Baby?

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Uma alma estava dando trabalho no inferno. Exigia reencarnar como aquelas que vão pro céu. Pelas regras do submundo quem vai pra cima continua seu ciclo de vida, mas quem vai pra baixo é condenado ao sofrimento eterno. Aquela alma espertinha recusou seu destino e passou a tal eternidade planejando escapar e esse dia finalmente chegou. O buraco que ela cavou com seu corpo esfumacento valeria todo o trabalho se conseguisse achar um corpo para possuir, assumindo sua vida e burlando as leis dos três reinos. Acontece que Jeon Jungkook não estava preparado para isso.

Numa manhã friorenta, um garoto estava sentindo o vento o cortar enquanto pedalava para a escola. Fazia o percurso todas as manhãs de segunda a sexta, deixando sábado e domingo para curtir com os amigos. Olhava para a ciclovia que passava pelo parque, alheio às bolhas que saiam do fundo do lago normalmente bem calmo. Estava na época das cerejeiras, então se distraía com o rosa que chovia em cima dele. Levou um susto quando uma fumaça preta que parecia ter vida própria apareceu em sua frente.

Aconteceu tudo muito rápido. Num minuto estava apreciando a natureza e no outro segurava o tornozelo inchado da queda em alta velocidade. A cabeça latejava e da canela pra baixo também. Ele temia ter quebrado alguma coisa, mas quando foi se levantar foi como se estivesse ileso. Encaixou o calcanhar no pedal, deu impulso e continuou a pedalar. Nada faria aquele aluno nota 10 faltar um dia de aula.

Seria um filme de terror ao vivo se tivessem presenciado a cena. Primeiro ele voou, nem um pouco gracioso como os pássaros e sim como um paraquedista amador em cima de um penhasco, e se arrebentou no chão. Deu uma cambalhota, depois virou de lado e atropelou umas pedras pontiagudas. Em algum momento ali seu pé não acompanhou os movimentos de rolagem e virou do avesso. Tinha quebrado. A pergunta era: como ele saiu apenas limpando o uniforme? Alguns acontecimentos simplesmente não tinham explicação. O dele até podia ter. Sobrenatural ou não, ninguém acreditaria.

Havia se passado vinte minutos e nada do melhor amigo de Bae Gi chegar. A garota se sentia em meio a um ninho de vespas sem seu protetor. Sabia se defender se necessário, a questão não era essa. Era só que possuía uma telinha para os ferrões se estivesse com Jeon Jungkook ao seu lado. A melhor aluna e o melhor aluno tinham essa posição porque se uniram e atrasos como este facilmente agiriam como uma bola de demolição nas suas reputações estudantis.

No pátio, um maluco quase causou um esbarrão feio ao vir em carreira em cima da bicicleta. Freiou e jogou ela de qualquer jeito no bicicletário e saiu correndo para a sala de aula. Sua visão estava meio turva. Abriu a porta da turma 2B, estranhando aquele bando de gente nova. Se desculpou com o professor e seguiu para a seguinte, 2A. Em silêncio, cabeças viraram na sua direção ao ouvirem o estrondo.

— Aluno Jeon, por favor, não faça seu atraso atrapalhar a todos — adverte o professor.

Aquiescendo, tranca a porta e vai se sentar.

— Ei, psiu! Ei, Kookie! Senta aqui comigo — sussurrou Bae Gi.

E foi exatamente o que fez. Pegou uma cadeira vazia, se aproximou e sentou com ela invertida. Colocou o material na mesa, apoiando-se preguiçosamente no encosto da cadeira. Ela o encarava furiosa e jurou ver sua feição envergonhada tomar um ar de confiança que combinava em nada com o melhor amigo. Chamou-a com os dedos, muito metido pro gosto dela. Chegou mais perto dele para ouvir o que tinha a dizer.

— Baby, eu acabei de olhar aqui no meu relógio e acho que já passou da hora da gente se pegar — completa com uma piscadela de íris mais negras do que Gi se lembrava.

Ela se afastou com o coração pulsando dentro dela. Baby? Conhecia o garoto sentado na sua frente desde a quinta série e sabia que uma cantada, ainda mais uma ruim como aquela, jamais seria obra dele. O que é que ele tinha?, perguntou-se na mesma hora.

❝𝐂𝐚𝐧𝐭𝐚𝐝𝐚𝐬 𝐝𝐞 𝐮𝐦 𝐃𝐞𝐦𝐨𝐧𝐢𝐨⚤❞Onde histórias criam vida. Descubra agora