I.

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Nunca soube como começar essa história porque nunca achei um ponto inicial para ela, sempre foi meio vago e talvez isso seja o que mais me assusta, não ter algo para me segurar desde sempre me deixou tão incerta porque para onde eu olhava via um perigo eminente de morte, ou de sair muito machucada.

Cresci em Miami, mas nasci em Cuba, onde mais precisamente? Não sei. Quem são meus pais? Só sei o nome dela, mas nunca ousei a falar, ou escrever, nunca a achei digna disso, de ter seu nome no meu timbre já tão sofrido. Cresci em Miami em uma família muito religiosa, muito conservadora, bom, minha mãe Jade é assim, desde sempre falando de Deus e me levando na igreja e suas convenções cheias de pessoas como ela, meu pai Ben sempre foi aquela pessoa que observa de longe, ele não parecia concordar com as coisas que ela falava ou fazia, mas também nunca interferiu em nada, hoje aos 20 anos tenho como opinião que se você se cala em situação de opressão é porque você concorda, de certa forma, com isso. Tenho dois irmãos, Gabriel e Ella, ambos nunca ficaram muito por aqui, sempre fugiram dessa casa, dela. Já eu nunca tive a chance, então me escondia em meus livros ou músicas, dançava em meu quarto totalmente trancada ali sonhando com um lugar meu, longe de tudo e todos.

Minha memória não anda muito boa, segundo meu neurologista junto ao psicólogo talvez seja culpa da ansiedade, talvez seja da depressão, ou seja, culpa da rotina, não sei mas sei de pequenas lembranças que me atormentam e agora aqui, escrevendo nesse diário tentarei colocar em ordem cronológica.

* * *

21 de Abril de 1997 – Terça-Feira, 10:00 – Aeroporto Internacional de Miami – Jade.

– Sim mãe, nós já pousamos com ela, estamos indo pegar as malas e logo depois pegaremos o carro e vamos direto para sua casa, diga aos meninos para se acalmarem, logo chegaremos.

Meus passos são rápidos, meu cérebro grita para não o fazer, não demonstrar minha agonia e fuga de algo que estava quilômetros daqui, mas medo dela ultrapassava a minha consciência.

Apesar de toda a burocracia de 8 anos e papéis, nem mesmo a palavra do juiz, assistente social e até mesmo do advogado da mãe biológica, me tirava a ideia de que a qualquer momento ela voltaria atrás e tomaria essa garotinha de mim como aconteceu exatamente 5 vezes ao longo de 1 ano antes de apelar para a adoção fora do país.

Claramente foi um processo longo e horrível, desistir passou pela minha cabeça tantas vezes que perdi as contas, mas deu tudo certo, pelo menos eu espero que sim..

A pequena em meus braços parecia finalmente acordar do sono induzido por mim, afinal desde que a menção de sair do país já a fez chorar tão alto que fiquei levemente desnorteada, e sinceramente eu deveria ter previsto a segunda rodada do choro alto que logo se iniciou assim que ela abriu minimamente os grandes olhos castanhos, o que obviamente me fez andar mais rápido e alertas neons piscarem freneticamente para que eu não haja tão como uma fugitiva e finalmente uma alegria nesse dia turbulento me veio ao sentir o calor que o Sol de Miami traz a minha pele, olho para os lados e vejo minha melhor amiga acenando loucamente do carro junto a minha afilhada, corro tentando ao máximo não deixar minhas malas junto as dela ou até mesmo ela cair, assim que chegou próximo ao carro solto as malas e me enfio dentro do mesmo sem dar tempo de ninguém pegar a pequena do meu colo, aceno com a cabeça minimamente para Tanya e espero não tão paciente Emy terminar de enfiar as malas no pequeno porta-malas e Camila parar de chorar.

Outra onda de felicidade me partiu quando o carro ligou e saímos dali como fugitivos que saem da cena do crime livres e ricos, balançava Camila com certo desespero para que ela pudesse se acalmar, mas no fundo eu sei que acalmar essa tempestade não será fácil.

* * *

Meus olhos abriram mais rápido que um raio ao fim da lembrança que desde de sempre me foi contada, Jade sempre poupou detalhes importantes da minha adoção, mas nunca do quão desesperada ela ficou do momento em que me pegou até ter certeza de que ela não viria por mim, e no fundo a pequena eu de talvez 4 anos ainda se desespera ao saber que nem ela e nem ninguém viria ou virá por mim.

Ao escutar o barulho do portão meu corpo estremece, me levanto sem pressa alguma e aproveitando que estou apresentável fujo deixando um simples 'oi mãe, vou ver a Dinah' enquanto ela descia do carro e me dirijo para a casa da avó da Dinah, minha melhor amiga há 19 anos, na tentativa que hoje foi sucedida de não cair na armadilha de ganhar algo após uma briga.





Olá, tudo bem? Não sei quem está ai lendo, mas espero que tenha gostado! É literalmente a primeira vez que escrevo, principalmente algo tão íntimo quanto isso então espero eu que tenha conseguido atiçar sua curiosidade...

Bom, até logo!

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