Capítulo 7

18 2 0
                                    

Quando bati na porta aberta de Hink na manhã seguinte, antes das aulas, ele sorriu e acenou para que eu entrasse.

—Bom trabalho convencendo Rodriguez a aceitar o emprego, Aidan— ele disse —foi muito gentil de sua parte, ela passou por situações difíceis, coitada.
—Espera...ela vai aceitar???— eu disse
—Ela veio me ver meia hora atrás para me contar que você a tinha feito mudar de ideia. Não sei o que você disse pra ela, mas causou efeito.

Ergui as sobrancelhas.

—Ela disse que eu a fiz mudar de ideia??
—Vocês dois deveriam começar a planejar a primeira edição o quanto antes. Dezembro parece estar longe, mas vai chegar rápido. Eu botei o maior medo em alguns alunos do penúltimo ano de inglês ontem, então vocês devem receber um monte de redatores voluntários para ajudá-los. Sobretudo os que precisam de atividades extracurriculares para passar raspando numa faculdade, então não posso garantir que vão enviar algo legível, mas é apenas um começo.
—O que você quis dizer com "passou por situações difíceis"??
—Ah, você sabe. Mudar de escola no último ano. De qualquer forma, vá se preparar no seu escritório. As coisas do login estão em um post-it em frente ao computador. Rodriguez já está lá. E Leung também. Vocês já se conhecem né??— Hink me olhou com um olhar sabendo que fui o último homem a beijar Lola Leung antes dela se assumir lésbica
—Sim— seguro para não dizer "Ela sempre foi lésbica! Você não sabe como a biologia humana funciona?" —Lola é minha vizinha.
—Vizinha. Sim, é claro. Então não precisam de apresentações. Vá se ajeitar em seu escritório e vamos ter uma reunião no início da semana que vem para começar com a primeira edição— Hink direcionou seu olhar para o computador para continuar a fazer o que estava fazendo.

Sai da sala e caminhei até o pequeno escritório em que a equipe do jornal trabalhava. Era um aquário. A parede e a porta era de vidro, a porta não trancava, para prevenir de qualquer coito adolescente raivoso na mobília, uma estratégia falhada miseravelmente com o editor do ano passado, que costumava fazer sexo com a namorada no sofá com regularidade. Agora havia uma manta cobrindo as manchas suspeitas que tinham no sofá.

Lola estava sentada em frente ao Mac reservado para o designer enquanto olhava roupas no site da ASOS e chupava um pirulito. S/n estava sentada atrás de uma pequena mesa encostada na parede de vidro, distante da mesa do editor. Imaginei que ela tivesse sido enfiada na sala em algum momento nas últimas meia hora.

—Ei— eu disse enquanto entrava na sala, sentindo um baque estranho e desconhecido de empolgação ao vê-la. Havia algo profundamente estranho a respeito de olhar para S/n, como aquele sentimento que você tem quando vê uma foto colorizada da Guerra Civil ou da Grande Depressão e percebe que as pessoas nela eram reais. Só que era ao contrário, eu tinha visto a S/n colorizada no Facebook, e aqui estava a versão sépia, fantasmagórica e cinzenta na minha frente.

S/n cumprimentou com a cabeça sem falar nada.

—Hola, hombre!— Lola disse, acenando com a mão, sem tirar os olhos do Mac.

Eu me sentei na mesa do editor e liguei o computador. Fiz login na conta. Saboreei o sentimento que eu tinha trabalhado dois anos para obter. Fui interrompido quando S/n se virou na sua cadeira para me encarar.

—Não vou escrever nada. Esse é o acordo. Nem editoriais, nem artigo de opinião. Você quer algo dito, diga você mesmo. Vou ajudar você com tudo mais, mas não escrevo nem uma palavra.

Lancei uma olhada para Lola, que fingia ignorar nossa conversa. A teoria da maldição vodu começava a aparecer mais plausível.

—Posso lidar com isso. Espero que nem eu escreva muito, na verdade. Hink disse que iria conseguir uns alunos do penúltimo ano como voluntários.
—Já falei com Hink. Vou ser editora assistente. Você trabalhou para conseguir isso por anos, deve ser o seu filho.
—Certo.
—Bom
—Então, ah, acho que você deveria ler nossas políticas e procedimentos, nossas diretrizes editoriais e nosso contrato. Estão todos salvos na pasta compartilhada—Lola e eu lemos isso quando voluntariamos no jornal no ano anterior —Você já tem um login?
—Hink me deu um antes de você entrar.
—Você está pronta então.
—Direto ao ponto. Gosto disso.— S/n se virou, abriu a pasta compartilhada encontrou os documentos que eu tinha mencionado e começou a ler.

Lola fez um giro lento, seus olhos arregalados e as sobrancelhas erguidas, balancei a cabeça para ela e ela suspirou e voltou para o site de roupas.

Não havia muito o que fazer naquela manhã exceto o planejamento, então coloquei minha playlist no Spotify no modo aleatório. A primeira música que tocou foi "Hey", dos Pixies. Aumentei um pouco o volume e cantarolei junto no ritmo enquanto acessava o meu e-mail até pescar um movimento com o canto de olho. Levantei o olhar e vi S/n Rodriguez movendo os lábios: "if you go, I will surely die" (Se você for, eu certamente morreria).

Ela cantou silenciosamente, percorrendo as trinta páginas do documento de políticas e procedimentos do jornal sobre tópicos que não éramos autorizados a cobrir (nada de sexo, nada de drogas, nada de rock'n'roll, nada de relevante para a vida de adolescente em geral, etc).

—Você conhece os Pixies?— Perguntei a ela depois do primeiro refrão

S/n ergueu os olhos e me olhou por cima do ombro, mas não falou de imediato.

—Você me conheceu em um momento muito estranho da minha vida— Disse ela por fim. Quando não respondi, ela inclinou a cabeça de leve para o lado e disse: —Clube da luta? "Where is my mind"(Onde está a minha mente)??

—Eu sei. Entendi. Clube da luta é, tipo, um dos meus filmes favoritos.
—Meu também
—Mesmo?
—Sim. Por que você está tão surpreso??
—A maioria das garotas...— Comecei. Lola ergueu a mão rápido.
—Tome MUITO cuidado com o que vai dizer a seguir, Aidan Gallagher— Ela disse. —Pouquíssimas coisas boas saem de frases que começam com "a maioria das garotas".
—Isto é verdade.— S/n concordou
—Ah, bem... Eu ia dizer que muitas, não a maioria, mas muitas das garotas que conheço não gostam de Clube da luta.
—Eu gosto de Clube da luta, seu intolerante.— Lola disse.
—A maioria das garotas não gostam de filmes inteligentes?— S/n disse —Ou garotas que de fato gostam de Clube da luta são flocos de neve especiais e, portanto, são melhores do que o resto de suas companheiras??
—Oh, Deus, não, não é isso que eu quis dizer. As garotas aqui, elas provavelmente nem sequer viram Clube da luta, entende?? Elas nem sequer assistiram uma cena.
—Eu sou uma mulher e vi Clube da luta— Lola disse
—Aí está. Das duas mulheres da sala, 100% assistiu ao Clube da luta. A sua estatísticas de "a maioria das garotas" talvez precise ser reavaliada
—Vou parar de falar agora— Eu disse —assim vou vomitar menos do patriarcado para fora da boca

S/n sorriu:

—Estamos zoando com você, Gallagher.

Houve um instante de silêncio, no qual eu tentei com desespero fazer o diálogo seguir muito depois do seu ponto natural de morte.

—Por que você mudou de ideia?— eu disse

S/n me encarou, os vestígios do seu sorriso murchando.

—Eu... Não sei— Ela disse. Bem naquele momento, o sinal pro primeiro período tocou e S/n se levantou e guardou suas coisas e saiu da sala.

—Você ouviu isso?— eu disse para Lola após S/n sair —Ela gosta de Pixies e Clube da luta.
—Tenho bastante certeza que de que eu gosto de Pixies e Clube da luta, seu saco gigantesco de esterco com babaquice.
—É, mas você é uma lésbica torpe que rouba primeiros beijos de garotos e então para sempre os emascula ao sair do armário duas semanas depois.
—Falando nisso, esqueci de te contar uma coisa. Esses dias Madison Carlson, me perguntou quão ruim de beijo você tem que ser para fazer uma garota parar de gostar de todos os homens para sempre.
—Espero que você tenha explicado com educação que a orientação sexual é predeterminada e que você já era lésbica ao me beijar.
—Ah, não. Eu falei pra ela que você tem o pênis torto e que depois de vê-lo eu nunca mais pude cogitar ver outro.
—Obrigado, cara.
—Disponha— Lola disse enquanto também se levantava e guardava as coisas. Na porta, ela parou e olhou de volta para mim, a cabeça inclinada na direção que S/n Rodriguez tinha ido —Eu gosto dela, Aidan. Tem, eu não sei... alguma coisa nela.

Assinto com a cabeça e não respondi, mas, porque Lola era minha melhor amiga e porque nós nos conhecíamos por toda a vida, ela sorriu. Pois, mesmo sem falar, ela sabia exatamente o que aquele aceno de cabeça significava:

Eu gosto dela também.

A Química [adaptação Aidan Gallagher] Where stories live. Discover now