Believer.

III

Minhas lembranças são fragmentadas, mas as que tenho são extremamente reais, me sinto absorta e um pouco mais de esforço e talvez poderia sentir novamente alguma das dores que várias vezes me foram me causadas.

02/06/2021— Casa dos Fischer — 14:30 — Camila.

Ao longo da semana evitei mexer com a limpeza da casa, não que eu não queira, afinal o TOC desenvolvido não me permitia negar limpar coisas, mas eu queria testar até onde eles aguentavam viver na bagunça e aparentemente é um tempo consideralmente longo já que na Sexta iria completar 2 semanas em que eu não limpava casa; mas hoje seria bem capaz de eu ter um colapso caso não limpe até o teto!

Coloquei um short e uma regata antes de pegar os produtos de limpeza e colocar uma música animada para tocar, e como Olivia Rodrigo havia lançado o álbum e eu  ao tive tempo de escutar todas as músicas escolhi ele para ser a trilha sonora inicial do que seria um longo e cansativo dia.

02/06/2021— Casa dos Fischer, banheiro de Jade e Ben— 22:00 — Camila.

Victória e Luz estão tomando banho para deitar e a ansiedade de tudo sair perfeito fizeram elas lavarem o cabelo, ou seja irão acabar dormindo de cabelo molhado o que já é naturalmente ruim, mas Luz tem cabelos cacheados como o da minha irmã o que complica mais afinal vai demorar mais para secar e vai acabar embaraçando os finos fios.
Ao me deparar com a cena meu corpo se aqueceu, o estresse acumulado do dia conturbado só torna minha reação pior, mas como lidar com casa, faculdade, duas crianças inquietas e suas aulas online sem, no mínimo, um surto diário?

— Não acredito que esta lavando o cabelo! Além de estarem demorando muito o que vai dar briga com o avô de vocês, estão fazendo merda!

Victória infelizmente é minha cópia no quesito extremismo de sentimentos e impaciência, as vezes sinto que ela é mais minha filha do que de meu irmão e agora ex cunhada, a Agnes.

Ela nem se deu o trabalho de me olhar mas bufou insatisfeita com minha intromissão.. —Ah tia Cami, não começa vai! A gente vai viajar 4hrs da madrugada, nosso cabelo estava sujo e resolvemos lavar.

Eu poderia dar um soco nela, mas claro que se eu o fizer minha mãe me mataria, algo que sempre rondou minha mente é que o sangue sempre vem antes do que qualquer outra ligação, não importa quantos anos de casado, ou no meu caso de adoção, se você mexe com alguém ligado por sangue, mesmo que inconscientemente, você vai ter uma reação, e na minha família sempre vai ser de proteção à essa determinada pessoa.

Neguei com a cabeça um pouco mais estressada com a resposta e sai de perto dela, mas é claro que Victória sendo minha sombra veio atrás de mim procurando um pouco mais de briga. — Sabe, você não deveria falar assim com a Luz, ela fica chateada e eu também fico quando você briga comigo, você é adulta e vive fazendo merda, então para de encher nosso saco. – Nesse momento, nesse exato momento meu corpo inteiro se arrepiou, meus olhos se encheram de lágrimas e minha única reação foi entrar para meu quarto, fechar a porta sem ao menos ter o trabalho de trancar e me enfiar debaixo das cobertas, agradeci mentalmente a mim por ter tomado banho, jantado e feito minha higiene noturna porque sinto que nada vai conseguir afastar esse tupor e bolo amargo como fel da minha garganta.

Algo que elas não sabem e que meus pais provavelmente esqueceram é que em cada merda que eu fiz ou faço, pago pelas consequências e por mais difícil que seja admitir marjoritariamente essas consequências são dolorosas, minha mente trabalha tão rápido nesse momento que não consigo focar em um ponto para não cair em um ataque de pânico, afinal por mais que não tenha um flashback fixo o que vejo em minha mente é muito mais complicado.

2009 — Uma noite qualquer na cozinha da casa dos Fischer — Camila.

Eu não tive tempo de pensar no que estava acontecendo, foi tudo tão rápido!