1. Só pode ser assombração

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A primeira vez que vi um fantasma eu tinha oito anos. Na época, eu morava em uma casa antiga de dois andares. Meu irmão e eu sempre nos levantávamos cedo para não perdermos os desenhos animados e todas as noites assistíamos filmes enquanto nossa mãe trabalhava e nossa avó cuidava dos afazeres da casa. Éramos três irmãos, Luiz tinha cinco anos, Rodrigo tinha alguns meses de vida e eu havia acabado de completar oito. Havia um escritório a direita que a antiga dona, idosa, transformou em quarto. Não usávamos aquele cômodo então ele sempre ficava fechado.

Em uma noite, quando Luiz, já cansado, foi o primeiro a ir para o quarto, eu ouvi um estalo vindo da minha direita. Me virei e vi a maçaneta da porta girando enquanto ela se abria com um rangido. Encarei a porta, nervosa, imaginando que quando ela se abrisse, revelaria um ladrão armado que me faria refém. A porta continuou se movendo, revelando o cômodo que era puro breu. Porém quando ela estava quase escancarada, eu virei o rosto, assustada demais para enfrentar quem quer que fosse. Me levantei, pronta para correr e olhei para a porta outra vez, movida mais pela curiosidade que por coragem. Para meu espanto, a porta estava fechada. Como era possível que ela tivesse se fechado tão rápido e sem fazer barulho? Me convenci de que foi apenas a minha imaginação,mas isso aconteceu na noite seguinte e em outras noites. Era sempre quando eu ficava sozinha na sala. Eu não contei nada nem mesmo ao meu irmão porque de alguma forma eu sabia que o que estava atrás daquela porta não era humano.

Uma vez, fiquei tão assustada que corri direto para a cozinha, deixando meu irmãozinho no carrinho para trás.

Tentei puxar assunto com minha avó na esperança de que um pouco de conversa fizesse meu medo ir embora. Não deu certo e minha avó percebeu que tinha algo estranho. Ela me perguntou o que estava me incomodando. Hesitei em dizer. Ela insistiu e assegurou que não ficaria brava comigo. Soltei um suspiro e contei o que havia acontecido. Ela correu para ver se Rodrigo estava bem. Eu a segui. Felizmente, o bebê dormia, tranquilo. Minha avó revistou a casa, pensando que fosse um ladrão. Tudo estava como deveria estar. Não faltava nada. Então, não era um ladrão.

Algumas semanas depois, quando me levantei para ir ao banheiro, ouvi minha mãe e minha avó sussurrando, dizendo que ouviram vozes na sala de jantar. A sala ficava do lado externo da casa. Isso se repetiu. Minha avó afirmava que eram fantasmas, mas minha mãe dizia que só podiam ser ladrões. Foi quando o telefone passou a tocar sempre a meia noite em ponto. Minha vó atendia, mas ninguém respondia. A paranóia cresceu entre as duas mulheres a ponto de formularem a seguinte teoria de que o ladrão sempre ligava para confirmar se havia alguém na casa.

— Que ladrão educado! Só vai nos roubar se não estivermos em casa! Isso não é ladrão, já te falei. — Disse minha avó.

— Assombração não liga para ninguém. — Disse minha mãe.

— Se é ladrão, então, é algum conhecido nosso. Certeza. A gente tem que comprar um cachorro ou uma arma. — Minha vó disse.

— Isso não intimida ladrão, não. O que a gente pode fazer é barulho quando ouvir algum estalo do lado de fora. Seja quem for não vai se arriscar se perceber que tem gente em casa. — Minha mãe disse.

Então, as duas passaram a falar em voz alta e arrastar cadeiras sempre que ouviam algum barulho na varanda, mas outras coisas estranhas aconteceram. Rodrigo não podia ser deixado sozinho que sempre aparecia embaixo de um pesado cobertor. O estranho era que as cobertas ficavam bem longe do berço, mesmo assim, se ele ficasse sozinho no quarto, sempre aparecia embaixo da coberta. Ele tinha poucos meses de vida e não sabia engatinhar para se arrastar até as cobertas. O único lugar onde Rodrigo podia dormir sem ser perturbado durante o dia era na sala, próximo ao escritório.

Foi muito estressante para a gente continuar naquela casa, por isso, decidimos nos mudar. No nosso último dia na casa, minha avó destrancou o escritório e entramos nele. Em um canto havia um pote. Luiz correu para ver o que tinha no pote e eu o segui.

— Eca! Mãe? — Ele foi até nossa mãe, mostrando a ela o conteúdo do pote. Um par de dentaduras balançava na água.

Para minha vó tudo fez sentido naquele momento.

— Era por isso que você via a porta abrindo... — Ela disse para mim. — Os dentes da falecida estavam aqui, e acho que o espírito dela também. Ela não se salvou.

Nos mudamos e eu fui feliz por um ano.

Nos mudamos outra vez depois e, embora, eu estivesse triste por ter me separado de minha melhor amiga, Eliana, me acostumei a nova casa e ganhei um filhote negro de labrador que nomeei como Valente. Aquela paz não durou por muito tempo. Os barulhos ao redor da casa recomeçaram. O som de pesadas passadas eram bem audíveis e o portão da lavanderia balançava com violência até o amanhecer. Uma manhã, quando o sol mal havia surgido, saímos às três para fora para ver o que estava acontecendo. Vimos o portão balançando sozinho e não entendemos como ele podia estar balançando se nem estava ventando.

— Isso é coisa de assombração. — Minha vó fez o sinal da cruz.

— Será? Mas assombração existe mesmo? — Minha mãe disse, incrédula.

Eu me sentei em um tijolo que estava próximo ao portãozinho da lavanderia e me sentindo corajosa, disse ao suposto fantasma que se ele parasse de bater o portão, nós o deixaríamos aberto todas as tardes. Nunca mais o portão balançou e cumprimos nossa parte do acordo.

Coração de Bruxa (Sendo Reescrita)Onde histórias criam vida. Descubra agora