Cap. II -Os olhos negros da escuridão

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"Deixa ela em paz!" - disse a Luisa com a voz estranha, como se estivesse forçando, apertando, ou como se tivesse algo espremendo o pescoço dela. Foi uma sensação muito esquisita, porque além da esquisitice na voz, a força com que essa garota travou o meu punho, foi coisa de raras vezes que seguraram tão firme e com tanta força assim meu braço, realmente isso me deixou muito impressionado. O Vitor e o Santi arregalaram os olhos e eu pude perceber os primeiros filamentos do medo, começando a exalar nos dois. E a Luisa voltou a se sentar com a cabeça entre os joelhos, porém um pouco mais agitada, aparentemente um pouco irritada.

- Cara, isso tá ficando estranho, maluco! - disse o Santiago meio tenso. O Vitor passou a suspender as sobrancelhas mais que o comum, uma visível preocupação se instalava no ar. O Vitor aproximou-se e me perguntou: O quê que ela tem, Gugu? Que porra é essa? Vamos sair daqui. Vamos voltar lá pra cima.

- Sim, vamos voltar já! Avisa ela aí então que é pra gente voltar antes que comece a escurecer. - falei pro Vitor, só pra ver. Pois com certeza, pelo andar da carruagem, não vai ser nada fácil.

Percebi que o nosso cachorro, que ficava na varanda - o Nicolau - começou a latir e a uivar. Latindo sem parar, pois o nosso apartamento ficava bem na direção em que estávamos, nas estruturas do condomínio. O Nicolau uivava e aquilo só deixou as coisas mais assustadoras.

- Vai, Vitor, chama a Luisa aí, vamos indo... - disse eu com ar de normalidade, pra ver se passa. Mas ele também já estava se dando conta e deixou comigo: -Vai você, Gugu, fala com ela aí. Eu resolvi sentar ao lado dela. Assim que eu sentei a Luisa virou lentamente para mim buscando importância do gesto que seguia. Ela pegou o livro despedaçado, levantou-se rapidamente e deu mais ou menos quatro passos à frente chegando no real limite de segurança. Ela andou até a borda do pequeno penhasco à sua frente. Um desequilíbrio e a queda certamente seria fatal.

Após o segundo passo em direção ao penhasco, o Vitor e o Santiago se desesperaram e gritaram: - Luisaaaa!! Guguu segura ela!! Foi o tempo que ela teve para chegar até a borda. Eu fiquei em estado de alerta, pronto para saltar e agarrá-la antes dela pular - eu estava bem pertinho. Por alguma razão eu intuí que se jogar não era interessante para "a Luisa". Dito e feito - ela sentou na borda perigosa e ergueu o livro colocando na frente do rosto dela, como que contemplando o tal livro. E na capa o nome aparecia - "Só o Amor Constrói". Então ela virou pra mim, novamente lentamente e eu pude ver bem de pertinho seus olhos negros. Era como se a pupila estive bastante dilatada e quase não via a íris, apenas uma escuridão em seus olhos. Ela me olhou fundo como se estivesse me convidando para mergulhar nessa escuridão sem fim. Confesso que me senti atraído, hipnotizado e por um instante inconsciente das coisas ao meu redor. Eu só conseguia olhar para aqueles olhos negros como a escuridão.

- Sai daí gente, é perigoso! - falou meio alto o Santiago, e o Vitor fortaleceu: - Caralho, Luisa, vem pra cá, porra. Sai da borda. Olha a altura disso, caralho! Fala pra ela Gugu! - A essa altura pra mim já estava claro o que estava acontecendo ali. Estava começando a ficar bem tenso o clima naquele ambiente sombrio, de poeira, sombras, morcegos, e muito mato fechado abaixo de nós.

O tempo parecia correr em outra velocidade, pois parecia que já estávamos ali há umas 3 horas. Já estávamos no meio da tarde. Lá estava eu, sentado na borda de um mini penhasco no subsolo de um condomínio no meio da floresta, tentando proteger aquela esquisitíssima menina dela mesma. Eu agia por instinto. Eu estava com as "orelhas em pé". Sincronizado com as ações da Luisa e processando na velocidade do perigo, do maior perigo que podia estar no nosso caminho. Mas uma coisa estava latejando na minha cabeça... "Ela falou dela mesmo na terceira pessoa". Ela disse: "Deixe ela em paz".

Depois de cada vez que ela se manifestava, ameaçando se projetar para frente, penhasco abaixo, ou olhando na minha cara tentando provocar alguma reação em mim que pudesse ser lida, ela parecia dormir, ela se encolhia, baixava a cabeça ou deitava para trás. Parecia ter que dormir por alguns segundos e normalmente alguns minutos para "recarregar" sua capacidade de se manifestar.

O Santiago e o Vitor estavam sentados no chão logo atrás de nós, no meio do caminho de volta na na parte superior das colunas. Até então estava fácil pra voltar para a superfície, pois ainda estava claro, podíamos ver claramente o caminho e qualquer ameaça. O Nicolau uivava com mais frequência que no começo da tarde.

Já estávamos no meio da tarde, nos aproximando das cinco horas. Luisa ainda sentada na borda do penhasco, eu sentado ao lado, praticamente encostado nela. Até aqui já tentamos acordá-la mais de 30 vezes.

Segurei no braço dela com a firmeza necessária, pois estávamos sentados na borda do penhasco. Segurei seu braço com as duas mãos e me posicionei para agarrá-la caso ela tentasse pular. Ela me olhou novamente com aqueles olhos negros e assustadores. Ela foi lá no fundo dos meus olhos e pareceu absorver algum tanto da minha força física. O quê ela fez em seguida foi levantar-se rapidamente como um truque de mágica. Foi um movimento estranho, mas passou batido. Assim que ela se levantou ela jogou a mochila pela canaleta de concreto que ficava ao nosso lado. Essa canaleta era como um escorregador gigante para o seio da floresta. Devia ter mais de dez metros para baixo. Acredito que tenha sido construído para a remoção de detritos durante a construção do condomínio. Assim que ela jogou a mochila, logo foi ela atrás escorregando desengonçada, lançou-se rapidamente pela superfície de concreto liso coberto de poeira, terra, folhas e galhos, foi descendo escorregando desaparecendo para o nível inferior, ainda abaixo das colunas onde estávamos. Assim que ela pulou na canaleta o Vitor e o Santi gritaram novamente o nome dela: - Luisaaaa! Eles se levantaram e caminharam em direção à canaleta. Já estava eu também descendo pela canaleta quase chegando lá embaixo também. O Vitor e o Santiago ficaram preocupados e lá de cima começaram a fazer perguntas: - Gugu, achou a Luisa? Achou ela? Cadê a Luisa, Gugu?

A cena que eu vi quando me situei naquela parte do mato, foi algo assustador. Foi algo realmente inexplicável. A princípio eu pensei que tinha ali um animal caçando outro. Logo que cheguei ao fim da escorregada e me levantei do chão, me virei para olhar onde estava a Luisa.

- Meu deus! o quê é isso?!? - me aterrorizei enquanto testemunhava aquilo.



O Demônio da SacopãOnde histórias criam vida. Descubra agora