É uma noite quente. A luz esbranquiçada da lua reflete no mato, que balança com o vento fraco. As noites por aqui costumam ser frias, mas hoje excepcionalmente está um clima abafado. Não choveu o suficiente para esfriar essa terra tão quente do Arizona, pelo contrário, a mingua chuva só foi suficiente para provocar uma densa camada úmida e evaporada. No entanto, eu amo a floresta do jeito que ela está, quente, pouco reluzente e quieta.Somente o barulho dos grilos pode ser ouvido. Há horas estou aqui, na espreita, esperando uma oportunidade perfeita para saltar sobre a minha caça. Me dá água na boca apenas de imaginar a carne suculenta entre meus dentes. Minha grande língua áspera de felino não vê a hora sentir o sabor de um desses bovinos. Para meu azar, os bois passam a noite acordados, rumindo. Seria bem mais fácil atacar se todos estivessem adormecidos. Se eu avançar agora, porém, a manada foge. Eu espero o momento em que um deles ficará sozinho. É bem mais fácil se atacar quando um deles está longe do bando.
Eu sei que não posso voltar a caçar aqui, pelo menos pela lei da minha matilha. Eles dizem que uma puma não pode voltar a caçar no mesmo lugar, seja em uma plantação, em um pasto ou em uma floresta. É perigoso demais, podem descobrir nosso pequeno segredinho. Se eu estivesse na forma humana agora, riria desse pensamento. Eu não vejo problema algum em procurar presas em um mesmo lugar, na verdade é desperdício de espaço. Minha matilha é grande e nós caçamos sozinho, cada um come sua própria comida. Dessa forma são poucas as opções que nós temos, por isso temos de sempre estar nos mudando, o que nem é tão ruim, já que sou historiadora e, bom, viajo sempre a trabalho.
No entanto, essa lei da matilha ainda continua sendo um equívoco desnecessário. Quero dizer, a lei que meu irmão criou, juntamente com Finn, seu esposo. Eu sei que os pais do meu cunhado foram mortos por caçadores, mas ainda sim, prefiro prevenção a proibição. Nós, pumas, deveríamos nos beneficiarmos do fato de que a ciência nos considerou extintas. Para os humanos, nós não existimos, então, se alguém nos visse na floresta, pensaria que não passa de um fruto do subconsciente. De fato, pumas, não existem, mas seres como eu, meu irmão e o resto da matilha, que são metade humano metade puma, existem. É quase impossível alguém saber disso. Pelo menos eu nunca fui pega por ninguém. Sempre tomo muito cuidado com o meu nicho ecológico.
As vantagens de se comer "algo grande", tipo um boi ou búfalo, é que eu não preciso alimentar meu lado puma por alguns dias, pois consumo muita energia, então passo mais tempo sendo humana. Posso tanto manter o meu "disfarce", quanto trabalhar em pesquisas no meu trabalho, que eu definitivamente amo. Boa parte dos motivos que me levaram a ser uma historiadora foi por causa do meu lado puma. Eu estudei a fundo os "mitos" e o surgimento dos primeiros homens-pumas. Antigamente, pensavam que somente homens podiam se transformar. Se eles me vissem hoje, uma mulher, sendo a melhor puma da minha matilha...
Aprumo meus ouvidos. A manada está caminhando, mesmo que lentamente, para mais perto do rio que corta o pasto. Minha visão noturna de felino me possibilita ver os animais com exatidão, se fosse meu lado humano nesse lugar agora eu só veria vultos. Espero pacientemente que um deles fique para trás, o que acontece toda vez, sempre tem aquele que se desloca mais lento que os outros. Eu olho para aqueles bois com grandes chifres. É a carne mais suculenta que eu já comi na vida. Não é à toa que estou quebrando as regras e voltando aqui. Com certeza, nada me espera, senão esses lindos traseiros bovinos. O fazendeiro nem imagina que o felino que atacou seu rebanho na semana passada pode retornar de novo.
E então eu tomo a inciativa de atacar. O boi está em distância perfeita do seu rebanho. Caminho quase me arrastando no chão, sentindo na minha barriga o mato molhada pelo orvalho da noite. Vou me aproximando bem devagar, sem fazer nenhum tipo de som, afinal não posso assustar minha presa. Meu focinho sente o cheiro da carne e minha boca começa a salivar.
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KYA
Short StoryKya Roosevelt é muito mais que uma mulher sedutora e inteligente, apaixonada pelo seu trabalho de historiadora, ela é também uma fera selvagem, no sentido literal, meia-humana, meia-puma. Mas nem mesmo o seres sobrenaturais da Natureza podem escapar...