Capítulo 13 - Um Monstro Irreversível

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3 anos haviam se passado, Kêndo saía da Biblioteca do Universo depois de mais uma penosa leitura, vestido com uma roupa simples de pano marrom. Estava mais alto, próximo à altura de sua mãe, seu cabelo estava bem mais vívido dentre seu forte tom de verde bandeira e seu corpo retangular tornara-se atlético com músculos normais, porém firmes. Seu semblante sério provava que o tempo foi um pilar para superar a morte de Athenas e que o perigo de toda sua situação não era unicamente para ele mas para toda a civilização heroica, quanto do mundo inteiro. Sentou-se numa cadeira da cozinha para observar seu tio cozinhando, talento inato àquele ser que representava o pouco das coisas boas na vida do príncipe; este sorria ao ver todo o malabarismo feito com os alimentos. Kindoran que iniciou uma conversa:

— Não ria, é o que irá comer.

— Não tenho dúvidas — respondia o jovem.

— Que livro leu hoje?

— Hierarquia das civilizações do Noroeste. É frustrante pensar que não li um terço do que há naquela biblioteca durante esses 3 anos, sinto não ter me esforçado o suficiente.

— Não se torture com esse pensamento, garoto. Muitas coisas guardadas lá dentro não serão do tipo que poderão ser aprendidas apenas lendo. Viverás, viverás muito para aprender na experiência de sua própria vida. Quando menos esperar, tu serás uma personificação da Biblioteca do Universo — dizia sorrindo — agora pegue, está esplêndido.

Era uma comida típica dos heroicos, a refeição favorita da Rainha de Todos. Kêndo comia refletindo, em devaneios lembrava-se de sua infância, conseguia enxergar a exata cena de quando era um pequeno bebê carregado no colo de seu pai que o olhava com um brilho estonteante. "Onde ele está?" perguntava o jovem em seus pensamentos e Kindoran via este questionamento esclarecido nos olhos confusos do garoto que se direcionavam ao prato. A resposta não tardou, o vento que se atrasara em trazer ao longo das árvores passando a janela da pequena casa um arrepio no corpo do heroico que se sentiu imediatamente desconfortável. Longos troncos assustados não somente com a pesada rajada impiedosa nos galhos e folhas, mas também com um ser, que não havia mudado depois de todo o tempo que se passou. O brilho ensolarado da tarde contrastava com uma escuridão que estava prestes a se apresentar. Kindoran entendeu, apenas esperando pelo brado.

— Kindoran! Apareça! — ecoava a voz grave e pujante de Kendoran sobre a região.

Mistério era onde haveria percorrido durante esses 3 anos ou como havia descoberto a localização da residência de seu irmão. Seu corpo não possuía mudanças evidentes, sua roupa continuava a mesma com uma jaqueta marrom, calça vinho e um colar dourado que havia adquirido com o tempo, e somente sua sede de poder estava ainda mais clara do que outrora. Ao ouvir o chamado de seu pai, o corpo de Kêndo tremia-se involuntariamente, e seu mentor ao perceber isso, pediu que ficasse dentro de casa. O garoto hesitava, viu seu tio passando pela porta e tentou sair também, entretanto seu corpo congelou ao chegar na saída tendo já uma visão clara do rei. Não era nenhum poder que o impedia de se mover. Era medo. De certa forma, o próprio sabia disso, mas deveria sobrepujar esse sentimento naquela ocasião. Em detalhe, o garoto notou as semelhanças faciais que tinha com o renegado, desde o formato do rosto ao cabelo e principalmente os olhos de esclerótica amarelada tendo a pupila, a íris e outras características de um olho comum invisíveis a quem não tivesse este único e especial. Seu pai o olhou e notou que seu plano era um erro ingênuo. Não poderia fazer Kêndo ficar ao seu lado, percebia isso no semblante assustado, todavia sério, de seu filho. A visão deste era outra, via uma profunda escuridão em torno daquele ser; escárnio e podre. Um ser morto de espírito, com expressão facial de desprezo que não se surpreendeu com a própria reflexão. Kendoran mirou o olhar de volta ao seu irmão:

— Criou-o bem — dizia sem afeto.

— Como você nunca conseguiria criar — respondia Kindoran indelicadamente -. Você não é bem-vindo aqui, monstros malignos costumam ser expurgados dessa vida.

— Alguma vez em sua vida teve a honra de conhecer um monstro que experimentou a catarse? Eu lhe direi como é. É uma vontade sufocante de gargalhar em contrapartida com o desespero de encontrar-se em liberdade diante de um corpo morto caído à sua frente empoçando sangue. Talvez esteja certo em me chamar de "monstro maligno", ademais atrevo-me a dizer que me sinto como um monstro irreversível.

A cena descrita pelo assassino era montada na cabeça de Kêndo que colapsava interiormente em fúria enquanto lágrimas escorriam em seu rosto. Uma amálgama de sentimentos se exprimiam em seu semblante, dentre estes a raiva, a tristeza, a impotência e a culpa. De seu pai só havia indolência. Kindoran cansou de conter-se e partiu para o ataque. Sua prioridade era proteger o príncipe, seu lar e a floresta, isso seria árduo pois além de ter que controlar seus próprios poderes, teria também que moderar os de seu irmão o qual estava claramente disposto a causar o caos. Era desvantajoso para o tio do garoto precisar usar parte de seu S-X para reduzir os danos na região e criar um mundo paralelo, mas naquela situação, não possuía escolha mais justa. Disparou uma energia em direção ao irmão que cortou-a ao meio fazendo com que desvanecesse em fumaça, esta que era passada por Kindoran na tentativa de um soco em Kendoran que desviou sem receio e foi ao contra-ataque. Kêndo assistia o conflito pela porta da casa quando finalmente conseguiu se mover correndo em direção aos dois. Neste momento Kindoran criou um mundo paralelo que era uma cópia do lugar em que estavam. Vendo seu sobrinho aproximar-se, afastou com um empurrão o rei que ficou a alguns metros de distância. O jovem queria lutar, precisava contribuir de alguma maneira; mostrar o resultado de todo o seu esforço durante o período que se refugiou mas foi impedido por seu tio que usou uma habilidade de contensão criando uma grade de energia envolta do príncipe e então, era mais uma parte do seu poder sendo usado. Sua desvantagem estava clara, Kendoran poderia quebrar seu mundo paralelo com facilidade, todavia preferiu concentrar seu poder unicamente para matar rapidamente seu irmão, este mais esquivava-se do que conseguia atacar. A velocidade do maníaco era implacável, avançava imprevisivelmente ao ataque contra Kindoran distribuindo socos e chutes que criavam impactos provocando fortes ventos de forma expansiva e circular. O mentor do garoto se defendia o máximo que podia, eram estrondeantes, como se cada golpe concorresse ao cargo de qual o mataria instantaneamente. Foi em certo impacto causado pelo chute de Kendoran na costela esquerda de seu irmão que fez o próprio desconcentrar-se da habilidade que prendia Kêndo que então saiu desajeitadamente da grade de energia e com a finalização de um giro com o braço direito erguido e a mão aberta, criou uma esfera de energia aparentemente pequena porém com um nível de S-X planetário e disparou-o mirando seu pai. Grave foi seu erro, visto que Kendoran estava à frente de Kindoran e apenas esquivou-se para o lado deixando com que o poder passasse por ele e atingisse diretamente seu irmão. Era um poder tão forte quanto todos os golpes que seu tio havia dado, um embate direto sem defesa causaria a morte de qualquer ser que recebesse a energia porque carregava toda a fúria do príncipe naquele momento. O irmão de Kendoran que estava no alto junto com seu irmão, caiu, e o mundo paralelo quebrou-se voltando à realidade onde todas as árvores quebradas e crateras vulcânicas formadas ao chão desapareceram. Kindoran havia morrido não somente por aquele golpe, afinal já estava extensivamente exausto pelas pancadas recebidas e defendidas. Kêndo se encontrou desamparado; inconformado. Gritava "não!" com um calor explosivo criando naquela existência as crateras vulcânicas antes presentes no mundo paralelo enquanto seu pai descia lentamente ao chão ao lado do corpo de seu irmão. Seu filho não suportou a mágoa e naquele estado incontrolável de ferocidade, avançou para o rei carregando em seu punho uma energia latente de tons amarelos que queimavam seu braço para uma tempestuosa explosão. Cego pela fúria, não percebeu que seu pai criava na mão direita uma espada parecida com a Espada da Destruição, mas esta era melhor, recebia o mesmo nome mas não se tratava da igual lâmina. Em uma rápida cinese erguendo a espada, Kendoran atravessou-a no olho direito de Kêndo perfurando seu cérebro passando de raspão pelo lobo límbico (região do córtex cerebral que apresenta neurônios responsáveis principalmente pelo comportamento emocional) fazendo o poder que este carregava no punho sumir instantaneamente. Os dois corpos estavam parados, Kêndo ficou face a face com o perverso, adiante sua visão virou-se para o céu quando seu inimigo empurrou um pouco a espada de modo com que influenciasse a queda do príncipe ao chão. Kêndo perdeu a consciência...

Uma voz feminina calma e sutil chamava-o:

— Kêndo... Kêndo...

No terceiro chamado por seu nome, os olhos de Kêndo ofuscaram-se com um brilho poderoso indo em sua direção rapidamente, momento em que juntou seus braços aos ombros equivalentemente opostos de cada membro superior em guarda defensiva dado que estava levantado, preparando-se para a colisão. Foi atingido. Seus braços ardiam e seu corpo estava curvado para frente em desafio ao impacto. Quando a energia se desvaneceu, a visão do príncipe pôde ficar mais focada e percebeu que a centenas de metros de distância, observando com sua visão incomparavelmente clara, uma mulher estava com suas mãos erguidas a frente de seu rosto, como alguém que teria acabado de disparar uma potente energia. Era Athenas, e o semblante de seu filho configurou-se numa expressão confusa e surpresa, não apenas por ver sua mãe séria e fria, mas também ao notar que atrás dela, assim como em torno de todo aquele lugar, havia um vácuo infinito banhado por um clarão branco e reluzente. Não era o mundo real; não era o paraíso ou o inferno; não era a morte. Era um mundo paralelo, sustentado pelo glorioso poder da Rainha de Todos. Kêndo deixava claro sua perplexidade com a situação, olhando em toda sua volta, e lentamente, desfazendo sua guarda. Instante foi esse em que Athenas, de um único salto, chegou ao jovem deslocando um soco em seu rosto no lado esquerdo, fazendo estrelas surgirem e explodirem instantaneamente. Kêndo não sabia, porém a situação proporcionada era a última esperança de sua mãe para a vitória do menino; um treinamento intensivo no qual o príncipe seria um dos poucos seres a desfrutar do devastador e impiedoso poder de Athenas. A Rainha de Todos tendo seus 3-S em capacidades máximas somadas a sua incrível inteligência rendeu a Kêndo vários golpes e disparos de energia em atrito com seu corpo com danos de escala universal, forçando o menino a enxergar sua mãe como uma inimiga. Tomando essa decisão, foi à evasiva de um chute direto da rainha e arriscou um ataque com seu punho esquerdo em direção ao rosto do mesmo lado dela. Foi inútil, a guerreira não apenas esquivava, como também revidava com joelhadas e chutes, enquanto suas mãos jogavam o príncipe de um lado para o outro fazendo com que muros e chão reluzentes de imensidão branca quebrassem com as pancadas causadas pela colisão do corpo do garoto com os brilhos fortes e concretos. Sem contar que ela, através de seu aprendizado dominando a Estrela Maior, conseguia usar o poder estelar com perfeição criando inimagináveis e poderosas estrelas de suas mãos e disparando-as em Kêndo que tentava desviar da maioria mas era atingido por outras sofrendo dores angustiantes sem morrer devido o controle de energia que Athenas mantinha neste poder em particular. Kêndo suportava cada dor, não foram à toa seus 4 anos suportando a perda de sua mãe, esta que ele ainda não havia entendido se estava viva ou morta, porém que estava ali à sua frente, além da culpa recente que sentia pela morte de seu tio. Chegou ao ponto em que a fúria do guerreiro o fez atacar sua mãe com o ódio que outrora atacara Kendoran quando o viu lutando contra Kindoran. Seu soco encostou de raspão no rosto da guerreira fazendo-a se impressionar de maneira pouco assustada e muito confiante. Nesta hora, com rápidos movimentos, Athenas abriu a guarda de Kêndo deixando seus braços escancaradamente abertos, assim, ela saltou a vários metros para atrás e semelhante à primeira vez, carregou uma devastadora energia azul índigo característica de seu poder, com suas duas mãos à frente do rosto, atirando novamente ao filho que não tinha escapatória desta vez. Recebeu o poder diretamente e sua visão ofuscou-se de maneira tão intensa que não aguentou manter seus olhos abertos. Porém seu sentido auditivo percebeu a voz calma e imaculada da Rainha de todos. Ela dizia de maneira bem clara: 

 — Kêndo, você está preparado. Cumpra seus objetivos como o destino que lhe dei. Expanda sua fúria e energia para a grande batalha. Lutarás, não somente por sua vingança individual, lutarás pela proteção de um Reino que lhe está herdado. Tens minha glória, tens minha honra, tens a capacidade de expurgar aquele que pretende praticar malignidades contra todo o universo. Lembre-se: não tens culpa de nada, és apenas um jovem, eu e seu tio procuramos lhe proteger e não nos importamos em doar nossas vidas para este fim. Você é aquele nascido para ser rei e nós lutamos para manter este destino. Então, vá à sua missão meu filho, derrote seu pai. Derrote Kendoran.

Kêndo recuperou a consciência e percebeu que tinha visão apenas do olho esquerdo. Seu crânio estava milagrosamente restaurado dos danos exteriores causados pela espada, não havia uma gota de sangue em sua cabeça ou corpo e ao aproximar a mão do lado direito de seu rosto, sentiu um tapa-olho que circulava sua testa e estendia-se ao lado direito da face tampando o vácuo resultado da perda de seu olho. Tinha textura metálica de cor cinza e era banhado pela energia de Athenas. Kêndo não havia perdido a memória e seu cérebro aparentava estar normal e ao olhar para o alto, viu uma águia voando para o norte do planeta. O espírito da Rainha de Todos reinara no universo.

1º Arco - A OrigemOnde histórias criam vida. Descubra agora