Capítulo Final - Nascido para ser Rei

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O céu convertia-se em tom sépia como se estivesse cansado de reluzir as redondezas e a tensão do mundo pesasse sobre cada nuvem que precisava uma da outra para aguentar a carga; a representação perfeita de Atlas sobre o universo. Kêndo olhava, ainda caído no chão, aquela inundação de amargura preenchida ao alto quando de repente sentiu gotas de água caindo em seu rosto. Não conseguia acreditar que um céu como aquele pudesse produzir chuva naquele instante pois não tinha se dado conta de que estava a mais de horas inconsciente e o sol começava a se deitar.
Enquanto aquele clima assombrava os arredores do Reino, o príncipe aos poucos recordava-se do que havia acontecido; a luta de Kindoran contra Kendoran; o golpe que seu pai lhe deu; a luta contra sua mãe. Porém percebia que este último confronto não tinha sido real, afinal não havia marcas em seu corpo, não havia dor. O tempo de ajuste de sua memória foi o necessário para que uma poça de água se formasse ao lado esquerdo de onde agora estava sentado com as pernas esticadas. Aproximou sutilmente sua face à vista da água para enxergar a si mesmo pelo reflexo e assim viu nitidamente e com toda meticulosidade seu tapa-olho. Encontrava-se com culpa, o ódio em seu peito ecoava assustando a floresta e sua mão esquerda tremia ao encostar na proteção metálica; o transtorno era perceptível pelo espanto em seu rosto com o olho arregalado, sobrancelha alta e boquiaberto. Estava irado. Ao olhar para o outro lado, deparou-se com o corpo de Kindoran de bruços esticado sobre o raso gramado, sem sinal de vida. Abeirou-se cautelosamente e girou-o de maneira a ver sua face, entretanto deu foco ao peito onde a camisa havia se rasgado agressivamente com uma cratera profunda proveniente do poder disparado por seu sobrinho mantendo-se apenas o sangue que misturava-se com os pingos da tempestade incontrolável. Sentia-se desamparado, sem escapatória da própria culpa, sua mente o torturava com tenebrosidades e castigos. Restava-lhe chorar colocando as duas mãos sobre o próprio rosto de joelhos em frente ao seu tio, arrependido. Na loucura de seus pensamentos, finalmente lembrou-se das palavras da Rainha de Todos para ele, tais palavras que marcaram seu corpo como os golpes recebidos em sua luta contra a majestosa. Vinha daquele discurso o desejo pela catarse, a ambição pela vingança e a vitória, a fúria em contraste com o controle e, principalmente, uma aura: a aura protetora que se manifestava em tons amarelo latente e dourado brilhante na atmosfera. Lentamente abaixou as mãos e ergueu a cabeça assim como seu corpo, olhando ao céu e sendo ofuscado por uma luz incomparável vinda de muito longe. Era a Estrela Maior expandida sobre a montanha da estátua de Athenas, esperando ser dominada por aquele que viria a ser o Rei de Todos. Agora Kêndo sabia para onde ir e sabia quem estaria lá. Sua mente se estabilizou, seu corpo domou-se em calmaria, estava pronto, como um verdadeiro líder. Tratou de enterrar o corpo de Kindoran ao lado da casa do próprio e verificando dentro da residência, avistou folhas rasgadas, provavelmente retiradas da Biblioteca do Universo. Compreendeu que seu pai havia tentado entrar e sem êxito total - dado que os livros lá dentro não apresentavam drástica modificação -, conseguiu apenas os papéis que continham a magia de Athenas sobre o Cetro do Reino com a Estrela Maior. Arrumou-se, dentro da casa de seu falecido tio, havia pegado uma ombreira com manto vermelho, trocou sua camisa vestindo uma agora verde, uma calça cinza no lugar da anterior e por último, um par de botas douradas completava sua vestimenta. Não restava mais nenhuma dúvida, era hora de partir, por Kindoran, pelo Reino, e acima de tudo, por sua mãe, Athenas.

A caminhada foi longa pois o príncipe pretendia conservar todo seu poder para a batalha iminente que iria acontecer, e, chegando próximo à estátua, iluminado pelo clarão da Estrela Maior, podia enxergar nitidamente seu pai do outro lado da montanha aproximando-se calmamente com o mesmo semblante impetuoso e sádico que presenciou outrora. Os dois se olhavam fixamente como se estivessem atentos para aquele que daria a primeira investida. Kendoran não tinha mais nada a perder, no ápice de sua psicopatia, estaria disposto a matar o príncipe e se necessário fosse, destruiria aquele planeta. Seus objetivos eram unicamente conquistar o Cetro e a Estrela Maior, se declarar Rei de Todos e subjugar todo o universo para ele. Kêndo não deixaria tal desgraça acontecer. Do lado esquerdo da montanha estava então o Rei dos Heroicos, impetuoso, assassino, maníaco, que matara sua própria esposa e que agora também estaria prestes a fazer o mesmo com seu filho. À direita do cume subia o herdeiro do trono, aquele nascido para ser o Rei de Todos, filho de Athenas, que possuía um único destino e iria fazê-lo sem medir esforços. Kêndo notou que o rei não possuía espada em nenhuma das mãos. A verdade é que Kendoran nunca havia tomado de volta a espada que usou para matar a rainha, apenas aprimorou o modelo que tinha daquela lâmina e recriou-a, todavia naquele momento, não conjeturou necessidade de usá-la. No percorrer dos lentos passos que cada um dava se aproximando tanto do outro quanto do cetro, a chuva cessava mas as nuvens não se desfaziam, nem os relâmpagos diminuíam suas frequências. Era um cenário caótico, desesperador. Entretanto, pai e filho, rei e príncipe, sabiam que tal caos iria piorar em poucos minutos e isso ficou claro quando um ficou de frente para o outro. Aparentemente Kêndo havia alcançado a altura do assassino assim como seu porte físico. A não ser pela barba e brinco na orelha de Kendoran, o jovem era muito semelhante a ele. Diferente do que o garoto esperava, palavras foram pronunciadas pelo majestoso. Disse ele com um rosto incrivelmente deprimido:

1º Arco - A OrigemOnde histórias criam vida. Descubra agora