Estava congelando de frio e medo.
O vento uivava do lado de fora, cantarolando uma melodia desconhecida, sussurrando palavras malignas por entre dos flocos de neve que encobriam todo o bosque.
Na pequena vila em que vivia, dentre a grande extensão de florestas de araucária, em um lugar onde o calor do verão e o frio do inverno domavam qualquer um que não se rendesse a eles, era muito raro nevar. Normalmente, como contavam as lendas da região, era porque algo diferente estava para chegar. Nem bom, nem ruim, especificamente. Apenas diferente.
Tudo o que eu conseguia ver era uma infinda luz branca, que tomava o lugar de todas as outras coisas. Aos poucos o esbranquiçado foi perdendo vida para as formas que foram ficando mais nítidas.
O pavor percorria minhas veias.
Encontrava-me encolhida ao chão, tremendo, abraçando meus ombros para me proteger, mesmo que fosse inútil. O vento gelado penetrava até mesmo minha carne e não havia nada que pudesse fazer. Não me recordava de como havia parado ali; só sabia que aquele frio cortante estava me matando aos poucos.
Fechei os olhos que antes observavam a lua minguante que irradiava o céu escuro. Já desistindo de resistir, repassei as imagens que se costuravam em minha mente, vendo-as como lembranças sórdidas de um pesadelo ruim. Era meu pai esmagado contra uma árvore. Um carro destroçado. Sangue. Lágrimas. Seu último suspiro se dera há um ano. No fundo, sentia que o meu também.
Apertei minha mão no peito, orando para que fosse salva da possível hipotermia, do frio que rasgava alma e corpo. E, como num milagre, a neve repentinamente começou a parar de cair, e o tempo esquentou o suficiente para que pudesse mexer meus membros e me levantar.
Toquei meus dedos no tronco da árvore, sentindo cada traço de sua textura áspera. Pequenos filetes de madeira se quebraram em minhas mãos e deixei-os cair sozinhos, com um misto de angústia e receio sufocando meu peito.
Sentia que havia mais alguém ali.
Comecei a andar com aquela inquietante sensação. Meus cabelos pesados se enroscavam em galhos que estavam onde não deveriam, tropeçava em pedras que apareciam de repente e cheguei à conclusão de que tudo naquele lugar era arquitetado para que eu caísse na armadilha de um deslize e jamais saísse.
Gradativamente, fui compreendendo com mais clareza os acontecimentos e o que eles representavam. Eram as mesmas pedras encobertas de musgo, o mesmo campo florido incandescente, as mesmas colunas brancas ao centro, as mesmas estrelas no mesmo céu à meia-noite. A camada de nuvens se afastava e o horizonte voltava a ser límpido como sempre. Era de se esperar, eu estava sonhando novamente.
Ouvi pequenos galhos se quebrarem com rígidos barulhos que anunciavam os passos nada hesitantes daquele estranho moço, pálido como a morte. Meus olhos se fixavam na figura que se aproximava acanhadamente, vinda de dentro da enorme floresta. A silhueta feita de uma massa de ar quase palpável de um homem foi se formando, até que desvendei quem era — o fantasma de meus sonhos, literalmente. Com seus cabelos escuros cor de bronze e seus olhos castanhos que perfuravam a carne, ele se aproximou friamente. Seus passos eram calculados. Andava como um tigre vai à sua presa; de forma voraz, destemida.
— O que você quer desta vez?
Seu perdido olhar finalmente se encontrou ao meu e, após uma fração de segundos, ele já estava a centímetros de mim. Senti seu hálito cálido roçar minha pele, como se a massageasse e a acariciasse. Como se conhecesse meus pontos fracos, indo acanhadamente em suas direções. Seus dedos procuraram algo em seu bolso e, depois de um segundo, ele tirou de lá a rosa. Não uma rosa qualquer, era a mesma de sempre. Ela era praticamente hipnotizante de tanto brilho que irradiava.
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ULTRAVIOLETA | A Monarquia das Rosas
Fiksi RemajaAlgo está errado em Noary. O mundo entrou em guerra - fugitivos imigrantes se alojaram nesta melancólica cidadela às margens da floresta para se refugiarem. Valerie é um deles. Todavia, a garota nunca imaginaria que, logo após a morte misteriosa de...