CAPÍTULO X

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Pela manhã, a tempestade já tinha passado. Estou deitada de costas ao lado de Jennie. Um afiado raio de sol corta a poeira do ar formando uma piscina de luz branca sobre a forma amontoada de Jennie, que ainda está embrulhada em cobertores.

Levanto-me e vou até a varanda. O sol da primavera pinta a vizinhança de branco e o único som é o de quintais enferrujados chacoalhando com o vento. A dura pergunta continua ecoando em minha mente. Não quero encarar aquilo, mas percebo que isso vai se acabar em breve. Vou devolvê-la à casa de seu pai.  Será que vou conseguir me esquecer dela? Nunca me fiz uma pergunta tão difícil.

Um mês atrás, não tinha nada no mundo de que eu gostasse, sentisse falta ou desejasse. Sabia que poderia perder tudo e não sentir nada, e aproveitava aquela facilidade para ficar tranquila. Mas estou começando a ficar cansada de coisas fáceis.

Quando volto para dentro, Jennie está sentada na beira da cama e parece grogue, ainda meio dormindo.

- Bom dia. — falo para ela.

Jennie grunhe de volta. Tento não ficar olhando para ela enquanto estica e se espreguiça, ajustando a alça do sutiã e soltando um pequeno gritinho. Depois de um tempo em silêncio, Jennie se vira e fala.

- O que vamos comer de café da manhã? Estou morrendo de fome. — Ela diz.

Não sei o que dizer.

- Podemos chegar... ao Estádio... em uma hora. Mas... precisamos de... gasolina.

Ela esfrega os olhos e começa a colocar suas roupas, que ainda estão úmidas. Mais uma vez, tento não ficar olhando. O corpo dela se mexe e balança de um jeito que a carne dos mortos não faz. De repente, seus olhos parecem despertar.

- Merda. Sabe de uma coisa? Preciso ligar para o meu pai.

Ela pega o telefone de fio e fica surpresa ao ouvir que ele tem linha. Imagino que o povo dela teve como uma de suas prioridades o funcionamento das linhas telefônicas. As coisas digitais e por satélite morreram faz tempo, mas as conexões físicas como cabos subterrâneos parecem ser mais duráveis. Jennie disca e espera, tensa. Depois o alívio inunda seu rosto.

- Pai? É a Jennie.

Há uma explosão de exclamações do outro lado da linha e Jennie afasta o telefone do ouvido e olha para mim como quem quer dizer lá vamos nós.

- Sim, pai, estou bem. Viva e intacta. A Jisoo contou o que aconteceu, né? — Mais barulho do outro lado. - Sim, eu sabia que iria me procurar, mas não pude fazer nada. Foi a pequena colmeia do Aeroporto Oran. Eles me colocaram em uma sala com várias pessoas mortas, um tipo de depósito de comida ou algo assim, mas depois de alguns dias... sei lá, acho que esqueceram de mim. Corri lá pra fora, fiz uma ligação direta num carro e fui embora. Estou a caminho, parei apenas pra telefonar. — Ela faz uma pausa e então olha para mim. - Não, hã... não precisa mandar ninguém. Estou no subúrbio, ao sul, quase...  — ela espera. - Não sei, em algum lugar perto da estrada. Mas pai... — ela congela, e sua expressão muda completamente. - Quê? — Ela respira fundo. - Porque resolveu falar da mamãe agora, pai? Não, não fale dela, isso não tem nada a ver com essa história. Já estou a caminho daí, só preciso... Pai! Espera um pouco, tente ouvir o que estou falando. Não mande ninguém, logo, logo eu chego aí, tá bom? Estou de carro e a caminho, só preciso... Pai? — Há um silêncio do outro lado da linha. - Pai? — Ainda silêncio. Ela morde o lábio, olha pro chão e desliga.

Levanto as sobrancelhas, cheia de perguntas que tenho medo de fazer.

Ela massageia as têmporas e solta um suspiro lento.

- Será que pode procurar gasolina sozinha, Lisa? Preciso... pensar um pouco. — Ela não olha pra mim enquanto fala.

Estico a mão e coloco em seu ombro. Ela endurece, depois relaxa e me abraça apertado, mergulhando o rosto em minha camisa.

Minha Namorada é uma ZumbiOnde histórias criam vida. Descubra agora