Capítulo 1

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Kate Sharma, bonita, inteligente e rica, achava bem conveniente que estivesse chegando em Nova York ao som de Welcome to New York, da Taylor Swift. Cantarolando a letra da música, ela dirigiu o resto do caminho pensando na notícia que recebera há apenas dois dias, quando ainda estava em Rhode Island, onde tinha como objetivo concluir uma lista simples de afazeres:

1) Não pensar em ballet (!!)
2) Dormir muito
3) Descansar em uma cadeira de praia e beber coquetéis
4) Assistir ao pôr do sol e comer panquecas com chantilly, morangos e mirtilo
5) Ver se o Ben Barnes está solteiro (???)

Dessa vez sua lista teria que esperar. Sendo honesta consigo mesma, essas semanas teriam sido o próprio paraíso, se não fosse por sua habilidade de auto sabotagem nos momentos mais inconvenientes. Toda vez que tentava riscar um dos tópicos de sua lista, ocorria uma interferência interna que acabava fazendo-a pensar em trabalho.

Chamar aquele lugar de casa de praia era um eufemismo que chegava a ser ofensivo. A mansão pertencia a Rafael Villanueva, noivo de Mary Sharma, sua madrasta. Eles estavam juntos há pelo menos três anos e meio, e Kate nunca vira um homem tão incondicionalmente apaixonado. Ele era herdeiro de um petroleiro muito famoso durante a década de 70, mas optou pela carreira de neurocirurgia, utilizando a herança em ações filantrópicas e em investimentos na bolsa de valores – não era à toa que ele e Edwina tinham se dado tão bem.

Ela o achava um bom partido, embora seu sentimento de proteção em relação a Mary, às vezes, falasse mais alto. Suas pequenas férias também tinham como prioridade passar mais tempo com ela, visto que a temporada de performances ocupou boa parte de sua vida durante os últimos dois meses: foram oito semanas de apresentação seguidas e oito apresentações por semana, totalizando 64 shows. Nada de programações aventureiras, os três passaram os dias comendo samosas, vada pav, e claro, gulab jamun, um dos doces preferidos de Kate e Edwina. Queria desfrutar mais os pequenos momentos familiares, porém sua mente continuava pairando sobre o que faria em seguida, sobre a próxima temporada e sobre as críticas positivas que recebeu. Seria isso o suficiente, seria esse tipo de reconhecimento pelo qual ela sempre lutou? Um jornalista publicou que sua variação Kitri em Dom Quixote fora "uma das mais surpreendentes da década" e "seria difícil outra bailarina superar Kate Sharma nos palcos."

Ainda assim, ela sentia que algo estava fora do lugar.

Ela observava Mary tão serena e em paz, uma renomada escritora, vencedora de um Pulitzer, talvez a principal fonte da qual ela moldou e consolidou seu espírito ambicioso e irrefreável, questionando-se se um dia seria assim. Kate lhe perguntou qual era o segredo para ter uma relação saudável com o sucesso e ela respondeu "Bem, minha paixão pela escrita me trouxe todo o prestígio e estabilidade que um dia eu sonhei, mas minha felicidade nunca dependeu apenas disso. Eu tive um casamento que foi meu porto seguro e que me deu duas filhas maravilhosas. Fiz amigos e tinha a minha família...agora tenho Rafael, que é um colírio para os olhos" ela disse rindo e continuou " Kate, de verdade, até ser feliz exige um determinado esforço. Você vai vivenciar frustrações e momentos difíceis, como já aconteceu. Porém, nem toda essa carga precisa ser internalizada ou carregada sozinha. Apenas... olhe onde você chegou e aproveite a vida, bityaa raanii." (Filha preciosa)

Kate lembra-se do olhar mortal que Mary lhe deu após compará-la a uma coach motivacional, mas ambas acabaram em risadas, afinal de contas, pois sabiam que aquilo estava longe de ser verdade. Naquela mesma tarde, enquanto os conselhos ainda estavam frescos em seus pensamentos, seu telefone tocou. Foi então que ela quase se estatelou num arbusto, pois seu equilíbrio e seus pés lhe traíram no momento em que recebeu a notícia que ela foi escalada para interpretar Odette e Odile, de Lago dos Cisnes, no Teatro Mariinsky em São Petersburgo, em homenagem ao 180° aniversário de Tchaikovsky. Seu coração se encheu da mais pura alegria enquanto saltitava pelo jardim. De repente, tudo ali ficou mais lindo do que já era e o mundo, como diria sua amiga Sophie, parecia com a visão de um irmão Hemsworth sem camisa, ou seja, perfeito.

Após comemorar a notícia com o casal apaixonado, ela decidiu retornar para Nova York antes do previsto, com um pequeno detalhe: esquecera de avisar sua irmã mais nova. Kate parou para abastecer o carro e lhe mandou uma mensagem de última hora, revirando os olhos com a implicância dela.

Ao chegar no loft residencial situado no suntuoso bairro Tribeca, Kate respirou de forma demorada aquele ar poluído de cidade grande e pensou nessa nova trilha sonora que sua vida iria ter e como dançaria ao som dessa batida. O salário de bailarina clássica permitia-lhe certo estilo vida bem abastado, no entanto, era Edwina a responsável pelo luxo do qual as irmãs Sharma desfrutavam. Ela não era apenas rica — era escandalosamente rica. E o que tinha de dinheiro, tinha de "energia de irmã mais nova caótica".

— Conta a novidade — exigiu Edwina assim que ela colocou os pés no apartamento.

Newton, o cachorro delas, foi correndo até Kate, saltando, latindo e lambendo a dona. O rabinho curto balançava agitadamente na bunda redonda e fofa do corgi.

— Boa tarde, minha doce e gentil irmã. Como foram seus últimos meses, como anda a vida? Sim, eu fiz uma ótima viagem de volta. Pelo menos você sente minha falta, Newton — Kate colocou sua única mala no chão, pegou o corgi no colo e foi até a cozinha preparar algo para comer. — Então, esse Joe Estagiário já foi embora ou tenho que tomar cuidado para não encontrar um nerd magricelo e pelado no meu banheiro?

— Primeiro de tudo, ele é muito gostoso. Segundo, ele já foi embora, pude usar a desculpa que você odiava ele e nunca ia dar certo.

— Edwina?! — Kate arregalou os olhos e derrubou um pouco do creme de ricota no balcão.

— O quê? Não é nem novidade que você põe medo em todos os meus namorados. E não vamos desviar do assunto...

— Eu posso até reprovar alguns caras com quem você sai — ponderou — mas não sou eu quem enjoa deles no segundo mês de namoro. Aliás, sabia que eu fui escolhida para o papel principal em O Lago dos Cisnes?

— Olha só... — Ela estava prestes a rebater quando sua ficha caiu no mesmo segundo. — Sério? — Ela sorriu de orelha a orelha e atravessou a cozinha. — Você conseguiu?! Não acredito que você não me contou antes!

Quando Kate afirmou balançando a cabeça, as duas se abraçaram e comemoram com gritinhos de felicidade, acompanhadas pelos pulos de Newton, que estava tão feliz quanto elas, mesmo sem saber o motivo da comemoração. A relação de irmãs vinha acompanhada por um laço de amizade forte tanto pelas coisas que tinham em comum, quanto pelas coisas completamente opostas. Kate sempre considerou a irmã uma espécie de gênio incompreendido, do tipo que acabava afastando as pessoas não intencionalmente de sua vida por não conseguirem acompanhar seu ritmo frenético. No entanto, após concluir o doutorado em economia pelo MIT, Edwina começou a compartilhar a rotina dela e seus interesses por maquiagem e cuidados estéticos no Instagram — em menos de um ano ela já contava com milhares de seguidores em suas redes sociais. Ela também foi uma precursora do movimento #DesiGirls, que apoiou inúmeras garotas deshis criadoras de conteúdo digital.

Apesar de toda essa fama, Edwina era para Kate uma sonhadora e uma pessoa extremamente gentil.

— Quando e onde vai ser?

— 7 de Maio, em São Petersburgo — disse Kate com um sorriso orgulhoso.

— Cacete...precisamos contar para Sophie, cara, ela vai surtar! Espera, a gente pode ir né? Preciso conhecer a Rússia, ah, a coleção de inverno da Burberry está magnífica e eu vou poder usar minhas peças queridinhas...minhas seguidoras vão ficar encantadas.

— Lógico que vocês vão. A Sophie vai vir aqui essa noite, certo?

— Claro, hoje é a noite do seriado, ela não perde por nada.

— A Sophie não perde nada — disse Kate, se soltando de Edwina para finalizar seu sanduíche — nunca vi alguém com tanta disposição para eventos sociais ou qualquer coisa desse tipo.

— Eu só estou pensando no tanto que ela vai ficar puta quando descobrir que foi a última a saber — Edwina riu.

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