Manhã

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Normalmente minhas manhãs são preguiçosas, mais uma das coisas que mudou com essa nova rotina. Estamos na quarta semana e o nosso prazo está acabando e eu ainda tenho MUITA COISA pra fazer, acordei às 6h tomei meu banho, me arrumei e fui para o coworking, apesar do café da manhã do hotel ser dos deuses eu deixava pra comer lá, vai que eu tava a sorte de encontrar com ela né e indo mais cedo eu conseguia ser mais produtiva.

Era quarta-feira, cheguei 6h40 o sol tinha acabado de nascer. Desci do uber e senti como se a maresia fria me abraçasse, beijando com a brisa minhas bochechas que estão acostumadas com o calor. Poucas pessoas chegam nesse horário, então o ambiente estava sendo preenchido pelo barulho de talheres e porcelanas, o cheiro do café quentinho me envolvia aos poucos.

Fiz o PCR de rotina na entrada, peguei meu religioso cafezinho e fui pra piscina, mas antes de começar a trabalhar me permiti contemplar o vazio do lugar. A piscina mesmo coberta fazia o frio aumentar, me arrependi de ter pêgo apenas um cardigan, eu estava necessitada de um moletom. Enquanto eu olhava a imensidão do céu com poucas nuvens e sentia o vento forte e gélido tentando me despir, aquecendo minhas mãos na xícara com o café forte a voz dela cantarolando preguiçosa, como a de quem caiu da cama, foi se aproximando. Um bom dia distante ecoou, ela na entrada da sala e eu respondi de volta na saída para a piscina.

Momentaneamente até achei que ela tinha dormido ali pela voz cansada, mas quando a vi, a maquiagem indicava que o dia já havia começado há um tempo. Enquanto eu me arrepiava com o frio, o vento e a voz dela que me atingiam fingi costume, me encostei na porta segurando o café que aquecia minhas mãos, fechei meus olhos como se estivesse meditando contemplando os últimos minutos antes da turbulência.

Suas mãos geladas passaram de um lado da minha cintura, deslizando pelas minhas costas no meu vestido de tecido fino e repousaram do outro lado, então senti seu corpo quente aquecendo o meu. Abri meus olhos e ela falou:

Parece que ce tá com tanto frio quanto eu.

Abracei ela de volta com minha mão direita que estava bem quentinha graças ao café. Senti seu ombro gelado e a alça da sua blusa que tinha um tecido macio e leve, assim como o meu vestido, de quem havia pensado em ser acolhida pelo calor da tarde. Respondi:

- Essa casa é bem fria mesmo, mas jaja esquenta.

- É vou pegar meu café.

Diferente do que eu fiz ela foi direto pra mesinha onde eu fico trabalhando. Fui me aproximando e me apoiei no pergolado, onde tinha sol obviamente. Ela tirou a máscara e disse:

Olhe, eu acabei de fazer PCR, deu negativo graças a deus, e eu vi que você chegou agora e fez também, então vou tirar minha máscara ta? Não tive contato com ninguém ainda, e como estamos em um dia incomum que nos encontramos tão cedo sem milhões de pessoas a nossa volta sinto que posso relaxar um pouco. Tudo bem por você ?

Claro! Você é muito respeitosa eu fico impressionada. Assim, sou facilmente impressionável, mas seu cuidado é algo realmente raro nos dias de hoje. Obrigada por perguntar.

Então ela se aproximou, um metro de distância no máximo. Eu não converso assim tão perto de ninguém tem pelo menos um ano e meio né, pandemia minha gente. O frio desapareceu, eu tava morrendo de calor e o cheiro dela era tão convidativo que vez ou outra eu dava um passo pra frente e pra trás como um reflexo do autocontrole. Ela disse:

-Tem que agradecer nada não mulher. Mas olhe, vou aproveitar que você está aqui e estamos só nós duas. Semana que vem nosso projeto com a Avon acaba e não vai rolar uma festa de encerramento, vai ser mais uma tarde de lanche bem chique, porque agora eu sou uma mulher chique né? Então é isso. Mas como eu prometi que ia tentar fazer os drinks acontecerem, e eu vi que você é uma pessoa de boa, meu segurança já viu que tu não vai me matar nem nada, já são quatro semanas e tu não me agarrou, sempre respeitou meu espaço, era um medo depois daquela declaração tão calorosa haha Mas enfim, to me perdendo aqui na conversa, o que eu quero dizer é, se você quiser tomar uns drinks conhecer a casa da Anitta e ficar mais um tempinho comigo eu vou adorar te receber lá.

Eu tava tão preocupada com o prazo da entrega do trabalho que confesso que tinha até esquecido do pingo de esperança que eu tinha desse rolê acontecer. Meu rosto se iluminou, sorri enquanto ela falava e depois respondi:

- Antes de mais nada, jamais me aproximarei de você sem ter 100% de certeza da reciprocidade e que você ta confortável com isso. E é aquela né, apesar das palavras apaixonadas na carta eu sei que na vida real agora é outra história, seu segurança tá do outro lado da piscina mas não tira o olho da gente e eu sou bem tímida não curto muito voyer não. Quanto ao convite, eu vou COM CERTEZA né mulher. Não tenho nem roupa pra ir na casa da Anitta, mas já to lá.

Ela sorriu, esticou a mão, colocou sobre o meu braço e disse:

Então pronto. Eu tava agoniadinha pra te chamar logo, adorei tua energia quero te conhecer, mas é uma correria doida, muita gente, muita coisa pra fazer.

Respirei fundo como quem reconhece o cansaço e disse:

Mas ganhar o BBB dá nisso né. kk Muito sucesso e trabalho. Devo confessar que eu nem no meu maior devaneio imaginei que vc fosse ter tempo pra me conhecer, tô ansiosa já.

Ela terminou o café, pegou a máscara, veio na minha direção, beijou meu rosto de um lado e fez carinho com a mão do outro lado. Eu flutuei essa hora, sou um pouco mais alta que ela, deu pra sentir que ela teve que se esticar pra me alcançar, aproveitei a oportunidade pra dar um abraço apertado, o primeiro sem pressa, tinha quase uma sensação de saudade. Me afastei aos poucos e nossos olhares se cruzaram timidamente e eu disse:

- Até já !

E ela colocou a máscara e falou:

Até, se cuida, um cheiro!  

Diário de uma sapatão (Juliette's Fanfiction) [ON HOLD]Onde histórias criam vida. Descubra agora