, ele nos puxaria em menos da metade desse tempo, mas já não sabe nadar tão rápido como antes. Seu Pedro é o responsável pela nossa primeira travessia. Nossa primeira viagem é curta, cerca de duas horas, isso porque estamos contra a maré, o legal de morar em ilhas e ter essa dificuldade de transporte é que não lota de pessoas com intenção de escangalhar tudo, o ruim é que sempre vem algum mal elemento mesmo assim. 

Seguimos de navio até a capital e acabo fazendo um trocado na viagem, estava conversando com meus amigos e comecei a cantar, e do nada tinha uma roda formada, pessoas se empolgaram e começaram a dançar e com isso a viagem pareceu até mais curta. Só pareceu, porque é uma baía pra atravessar e talvez seja por isso que acabei cantando esse rio é minha rua. Se fosse uma estrada, seria uma do tipo rodovia. 

Para o paraense a ligação com o rio é como uma oração, tanto que no Círio tem a procissão fluvial e é a coisa mais emocionante e linda de ver, é uma das poucas lembranças que tenho, e nem sou religiosa, afinal perdi minha fé nas pessoas quando quase morri sendo caçada como bicho pelos meus irmãos. 

Ao chegarmos no porto, fomos recebidos por uma tia do João Tiago, e ela nos levou até a casa onde vamos morar, simples, mas aconchegante e pertence aos avôs maternos dele, foi reformada para nossa comodidade, agora tem quatro quartos e dois com banheiro dentro, o outro banheiro da casa fica dividindo parede com meu quarto e o da Cai, vai ser o nosso banheiro porque somos mais organizadas.

Passamos o primeiro fim de semana organizando a casa, arrumando as nossas coisas, aprendendo a andar pela vizinhança e procurando locais onde eu poderia cantar. Achamos um barzinho no final da rua onde as pessoas poderiam fazer curtas apresentações. Foi assistindo um cara muito gato e bêbado cantando que decidi ser o mais gentil possível na vida, como dizem agora, vergonha alheia é o nome. Ele mais chorava que cantava na verdade. Retirei o microfone da mão dele, que não gostou muito e sorrindo o meu mais doce e belo sorriso, dediquei uma canção pro cara, imaginei que se conseguisse acalmar os ânimos dele, tudo ficaria bem, deu certo. Só não pensei que acertaria bem no meio da ferida, quando escolhi a música, pensei apenas na melodia, a merda é que de certa forma falava de traição, solidão e tudo o que o cara queria era esquecer a merda que sei lá quem fez na vida dele. Já era tarde, mas ao menos ele sorriu no final.

- Faz tempo que não ouvia essa música e tua voz é tão doce que até esqueci o pé na bunda que levei. Obrigado.

- Sabe, as vezes esquecer é uma dádiva e tu vais ver que passar por isso é só um aprendizado. A pessoa que te deixou escapar, não deve mesmo merecer um cara assim tão maneiro.

- Obrigado! De verdade menina. Se quiser voltar mais vezes e cantar, tenho certeza que os fregueses vão gostar mais de te ouvir do que me ver estragando as músicas. Se o movimento for bom, rola um cachê.

- Beleza, sexta estarei aqui assim que o Beto e o Tiago chegarem da aula. Eles são meus melhores seguranças junto com meu outro irmão ali. - Apontei pro Tatá.

- Então até sexta, sereia. Meu nome é Mauricio, esqueci de me apresentar antes.

- Iuara. Mas se ficar muito difícil, o sereia tá de bom tamanho. - Sorri e voltei pra perto dos meninos. Nossa noite acabava ali, e voltamos para casa.

A semana passou correndo, Beto e João saem cedo para o cursinho que a universidade oferece gratuitamente, Bernardo ia para um curso de carpintaria e a Cai me ajudava com as tarefas de casa, antes de ir para o cursinho popular em uma outra universidade, ela não quis ir para a mesma que o casal de pombinhos fazer o cursinho por dois motivos, não segurar vela, e poder arrumar um gatinho sem eles para atrapalhar. Eu estudo em casa mesmo, seria difícil explicar diariamente para os colegas de sala que não lembro de nem um todos os dias.

Hoje é sexta-feira amanheci inquieta, parecia que precisava fazer algo só não sei o quê exatamente e já li todas as anotações dos meninos. Será que a Cai sabe?

- Cai. - Gritei mesmo e ela que se lasque. Sabe se tenho alguma coisa para fazer hoje, sinto que tô esquecendo alguma coisa, mas as anotações dos meninos já estão com o tiquezinho do lado indicando que já fiz. - A criatura abriu um sorriso tão grande e demorou a responder que deu tempo dos meninos chegarem.

- Tem. Hoje você vai cantar e encantar no bar do final da rua e de acordo com o cara que te chamou, se der muita gente, rola cachê. Isso é um bom sinal garota, você lembrou que tinha uma coisa pra fazer.

- Vai ver é porque envolve música. Sei lá. - Ela saiu cantando tudo errado em um inglês difícil de entender e foi contar para os meninos e então me lembrei de mais uma coisa, um nome na verdade, só que não sei nem de longe quem pode ser esse individuo. 

Mauricio.


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Hey babys,

Demorei, mas aqui estou. Vamos conhecer mais um pouquinho da nossa sereia.

 Espero que gostem, votem e comentem. Até breve!

14/05/2021

FascinadaOnde histórias criam vida. Descubra agora