Capítulo Oito

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ELENA


Acordei com o despertador tocando às seis da manhã e uma baita dor de cabeça. Olhei ao meu redor e vi que estava praticamente largada na cama, com a blusa branca manchada de vinho, uma taça sobre o criado-mudo ao lado de uma garrafa completamente vazia. Não lembro como adormeci nesse estado, sem ao menos tomar banho e trocar a roupa, mas consigo lembrar, perfeitamente, do motivo que me levou a elevar a dosagem da minha medida já não mais profilática à essa altura da situação: ver o Benjamin.

Chocada. Foi exatamente como eu fiquei ao vê-lo do outro lado da tela. Surpresa. Anestesiada. Nostálgica. Aconteceu tão repentinamente que eu não tive tempo de processar e acabei reagindo da pior maneira possível; certamente, ele deve estar achando que eu nunca mais quero vê-lo na minha vida. Mas, para ser honesta, com essa reação, eu também acharia o mesmo. Peguei o celular e as notificações indicavam várias mensagens da Alicia, algumas ligações do Caleb e um correio de voz. "A cavalaria já está à postos", pensei. Não estaria surpresa se o conteúdo das mensagens e o intuito das ligações fossem para falar sobre o que aconteceu ontem à noite, mas, sinceramente, eu não consigo fazer isso agora. O que eu iria dizer? "Oh, desculpe! Eu fiquei chocada quando o Benjamin apareceu porque imaginei que não iria vê-lo tão cedo na minha vida?!". Essa declaração iria soar tão insensível quanto a minha reação.

"Sou eu, Elena." A voz dele ecoava na minha cabeça como um verdadeiro deja vu.

Caramba, Olivia Rodrigo! O que você fez comigo?

Papai chamou baixinho do outro lado da porta, dando leves batidas, e perguntou se poderia entrar. Levantei-me um pouco tonta, caminhei praticamente arrastada e abri.

— Minha nossa, filha! Que caminhão passou por cima de você ontem? — Riu jocoso.

— Bom dia para você também, pai. — Revirei os olhos e ele beijou a minha testa. — De que horas iremos ao aeroporto?

— Às onze. O nosso voo sai às uma da tarde. — Assenti. — Brincadeiras à parte, você está bem? Eu tenho aspirina.

— É, eu tô bem... — Cocei a cabeça. — Vou ficar bem...

Papai analisou-me sutilmente.

— Elena, o que aconteceu ontem à noite? Você nunca bebeu vinho dessa maneira, filha. — Estendeu a mão e afagou o meu braço. — Fiquei surpreso quando te vi saindo do quarto e voltando com uma garrafa inteira, mas não imaginei que você fosse bebê-la completamente.

Desviei o olhar e suspirei com profundidade antes de declarar em voz alta o que acontecera na noite passada.

— Eu vi o Ben, pai. — Voltei o meu olhar para ele. — Eu vi o Benjamin ontem à noite.

— Como assim você viu o Benjamin? — Papai franziu a testa.

— Depois que saí da sala e deixei você conversando com o Kyle, a Alicia ligou para mim numa chamada de vídeo pelo Skype. — Encostei-me na porta. — Estávamos conversando... o telefone dela tocou... ela saiu para atender... e, no fim das contas, o Benjamin estava na casa dela com o Caleb. — Encolhi os ombros. — Eles haviam pedido pizza e Alicia disse que o Caleb ia avisar quando o entregador chegasse, mas findou que quem veio foi o Ben.

— Uau! Que inesperado, huh?!

— Pois é... pois é!

— E você.... — Cruzou os braços — como você reagiu ao vê-lo?

— Péssimo! — Falei exasperada. — Entrei em choque, fiquei anestesiada, ele disse que não queria me assustar, eu comecei a gaguejar nervosa, e acabei fechando o notebook abruptamente na cara dele. Depois disso, não lembro como saí do meu quarto e voltei com uma garrafa de vinho. Muito menos como acabei bebendo-a por inteira. — Suspirei mais uma vez. — Sabe, pai, eu tô com medo... eu não sei como vai ser quando tudo isso acontecer ao vivo e em cores... — Levei as mãos ao rosto, pesarosa. — E se eu reagir pior? Ou se eu não tiver reação e simplesmente sair andando?

— Mas sair andando já é uma reação...

— Pai!

— Tudo bem, desculpe. — Ele me puxou cuidadosamente e envolveu-me em seus braços. — Filha, reencontros são sempre inesperados. Ainda que venhamos a nos preparar, seja a nossa roupa, o nosso cabelo, seja o nosso discurso ou a maneira como iremos nos apresentar, geralmente não acontece da forma como planejamos e está tudo bem, sabe por quê? Porque é disso que os reencontros são feitos: surpresas, nostalgias, suspiros, temores, sorrisos, lágrimas, abraços ou um simples aperto de mão. Às vezes não acontece nada disso e tudo bem, também. Reencontros não precisam ser perfeitos, Elena, pois eles simplesmente acontecem.

Abracei-o com força e tentei me aninhar o máximo possível naquele espaço confortável e seguro que finalmente encontrara nele.

— Ele deve estar pensando que eu não queria conversar com ele novamente... — Funguei — ou até mesmo que eu o odeio...

— Ou ele pode ter pensado que você não soube reagir diante de uma situação inesperada. — Completou serenamente. — Lembra do nosso reencontro? — Riu com um pouco de amargura. — Você explodiu emocionalmente naquela noite...

— Mas são situações e sentimentos diferentes, pai. — Afastei-me, olhando diretamente em seus olhos.

— Eu sei, eu sei. Porém, a sua reação anestesiada e descontrolada foi a mesma, ainda que de forma diferente. — Ele colocou uma mecha de cabelo por trás da minha orelha. — Você sempre foi assim. Nunca soube reagir em meio ao inesperado, independente do que estivesse acontecendo.

— Sim... — Balancei a cabeça, pensativa. — Sim, você tem razão. — Sorri atenuante. — Lembra daquela véspera de natal em que fomos ao shopping e você me levou para tirar foto com o Papai Noel?

Papai começou a rir.

— Você ficou estática feito um robô na frente dele, sem esboçar reação alguma. Não saía do lugar, não se movia e nem mesmo piscava o olho... por Deus, Elena! — Gargalhou. — Como você conseguiu ficar sem piscar daquele jeito?

— Eu não sei. — Passei a mão pelos cabelos, rindo sem graça. — Simplesmente aconteceu, acho.

— Viu? Isso é o que você faz, Elena: reage das maneiras mais peculiares possíveis e existentes. — Sorriu. — Não fique se preocupando a toa, pensando no que o Benjamin está pensando ou no que ele pensou, no que irá acontecer quando vocês se virem novamente, no que irá ser falado ou até mesmo no silêncio que pode prevalecer naquele momento, porque são apenas suposições. — Enfiou as mãos no bolso. — A única certeza que você deve começar a carregar a partir de agora é que você irá ver o Benjamin novamente, não importa onde e como, ou até mesmo em que circunstâncias. Tudo isso é muito simples: vai acontecer. — Encolheu os ombros, sorrindo com ternura.

FINE LINE: Do Outro Lado Da Linha | LIVRO #2Onde histórias criam vida. Descubra agora