Ultimamente, o trabalho tem sido exaustivo. O museu em que trabalho está planejando há meses uma exposição de artefatos dos incas. Eu trabalho dia e noite nas urnas funerárias desse povo, não porque é algo que exige muita pesquisa, mas sim pelo fato de que estou fazendo de tudo para manter a cabeça ocupada e sem espaço suficente para colocar Lorence Davis nela.
O Dia de Ação de graças ocorreu como um divisor de águas. A partir daquele momento eu soube que nunca vou poder olhar para Lorence como meu caçador. Eu não consigo relacionar a imagem do tiro que me acertou com ele, só consigo pensar no homem que me possuiu e conquistou apenas com o seu jeito. Eu ainda o vi umas duas vezes depois do feriado e eu lutava a cada segundo para não beija-lo novamente.
Ficar no museu preparando a exposição também me serve como um refúgio. Aqui é o local menos provável para eu ver alguém, para eu ver Lorence. Já está quase sendo impossível ignorar esse sentimento tão ambíguo e sem lógica. Como posso ter me ligado a alguém tão rapidamente e justamente em uma pessoa como essa? Infelizmente o nosso coração tem razões que a própria razão desconhece e nos faz sentir coisas que não queremos. Eu tento evitar, mas Lorence ainda consegue manchar a tela dos meus pensamentos.
- Você já está a 32 horas aqui. - Diz May, minha colega de trabalho, na porta da sala minha sala de pesquisas - Você não gosta de dormir ou é só fanática por trabalho mesmo?
Nós rimos juntas, baixinho. De todos que trabaham aqui, May é a mais radiante. Quem a olha nem imagina que ela escolheu uma profissão tão séria e sem graça quanto historiador. Definitivamente não combina com ela, mas se é o que ama fazer, eu apoio completamente.
- Na verdade eu até gosto de dormir. Se você procurar vai encontrar alguns livros babados que eu acabei dormindo em cima. - Ironizo - Eu só quero terminar logo com esses vasos cheio de mortos.
- Mas não precisa se apressar, isso aí você termina no máximo em dois dias e a exposição é só semana que vem.
- Você sabe que eu não deixo trabalho pra depois.
May toma a liberdade de entrar na sala e se sentar na cadeira a minha frente. À luz daquele abajur, ela ficou bonita, seus cabelos curtos e pretos reluzem um pouco mais. Ela tem um sorriso tímido nos lábios e eu sei que ela quer me perguntar algo.
- Diga. - Falo, anotando algo na minha caderneta.
- Você não quer sair pra tomar alguns drinques comigo hoje?
Fito-a. Ela está com as mãos unidas no colo e os ombros levantados. Eu já desconfiava e agora tenho certeza. Ela está afim de mim. Infelizmente eu estou impregnada pela atração por Lorence. May é alguém que vale a pena investir, mas não posso lhe dar esperanças vãs, meu coração não pode pertencer a ela, pois já pertence a outro.
- Só pra descontrair. - Ela justifica, talvez achando que meu silêncio é por não entender suas reais intenções.
- May, eu adoraria sair com você, mas ultimamente ando estressada e com a cabeça cheia. Eu só jogaria em cima de você uma tonelada de impaciência. - Justifico, com meu coração apertado.
- Mas eu não me importaria. Pode se sentir a vontade comigo.
- Eu me sinto e é por isso que não vou. Talvez podemos perder isso que temos.
Eu quero me matar por ser tão dura com ela. Maldita sensibilidade que some de mim quando eu mais preciso dela. May me olha com compreensão, mas seus lábios franzidos demonstram frustação. Nós nos despedimos desejando uma boa noite. Ela deixa a sala com passos arrastados. Me sinto mal por partir um coração.
***
Eu resolvo sair do museu, ir dar uma volta pela floresta. Preciso extravasar toda a minha culpa e estresse acumulados. Eu não aceitei o convite de May para não estragar o conforto que a presença dela traz pra mim, mas eu acabei fazendo a mesma coisa não aceitando. Meus pensamentos estão uma confusão. Talvez meu lado puma traga a serenidade de sempre.

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KYA
Historia CortaKya Roosevelt é muito mais que uma mulher sedutora e inteligente, apaixonada pelo seu trabalho de historiadora, ela é também uma fera selvagem, no sentido literal, meia-humana, meia-puma. Mas nem mesmo o seres sobrenaturais da Natureza podem escapar...