Noite - O Gole

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Estou indo pra lá agora. A janela aberta do carro faz o vento gelado bater no meu rosto, a umidade da noite e o funk tocando na rádio dão uma sensação nostálgica de quando a gente podia sair pra ir pros bares da cidade sem medo de ficar doente. Márcio, o motorista, super simpático perguntou se eu havia feito o PCR hoje e eu disse que não, então passamos em um lugar no caminho para fazer o teste antes de ir pro destino final. Rapidamente fui atendida e com o resultado negativo voltei pro carro, papeamos o caminho todo, nem percebi quando cheguei.

Desci do carro e senti a ansiedade batendo, minha boca ficou seca. O Márcio me direcionou pra onde ir, a Debra atendeu a porta me deu boas vindas e falou pra eu ir pra piscina, tinha mais 3 pessoas lá que estavam aparentemente trabalhando ainda, mas bem descontraídos com uma cervejinha na mão. Estamos em junho e as músicas são de arraial, as comidas também temáticas pareciam apetitosas, mas eu estava ansiosa demais pra conseguir comer qualquer coisa, ao lado tinham cervejas. Dei um oi geral e me apresentei, peguei uma cerveja e sentei no sofá que não tinha ninguém ainda. Assim que eu sentei ela saiu da casa.

Com um vestido longo e solto, descalça ela abriu um sorriso enorme e me abraçou, o perfume dela parecia preencher todo o ambiente, ela disse:

- Oi meu amor, tudo bem com você? Tá animada?

- Oi Ju! Eu tô sim, e você ?

- Ai mulher, eu tô melhor agora! Acabei de assinar o contrato com a globo e eu vou aproveitar que ainda não tô bêbada pra ja conversar contigo.

Sentamos no sofá um pouco distantes, mas perto o suficiente pra estender a mão na minha direção e alcançar a minha. Comemorei com ela:

-Eita! Parabéns! Todo mundo estava ansioso por isso.

-Brigada!! Eu tô muito feliz porque consegui fechar um acordo muito bom e o documentário contando minha história vai acontecer! Eu tô flutuando, nunca imaginei nada assim acontecendo comigo. Mas olhe, eu não estou lhe contando isso atoa não. Eu queria que você participasse desse projeto também, você topa? Vamos pra globo? haha Eu tô muito enxerida !!

-Vamos COM CERTEZA! Já quero saber tudoo!

-Se acalme! A gente vai conversar disso com mais calma outro dia, hoje você não está aqui pra trabalhar, foque na cerveja! Aliás, vamos trocar isso por um drink né? Te convidei pra tomar drinks.

Eu sorri e falei: "Mas ta tão quente hoje a cerveja tá caindo bem até".

Ela me ignorou, levantou e me puxou pela mão pra acompanhá-la, fomos pra cozinha. Enquanto ela pegava a vodka e o energético perguntei se podíamos fazer com frutas, ela respondeu "com o que você quiser". Peguei uns maracujás e gelo, jogamos tudo no liquidificador e após bater por uns minutos ela nos serviu.

Eu fiquei sem graça, agora dava pra ela ver quanto eu tava sorrindo o tempo todo olhando pra ela, corei ao pensar que ela iria perceber isso em algum momento. Tomei um gole do drink e sacudi a cabeça tentando afastar o pensamento à força, e ela me pergunta:

-Tá ruim? Ave, achei que tinha ficado gostoso.

- Tá uma delícia! Eu só to tentando assimilar a realidade aqui mesmo, não imaginei que isso fosse acontecer nunca. Eu ainda tô tentando entender o que eu tô fazendo aqui. Porque você nas entrevistas deixa tão em evidência seus shipps com homens que pra mim, tinha ficado claro que você é hetero. E assim, eu não sei como você interpretou né, mas se eu recebesse uma carta como a que eu te escrevi, seria óbvio pra mim que a pessoa que escreveu tá cheia de segundas intenções comigo.

Ela sorriu, segurou com os dedos o canudo de alumínio, que certamente, assim como o meu estava congelando os lábios. Tomou um gole do drink, fomos caminhando até a sala onde sentamos no sofá com a música distante ecoando no espaço, então ela começou a falar:

- Então. Você tá acompanhando minha situação né? Tá vendo que eu tô um pouco prejudicada porque eu não fiquei com ninguém desde que eu saí do BBB. Tô dormindo com mainha no quarto do sexo de anitta e ela colocou até um Jesus lá pra ver se minimiza a tensão do lugar kkkk então isso dá uma broxada, durmo tranquila. Mas o restante do dia o corpo pede socorro. O que me leva a: não estou procurando nenhum relacionamento agora, não estou saindo com ninguém ainda, isso aqui é o mais perto de um encontro que eu tive nos últimos tempos, mas eu também não quero me definir/rotular, então eu tô aqui vivendo. Te achei talentosíssima e linda, quando eu te vi deu pra imaginar facilmente sua carta se tornando realidade eu no carnaval já beijei outras meninas, mas eu não sei lidar muito bem com nada disso ainda que está acontecendo porque são muitas coisas, então vamos com calma, o que eu consigo agora é um drink e jogar conversa fora, sem pressão nem expectativas e com um segurança olhando de rabo de olho pra gente de vez em quando. O que me deixa super sem graça,ainda não me acostumei também. Mas é isso, tudo bem pra você?

- Tudo ótimo. Tudo no seu tempo, eu não tô com pressa, nem com expectativas, só deu ta aqui te ouvindo já é um sonho, eu só queria entender mesmo kk

- Exatamente mulher, é isso aí, tenha paciência comigo e um dia de cada vez. Eu não deixaria de fazer nada que eu tiver vontade, mas eu tô lidando com tanta coisa agora que quase não estou parando pra pensar nisso direito, mas eu sinto falta.

- É eu imagino, e um safarinho sempre cai bem. Desde o início da pandemia que não saio com ninguém, é difícil saber em quem confiar em tinder né, eu sou bem paranóica preferi não arriscar. E terminei um relacionamento um mês antes de começar a quarentena, a sensação é que já fazem 82 anos, acho que nem sei beijar mais.

Eu sorri meio sem graça, mas eu sei tudo da vida dela, achei necessário compartilhar essa parte da minha.

- Ai, eu tava com um peguete antes de entrar no programa, mas muita coisa mudou né. Apesar de brincar falando pra mandarem "oi sumida" não consigo me imaginar com nenhum ex. Me sinto a mesma de quando eu entrei lá, minha essência não mudou, mas tudo em volta mudou. E eu só quero dar chance pro que faz meu coração palpitar. Quando eu li o que você escreveu me tocou muito mais que qualquer mensagem que recebi de ex, pareceu genuíno, leve e real. Deu saudade demais de Olinda, senti como se me transportasse.

Ao fundo tocava "O Gole" da academia da berlinda, sem me dar chance de falar ela continuou:

- Inclusive o que ta tocando é de Olinda, bora dançar comigo!

Abandonamos o restinho dos drinks na sala, ela pegou minha mão e me levou pra área externa. A música alta embalava os corpos que dançavam colados no ritmo da cumbia, tirei minha sandália e acompanhei os pés descalços dela, sentindo o chão frio, e as mãos quentes dela nas minhas.

Eu avisei: "Não sei conduzir." Ela respondeu: "Deixe comigo."

Eu tava morrendo de medo de pisar no pé dela mas nossos corpos se mexiam como se já se conhecessem, enquanto a gente se aproximava e se afastava, fazendo o dois pra lá e dois pra cá a mão dela descia pra puxar meu corpo pra mais perto, vez ou outra eu encontrava o olhar dela que me devorava e rapidamente desviava com um sorriso tímido. Era como se a cena do meu sonho se repetisse, mas dessa vez no calor do Rio de Janeiro com o suor da gente se misturando ao som da cumbia, o rosto dela colado no meu, parecia que só existia a gente ali.

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⏰ Última atualização: Jun 14, 2021 ⏰

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Diário de uma sapatão (Juliette's Fanfiction) [ON HOLD]Onde histórias criam vida. Descubra agora