A cabeça lateja a medida que abro meus olhos mal podendo enxergar o que está a minha frente, em um ato automático levo mão até minha testa. Eu não conseguia ver nada a não ser vultos e pontos pretos, mexo um pouco e percebo que onde estou é macio, mas onde eu estava? A visão vai ficando um pouco melhor e começo a me debater e a escutar um zumbido que vai ficando cada vez mais nítido. Era minha voz em um grito de dor e pavor, tento levantar e meu corpo protesta e os gritos vão ficando cada vez mais altos, tinha duas pessoas na minha frente, quem são elas? O desespero toma conta de mim, meu peito subia e descia, eu estava sendo sufocada pelo meu medo.
De alguma forma encontro o botão e a porta se abre, saiu as presas e meus olhos ardem devido a claridade. O cheiro era tão estranho e eu estava tão desorientada e por isso continuo no mesmo lugar, o ar invade meus pulmões de maneira bruta, eu precisava sair daqui. Dou um passo sentindo um desconforto em minha perna e mesmo assim forço outro movimento, o lugar estava húmido e eu podia escutar o barulho da água, porém ainda não conseguia ver com clareza.
Com o passar dos passos que eu dava a visão foi ficando cada vez mais clara e meu corpo cada vez mais dolorido, reparo na estrada vazia e na vasta vegetação que a rodeava. Continuo o caminho mesmo desejando parar e descansar, o sol e o calor que vinha dele fazia a pele do meu corpo arder e a dor na cabeça não cessava ao contrário, ela parecia uma bomba prestes a explodir e assim destruir tudo. Talvez fosse o melhor.
Não fazia ideia de a quanto tempo estava forçando meu corpo a me obedecer e continuar esse terrível caminho, só tinha conhecimento de que meu estômago se retorcia e de minha boca estava ressecada.
Não tinha mais forças, não tinha mais ânimo e não tinha nada. Paro um pouco buscando descansar e encaro o pasto as margens da estrada, meu coração ainda batia descontrolado. Procurado tentar me acalmar e compreender o que esta acontecendo, busco na mente a razão pra estar dentro daquele lugar e não encontro.
Não encontro nada.
Meu rosto é banhado por um liquido quente e salgado e soluços são projetados pela minha garganta. As mãos tremem enquanto tento limpar meu rosto, porque não tinha absolutamente nada? Porque minha mente estava tão escura? Faltava uma parte de mim. Quem eu era?
Quem eu era?
Um grito escapa por minha boca no momento que me entrego a dor estranha e desconhecida, sinto uma pontada na testa, sinto tantas coisas que não consigo nomear. Não sei por quanto tempo fico ali na beira da estrada completamente perdida, algo dentro de mim pedia para continuar e por isso levanto de novo desistindo de limpar as lágrimas e me ponho a andar.
Cada vez que tentava buscar qualquer coisa que fizesse algum sentido meu cérebro se contorcia como se fosse rachar, o calor escaldante era insuportável e por um segundo me perguntei se o melhor não era ter ficado lá naquele lugar. Algo dentro de mim protestava dizendo continue.
Desisto de tentar encontrar alguma coisa na minha mente, a dor era descomunal e meu corpo não aguentava mais. O céu com o tempo foi ganhando novas tonalidades de cor, um azul e depois um cinza, quanto tempo tinha se passado? Nem isso eu conseguia dizer. Até o que o céu foi ganhando uma tonalidade mais escura e o sol foi embora. Cada pequeno barulho me assombrava mas não desistia de caminhar, mesmo não fazendo sentido tal ato.
Me vi complemente no escuro e no silêncio, eu já não aguentava mais, paro de novo e meu corpo parece agradecer, no entanto meus pensamentos se encontrava em alerta. Sinto falta do sol e do seu calor, o frio da noite parece navalhas prontas para mutilar cada pequena parte do corpo.
O céu livre de estrelas representava minha alma e minha mente, um completo nada, solidão. O melhor era desistir, ficar aqui e ser devorada pela obscuridade. Por mais que eu queira continuar não conseguiria, o breu era tão convidativo e meus olhos não suportavam mais ficar abertos, só um pouco pensei. Só um descanso, eu estava com tanto frio e a neblina me engoliria. Pouso a cabeça em cima de umas folhagens, o mato húmido fez meu corpo congelar, passo as mãos por meus braços desnudos e novamente olho para o céu.
Fecho os olhos encontrando o mesmo desconhecido, as lágrimas salgadas escorriam densas e por um segundo desejei que elas me aquecessem. Não sei se meu desejo se realizou, a sonolência venceu a mente vazia.
A vegetação se tornou minha cama, o nevoeiro meu cobertor e a escuridão uma amiga quê me acompanharia por muito tempo.
Levando com presa ao sentir o calor do sol, eu estava tão fraca, com a roupa molhada e meu braço coberto por folhas. Domo o temor e ingenuamente penso que o que quer que falte esteja de volta em minha cabeça, não acontece e a vontade de chorar vem com força. O estômago protesta de novo e a saliva na minha boca tinha um gosto amargo.
Mais uma vez coloco meu corpo em movimento, mas uma vez não vejo a hora passar até que ao longe avisto uma construção. Não sabia se era minha mente pregando peças mas ao me aproximar ela estava vazia. Agradeço por essa constatação, no silêncio escuto um barulho minúsculo quase imperceptível, na minha frente havia um tanque e a torneira pingava. Meu coração acelerou e minha garganta apertou como se tivesses encolhendo.
Quando tomei o líquido foi como se meu corpo estivesse em chamas que agora estavam sendo apagadas, doía. Como doía. Fiquei ali ingerindo a água por tanto tempo, mas eu ainda precisava continuar, o porque? Eu não tinha noção.
Eu me sentia tão estranha, tão suja e tão perdida. O que eu procurava? O que eu encontraria? Precisava de respostas, mas como as teria se não sei quem sou? Tinha que sair daquele lugar, porém antes de voltar para a incansável caminhada algo chamou minha atenção, o carro cinza estava lá e ao me aproximar encarei o reflexo no vidro.
Olhos fundos, um corte na cabeça que agora parecia limpo devido a água. O cabelo curto e foi involuntário toca-lo, a boca machucada. Quem era aquela garota na minha frente? Qual era o seu nome e o que aconteceu com ela? De olhos fechados peço por uma resposta mas ao abri-los não houve nada. Só a mesma garota e uma pequena lágrima escorrendo pelo seu rosto, toco o vidro tentando achar qualquer reconhecimento, mas é em vão.
Com o tempo a silenciosa estrada foi dando lugar ao barulho, eu havia andando tanto, a calçada chamava atenção e as pessoas me assustavam. Olho para atrás, para o caminho que fiz e penso se o melhor não era voltar para ele, o silêncio me era familiar. Era como minha mente estava em um constante silêncio.
A cabeça lateja de novo e meu olhar se confunde com tanta informação de uma vez, desorientada e perdida em meio ao caos de pessoas. Abraço meu corpo e contínuo o caminho por entre elas que em nenhum momento se dirigem um olhar sequer em minha direção, no fundo eu agradecia por isso.
Alguém esbarra em mim e escuto um xingamento que faz meu corpo tremer do pés a cabeça, não sabia o que esperar e em meio a confusão encontro no vão de dois prédios um lugar silencioso, eu preferia voltar pra ele. Eu o conhecia.
Me esconder parecia o correto e mais seguro, então ando até o beco solidário. Ainda sinto o embrulho no estômago e um peixinho perdido um grande e assustador oceano, sento no chão e encosto a cabeça na parede áspera fechando os olhos por incansáveis minutos. Um cheiro faz meu estômago quase sair pela boca e em um impulso levanto indo ao seu encontro. Do outro lado da rua onde estava o lugar de onde vinha o aroma e meus pés automaticamente começaram a se movimentar.
Minha boca salivou e meu meus olhos se enchem de lágrimas, fome! Era o que meu estômago avisava o tempo todo. Eu, o que eu faria? Como eu. Respiro fundo me sentindo tão mal. Eu não podia ir lá e pegar podia?
Não sei se foi um anjo da guarda, mas na minha frente havia um senhor que ao direcionar o seu olhar em minha direção acabou me assustando. Se ele me fizesse mal? Respiro com dificuldade e me viro para ir embora.
Xxx: Ei menina. – paro assustada. – Está com fome?
Me viro para o senhor que sorri um pouco, ele andou com dificuldade até mim e em sua mão tinha uma embalagem que ele colocou na minha mão, eu não sabia o que ele queria, se era ajudar ou ferir. Eu só sentia minha boca tremer e a mente gritar para que eu corra independente da sua intenção. Eu queria poder falar alguma coisa, mas o que diria?
O senhor não falou mais nada e simplesmente seguiu para o outro lado, eu fiz o mesmo e voltei para onde estava. No embrulho tinha um sanduíche e ao comer a barriga doeu e o corpo protestou. Porque eu estava passando por isso?
Encolhida nesse lugar eu fiquei com a fome reivindicando atenção, com o vazio na mente e as pessoas indo e vindo na calçada a minha frente, aqui eu fiquei até a noite chegar junto com o choro e uma madrugada em claro. O barulho me deixava ansiosa, a fome não me deixava dormir e o silêncio que tanto conheço não foi alento e sim algoz.
De olhos vidrados eu encarei o céu agora iluminado, não por estrelas e sim pela iluminação da cidade. Mais uma vez peço baixinho para entender o que está acontecendo, mas o chegar do dia mostra que que isso não irá acontecer tão cedo.
Círculo durante o dia, eu não sabia o que era pior. Ter medo das pessoas ou não ter nada dentro da cabeça a não ser uma vasta escuridão. Eu ainda estava com fome e tinha que fazer alguma coisa referente a isso. Algo me dizia que pegar sem pedir era errado, então eu entrei dentro de uma das lojinhas.
As pessoas me olhavam de maneira estranha, será que elas sabiam o que tinha acontecido comigo? Poderiam me ajudar?
Xxx: Moça você não pode ficar aqui. – a mulher disse, sua voz hostil me deu náuseas. – Vai embora.
Xxx: Eu. – tento falar e estranho o som da minha voz. – Eu só estou com fome.
Xxx: Não damos nada aqui garota. – gritou fazendo eu bater na prateleira. – Agora saia daqui.
Saiu as presas sentindo o ar faltar, corro pela rua e paro perto de uma construção que parecia vazia, meu peito subia e descia, cadê o ar? Eu iria morrer sufocada. Levo as mãos na garganta e massageio o lugar tentado respirar melhor, as lágrimas que rolam pelo meu rosto dificultam o processo.
Olho para um ponto específico e peço pra essa dor parar, peço para que tudo acabe de uma vez. Peço para abrir os olhos de volta onde eu estava, perto daquele lugar estranho. Os soluços vem e lentamente o ar começa a voltar para os meus pulmões, dói mas trás alívio ao mesmo tempo.
Eu não entendia o porquê daquela mulher estar tão brava comigo, o que eu fiz para ela?
Esse seria o começo de um aprendizado doloroso.
Com o passar dos dias eu aprendi algumas coisas, se misture aos outros e procure não chamar a atenção. Qualquer um pode te ferir então olhos abertos, se defenda, eu tive que me defender pois a noite é cruel principalmente quando se é sozinha e eu era um desconhecido. Sem nome, sem casa, sem vida e sem passado.
Pedir comida não me deixava mal, não era errado. Embora recebesse vários olhares maldosos existiam pessoas bem intencionadas, mas havia aquelas que só queriam maltratar e eu as conheci de perto.
Nos dias que passaram eu pensei que minha mente deixaria de ser tão densa, tão vazia a não ser pela fria escuridão, mas não aconteceu e sempre que eu procurava tentar lembrar ou encontrar quaisquer resquícios de quem eu fui era sobrecarregada pela dor física. Já estava enfrentando batalhas demais e estava perdendo todas, não saber quem sou não era a que mais doía.
Fique quieta, pensei, a noite estava chuvosa e eu não usava mais as roupas daquele confuso dia, uma coisa que eu aprendi duramente todos esses dias é fale pouco sobre você. No meu caso eu não sabia nada, outra coisa que eu aprendi era corra em qualquer sinal de perigo e foi o que eu fiz e agora precisava ficar no mais silêncio possível. Eles iriam embora.
Me escondo em meio às três caixas de lixo e procuro não emitir nenhum som, olho em torno e os vejo passar cambaleando por ali dizendo palavras desconexas. Tento ficar o mais calma possível no entanto meu coração era um reboliço total, eles olharam na direção que eu estava e meu coração para e logo volta a bater quando eles começaram a andar de novo.
Quando me sinto mais segura saiu de onde estava, a chuva caia sem cessar e eu estava encharcada e preferia mil vezes enfrenta uma tempestade do que as pessoas. Caminho pelas ruas em busca de um lugar para passar a noite e as poucas pessoas que transitavam me olhavam com estranheza e pena. Olho para o embrulho na minha mão, eu tinha perdido a fome e só queria um lugar seguro. Ao passar perto de um dos parques avisto um senhor que estava sentado no chão, perdido em seu mundo. Será que o mundo dele era como o meu? Um mundo sem respostas e repleto de perguntas. Paro na sua frente e deixo o embrulho com a comida e sigo o meu caminho.
A chuva não para, mas acabo por encontrar lugar que pelo menos está seco. Sento torcendo os cabelos e olho para uma poça de água no chão e vejo meu reflexo refletido, a garota ainda não tinha um nome e nem um passado. Só as feridas criadas a partir daquele dia, só os pesadelos. Só o decidir do dia, correr, pedir e se esconder. Não falar e não sonhar com nada. Uma vez um senhor me ajudou a fugir de um homem terrível na calada da noite, basicamente o mesmo que aconteceu hoje. Ele dizia para não confiar em ninguém e que se um dia precisasse confiar que eu olhasse bem nos olhos, porquê a verdadeira intenção de uma pessoa estará refletida ali.
Hoje seria mais uma noite em claro, dormir não era pra mim e as vezes era melhor negar o sono que que dormir e cair em um pesadelo pior do que já vivo no dia a dia. Escuto o barulho das gotas da chuva e minha mão vai de encontro a água, fecho os olhos aproveitando o minuto de paz. Eu ainda tinha esperança de mudar isso, de achar um caminho, ainda sentia que precisava me manter em movimento que logo encontraria.
Mas o que eu encontraria?
Em noites como está onde as lágrimas vinham com mais intensidade eu questionava toda a esperança que carrego junto com a escuridão da minha mente, será que o melhor era desistir? Quando isso acontecia era como se uma voz gritasse não perca as esperanças, ela é a última que se perde.
O que mais eu iria perder antes de minar toda a esperança em meu coração?
O que eu ainda tinha a perder? Não existia mais nada além de uma garota assustada, que não sabia de nada e que era vazia em todos os aspectos da vida. Que vivia no medo e que não sabia nem seu nome. Não tinha nada a não ser esperança, mas um dia ela deixaria de fazer parte da minha vida como todo o resto.
Mais dias se passam e eu nem sabia contar a quando tempo vivo assim, eu só sabia que depois de mais uma noite estava cansada, devastada e com muita dor. Minha mão estava cortada depois de tentar arrumar um lugar parar dormir. O sangue me deixava enjoada e a fome saturada, meu corpo ardia e estava em uma temperatura elevada. Era só mais um dia pensei e logo a dor na mão passaria.
O que era pior nessa situação? A falta de comida e de moradia? A falta de uma resposta? A dor de dormir ao relento ou as lágrimas que nunca deixam de cair? A falta de amparo e confiança? Ou a solidão e o esgotamento?
Eu estava tão esgotada, tão cansada da luta diária, tão melancólica por não me reconhecer em todas as vezes que via minha fisionomia. Com medo da esperança que nunca me deixava, porquê ela não ia embora? Porque não me deixava em paz?
Enfaixo a mão com um pedaço de pano, eu estava sentada na calçada próximo a uma rua movimentada, o vai e vem das pessoas não incomodava ou assustava como antes. O dia estava bonito e eu não sabia como ainda enxergava beleza nas coisas.
Xxx: Olá. – uma voz aveludada chamou minha atenção. – Posso?
Não respondi e mal olhei para a pessoa a minha frente, ela não pareceu se importar com o meu silêncio e simplesmente sentou ao meu lado na calçada.
Xxx: Como é seu nome? – não respondi, não tinha um nome pra dizer. – O meu é Maria.
A voz amorosa parecia exigir que eu a olhasse e foi o que eu fiz, os cabelos escuros eram bonitos. O sorriso era gentil mas o que chamou a atenção foi o olhar. Amoroso, tranquilo, bondoso e verdadeiro.
Maria: Precisa de ajuda com isso? – apontou a para minha mão mal enfaixada.
O que eu deveria fazer é levantar agradecer e ir embora, mas por alguma razão ofereci minha mão machucada para ela. Talvez fosse o pequeno sorriso de compaixão ou porque não havia pena em seus olhos e sim preocupação. A mulher examinava o ferimento com cuidado, ela simplesmente o desenfaixou e que me deixou brava.
Xxx: Eu demorei para fazer isso. – disse insatisfeita.
Maria: Precisa lavar bem. – falou calmamente. – Depois colocar um remédio o melhor é não enfaixar.
O cuidado com as palavras me deixou curiosa, ela parecia ser uma boa pessoa. Olho para minha mão que não tinha uma aparência boa, na verdade o ferimento era mais uma parte de mim, depois desvio para a rua os carros passavam rapidamente. Em minha cabeça a mulher iria se levantar e ir embora como muitos faziam depois de uma boa ação. Mas ela não fez isso, Maria só continuou lá ao meu lado fitando a rua também.
Xxx: Obrigada. – voltei meus olhos para a mulher. – Pela dica.
Maria: De nada. – ficou em silêncio. – Olha eu posso ajudar você com a ferida. – disse com cuidado.
Xxx: Eu... obrigada mas eu preciso ir. – ia me levantar mas ela colocou a mão em meu ombro.
Maria: Não vou machuca-la. – suas palavras pareciam verdadeiras. – Vem comigo?
Eu estava em um impasse, minha mente dizia pra correr e voltar a se esconder. Mas aquela esperança que sempre me acompanhou dizia que tudo bem, que eu podia ir e as palavras daquele senhor disse vem a mente e por isso busco seus olhos. O que encontro é bonito e verdadeiro, ela só queria ajudar e eu queria ajuda.
Talvez eu tivesse encontrado o que sempre busquei.
A acompanhei e domei o medo quando ela pediu que eu entrasse em seu carro, a mão formigava e minha garganta doía quando eu engolia a saliva. A guerra entre minha cabeça e meu coração confundia meu discernimento e se eu abrisse a porta e fosse embora? Confesso que em todas as vezes que pensei ela olhou pra mim e sorriu.
Quando chegamos na casa só consegui focar na paz e na tranquilidade que ela me transmitiu, era estranho como meu corpo reconheceu tal sentimento. Sempre achei que nunca vivenciei um minuto de paz.
A paz era boa e convidativa.
A mulher me conduziu até um espaçoso e amplo jardim, tinha algumas mesas e era tão bonito. Logo ela pediu para que eu esperasse um pouco e me deixou sozinha no lugar. Eu me sentia descolada, uma peça perdida que não pertencia a nenhum quebra cabeça, mas aquele lugar de alguma forma fez por alguns segundos eu achar que pertenço a algo.
Maria: Pronto. – ela atravessou uma das portas. – Vamos lavar isso.
Em umas das pias ela me ajudou a limpar o ferimento a dor era comum eu tinha me acostumado com sua companhia, mas as caretas em meu rosto foram involuntárias e arrancou algumas risadas da senhora ao meu lado, o que me fez sorrir.
Maria sabia bem o que estava fazendo e com todo zelo aplicou uma pomada um pouco gelada no corte, depois ela examinou meu rosto e olhou com desagrado quando tocou o mesmo.
Maria: Está com febre. – me ofereceu um copo com água. – Toma é um remédio vai tirar a dor e abaixar a febre.
Xxx: Porque está fazendo isso? – ela pareceu confusa.
Maria: Ajudar você? – balanço a cabeça afirmando. – Porque você estava precisando. – disse como se fosse algo simples. – Qual o seu nome criança?
Quantas vezes eu ouvi essa pergunta? De estranho nas ruas, de pessoas que me doaram comida ou roupas. Do senhor que me defendeu de todos que cruzei por aí. Quantas vezes olhei em qualquer lugar que desse para ver meu reflexo e fiz a mesma pergunta.
Qual era o meu nome? De onde eu vim e qual era a história da minha vida?
Como nunca tive uma resposta eu sempre esquivava e simplesmente ia embora, nunca tinha contado pra ninguém o quanto minha mente era vazia e sem memória.
Xxx: Eu não sei!
Até agora. A paz que seu olhar transmita fez com que me sentisse segura ao ponto dessas palavras virem junto com grossas e pesadas lágrimas.
Maria: Ei, shi! – sua mão tocou meu pulso. – Está tudo bem, está segura. – disse amorosamente. – Como não sabe o seu nome? Não se lembra de nada?
Xxx: Eu.... – engulo o nó que se forma na minha garganta. – Eu não sei de nada, de onde vim e do meu nome. A minha cabeça dói e tudo dentro de mim é uma confusão. – as lágrimas já caíam livre. – Eu só sei que acordei em um lugar e que estava com medo, que precisava sair dali.
Falar em voz alta todos esses pesares os tornavam ainda mais real se é que fosse possível, eu era uma pessoa sem trajetória sem nada, minha vida se resumia a todos esses dias, a andar sem parar. Ao frio e a madrugada que virou minha amiga e ao viver um dia de cada veze.
Todas as vezes que eu buscava algo só me vinha esses terríveis dias, era só um caminho vazio, fazia tempo que a falta de informações deixou de ser o foco em minha vida. As adversidades que eu enfrentava sobrepunha a falta de uma resposta, mas agora eu só conseguia focar no quanto eu queria saber quem sou e não ter uma reposta me desarmou.
Não reparei na crise de choro ou o quanto meu corpo tencionou para trás, eu estava perdida em minhas emoções confusas e elas logo me engoliria. Foi quando senti a Maria, a mulher que acabará de me ajudar com a ferida em minha mão envolver seus braços em volta do meu corpo, eu não entendia o que esse ato significava mas era quente e transmitia um sentimento diferenciado que por alguma razão meu coração identificou. Carinho.
Maria: Está em segurança agora. – a voz baixa me fez acreditar em suas palavras. – Não está mais sozinha.
O que era queria dizer com isso? Sai dos seus braços, era tão esquisito a forma como ela transmitia verdade em cada palavra, ao dizer que eu estava segura eu acreditei. Só eu sabia o quão difícil era acreditar.
Maria: Pode me contar tudo que aconteceu?
Ela pediu que eu acompanhasse para dentro da casa, era bonita e ao chegar na sala foquei meus olhos em algo que não tinha reparado quando passei por aqui a pouco. Era lindo, grande e exuberante. Maria veio da cozinha e me ofereceu o que comer e ali contei tudo que aconteceu, seu sorriso doce e livre de qualquer julgamento me deixou a vontade o que era estranho.
Eu havia tomado muito do tempo dela e era grata pela ajuda, mas precisa ir mesmo algo dizendo para não fazer isso.
Xxx: Eu nunca vou poder agradecer o que fez por mim. – disse com a voz embargada. – Mas eu preciso ir.
Maria: Ir? – o tom era severo. – Não criança, não posso deixar que vá. – me assustei um pouco. – É tão nova, está ferida e doente. Tão perdida e não pode voltar pra rua.
Xxx: Olha Maria de verdade eu tenho mesmo que ir.
Maria: Eu sou mãe querida. – ela saiu de onde estava e sentou ao meu lado. – Tenho um filho que deve ter a sua idade, não consigo imaginar as coisas que passou e por ser mãe vou cuidar de você, não vai voltar pra rua e podemos tentar entender o que aconteceu. – ela olhou bem nos meus olhos. – Mas pra isso vai ter que confiar em mim, deixa eu ajuda-la?
Eu estava com medo é verdade mas estava tão farta de tudo, da rua, da dor e da falta de resposta, da mesma forma que eu passei a contar sobre todo o meu caminho até aqui, eu lhe dei uma resposta que demonstrava a conexão que nasceu ali.
Ao dar a resposta positiva eu não tinha o conhecimento de que esse era só o princípio de um largo caminho, não tinha ideia do quanto aprenderia e em como isso me ajudaria a conectar com o meu passado, mas principalmente, que encontraria uma família e que alguém seria meu refúgio que um dia me ajudaria a voltar para tudo aquilo que perdi.
Maria: Eu já volto tá?Afirmo enquanto ela se dirigia para outro cômodo da casa, foi impossível não levantar e olhar para cada canto daquele lugar e o que mais me chamava atenção era o grande instrumento que ocupava o lado direito. Um magnetismo me puxava até lá e quando ia dar um passo, um barulho faz que que pare imediatamente.
Havia um garoto que acabava de entrar, o cabelo bagunçado e ele parecia divagar sozinho. Foi quando ele deixou uma mochila no sofá e seus olhos encontrou os meus. Não sei explicar o quão forte foi o reconhecimento, os olhos lembrava os da Maria e alguns aspectos da sua aparecia também.
Era um silêncio diferente do que eu estava acostumada, não era um olhar hostil ao contrário, era gentil e dizia ‘estou aqui’ o que é bem estranho. Era como se eu o conhecesse e não como se ele fizesse parte do meu passado ou algo do tipo, É profundo e novo e seu olhar transmitia uma confiança descomunal.
Xxx: Tudo bem? – ele se aproximou meio perdido. – Eu sou o Thiago e você quem é?
Eu não precisei responder mesmo que lá no fundo tivesse a certeza de que contaria tudo e está constatação me deixava nervosa. Maria chegou bem na hora e foi falar com o filho que a recebeu com um abraço carinhoso.
Maria: Filho essa mocinha precisa de ajuda e vamos ajuda-la. – disse olhando de mim para ele.
Thiago: Se precisa de ajuda estaremos aqui pra ajudar.
Sem perguntas e sem o olhar julgador, ele me olhava com certa curiosidade e também com carinho que aqueceu meu coração.
Maria: Vem querida quero te mostrar onde vai ficar.
Ela me ofereceu a mão e a segurei sem nem pestanejar, caminhamos juntas até as escadas e por um impulso olho para atrás. O Thiago ainda continuava lá e olhava para onde eu estava, a sensação de que eu precisava caminhar em busca de algo se esvaiu por completo ao fitar seus olhos.
Não sabia ainda, mas tinha acabado de encontrar o que tanto buscava..............Atrasada mais cheguei, aqui está o capítulo que eu tinha mencionado no tt, espero que gostem foi difícil escrever.
Saber mais sobre o passado da Ana fez com que eu amasse ainda mais a história dos dois, cara como essa garota é forte e como ela não se deixou abater. Aqui eu conto um pouco de como imagino e de verdade suavisei o máximo que consegui, da pra ter uma mínima ideia de como foi difícil e doloroso pra Ana.
De vdd quero mto saber o que acharam desse cap solto.
Adoro vcs fui.....