02. Sangue, ossos e almas, parte 2

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Katlin

Desde que tomei consciência sobre o que estava ao meu redor passei a notar muito mais coisas do que as pessoas comuns poderiam sonhar, entre elas, o fato de que há certos tipos de espectros que nem eu quero ter perto de mim, e o sujeito na minha frente é do qual sempre corro, continuamente, já que as vezes, chego a pensar que tive uma experiencia de quase morte que não deu em nada por um ceifador ter esquecido de pegar a minha alma.

Assim, quando um deles se aproxima demais, tudo o que consigo pensar é em correr sem parar, para bem longe, para um local onde não possa me encontrar, pois se estiver procurando pela vida que perdi antes, não quero entregá-la, ainda que não a viva de modo pleno.

Desse modo, decidida a correr de qualquer ser que possa arrancar minha alma para fora do corpo, desvio dele e sigo o meu caminho, mas consigo sentir que a frieza que o acompanha está ali, me perseguindo aonde quer que eu vá, sem dar aberturas para que chegue ao meu ponto de fuga.

O que diabos fiz para que um ceifador fique na minha cola?

Qual erro cometi? Olhei demais a vida dos mortos?

Pisei em um túmulo sem saber?

Não quero arriscar nem mesmo olhar de soslaio para a criatura me perseguindo, pois, uma das muitas experiências que me fizeram ver que deixei de ser uma garota normal, foi assistir a um deles levando embora uma alma que se recusava a passar pelo pós morte logo após seu corpo ter desfalecido.

Eles não são piedosos com almas que ignoram seus chamados, e usam suas armas para acorrentá-las, fazendo com que tenha que segui-los a todo custo. Não sei por que há pessoas que tentam lutar com eles, eu quero somente ignorá-los.

Mas minha fuga não é uma luta contra o que ele tem que fazer? Merda.

Paro-me quando a sombra flutua na minha frente. O cabo do que deve ser a sua arma de captura fica diante de meus olhos, e não quero saber o que há no fim dela, fecho meus olhos, obrigando meu cérebro a formular um plano que possa me levar para longe dele, mas antes que possa, sinto meu coração congelar, quase como se todo o polo norte passasse a residir em meu corpo.

Foi preciso apenas um sussurro, um único movimento de seu braço ao bater com a arma contra o solo para que tivesse a experiência completa do que é ter a sua alma sugada por um ser que carrega consigo o toque da morte.

— Vai continuar me ignorando Katlin? — Estava morta, completamente morta pelo frio congelante, mas o som de sua voz, grossa, gutural, irritada por minha desconsideração, fez com que erguesse meu olhos.

Esquecendo-me inteiramente do fato de que tinha decidido não me arriscar ao enfrentar um ceifador quando pode estar buscando por minha vida. A sensação de calor causada por sua voz me mexeu, como se fosse alguém que conheci, causando um reconhecimento instantâneo em meu corpo, ainda que não tenha noção de onde possa tê-lo visto.

As vestes negras desgastadas exibem somente uma carcaça feita de ossos, que não mostram ter sequer um pingo de carne viva ali a muitos séculos em alguns pontos, mostrando somente o que resta ao se preservar um corpo. Olhando com mais cuidado posso ver a capa negra, uma túnica que recobre todo o seu corpo, deixando a vista seu torso inumano, exibindo os ossos que são recobertos por a pele cinza que restou após a decomposição. Deveria sair correndo ao notar que há um ser esquelético na minha frente, mas o que faço é uma análise pura, verificando que em sua mão, no final do cabo que tinha visto, está uma foice gigantesca, tão afiada que o seu brilho me faz desviar o olhar.

Seus ossos se viram na direção em que olho, voltando-se na minha direção em seguida.

Seu olhar escuro e sinistro de órbitas vazias era assustador e ao mesmo tempo reconhecível por meu cérebro que parece a ponto de pifar devido ao frio correndo por meu corpo.

Entre a morte e a vida - Souls Vol. 1 - RETIRADA 01.06.2022 -Onde histórias criam vida. Descubra agora