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21.02.2021. Busan, coréia do sul. Ji Changmin.

Ji Changmin odiava verão. Odiava a luz forte do entardecer manchando as cortinas de laranja escuro. Odiava o sol absurdamente forte que insistia em se por na linha do horizonte. Odiava o cheiro de café e suor que grudavam em suas roupas. Odiava o ar abafado que atrapalhava sua respiração. Odiava tudo o que envolvia aquela estação ridícula entre aquele emprego meia-boca que tinha.

Aos 23 anos de idade, Ji Changmin era obrigado a se contentar com a vida medíocre de um jovem no interior da Coréia do Sul. Com a faculdade de engenharia trancada e os pais praticamente divorciados morando em Seul, ele simplesmente havia desistido de pedir ajuda. Não fazia diferença, aliás, nada pararia de ser medíocre pois a insatisfação vivia dentro de si, e não a sua volta.

Revirando os olhos quando mais um sopro quente do vento atravessou as janelas, Changmin não deixou de se surpreender quando a porta do salão de beleza velho foi aberta. Um homem de meia-idade que ao menos se deu ao trabalho de cumprimentá-lo, sentou-se na única cadeira que havia no cômodo parcialmente vazio e cruzou as pernas, fazendo com que Changmin ouvisse apenas o som da sua respiração pesada.

Ele revirou os olhos mais uma vez. Odiava aquele cara tanto quanto odiava o verão.

— Boa tarde, ahjussi – disse irônico, controlando o deboche na própria voz — Como vai?

— Sem falação, criança. Apenas faça seu trabalho.

Changmin riu e num pensamento um pouco mais assustador desejou poder enforcar o velho naquela mesma cadeira.

Mas qual a diferença? A vida de Changmin por si só já era assustadora.

Controlando a raiva iminente que o homem lhe casou, Ji apenas respirou fundo e fez seu trabalho. Cortando com cuidado o cabelo do outro, assistindo os fios brancos cairem no piso e misturarem-se pouco a pouco.

— Pronto – declarou, deixando a única tesoura que tinha em cima da mesa amadeirada – Terminei.

— Você fica pior nisso a cada dia que passa.

Revirando os olhos, Changmin entendeu a palma da mão — São 5 wons.

Entretanto, o velho riu, rouco e abafado daquele mesmo jeito que Changmin odiava.

Sim, ele odiava muitas coisas. Talvez mais do que devesse.

— Você está me devendo 5 mil wons e têm coragem de cobrar essa droga de corte de cabelo? — o homem exclamou.

— Eu preciso do dinheiro, ahjussi! Esses 20 dólares vão me dar a única refeição do dia!

— Isso não é problema meu, moleque! Você comprou coisas da minha loja a meses e não me pagou ao menos 10% do que me deve! – agora ele gritava, batendo a palma das mãos grandes contra a mesa — Esse é meu último aviso, Ji Changmin!

O garoto mais novo sem querer riu, sem humor algum — E o que você vai fazer? Me bater? Eu já disse que não tenho dinheiro nenhum!

— Seu moleque mal educado! – ele gritou novamente, empurrando com força os ombros de Changmin. Ele tropeçou para trás, batendo as costas contra a mesa — Eu sei que tem dinheiro aqui em algum lugar! Vamos logo, me dê o que tem, Changmin. Eu não vou pedir de novo.

— Porra, eu já disse que não tenho nada! – gritou, exasperado. Changmin começou a ficar nervoso com o jeito que o homem lhe olhava, como se realmente pudesse mata-lo por causa do dinheiro.

— Foi você quem pediu por isso.

Num ato um tanto quanto rápido, o homem mais velho empurrou Changmin para longe da mesa, abrindo as gavetas e jogando tudo o que encontrava pela frente para o chão. O garoto, de uma hora para a outra, viu todo o pouco que tinha ser quebrado contra o piso manchado do salão de beleza velho. O homem mais velho transbordava raiva enquanto Ji mal conseguia enxergar pelas lágrimas que de repente tomavam seus olhos.

— Ahjussi! Pare! — Changmin gritou, tentando sem sucesso puxar o homem para longe das gavetas. Ele se amaldiçoou de repente por ser tão magro — Por favor, pare! Eu já disse que não tenho dinheiro!

O homem gritou de volta, empurrando o mais novo novamente. Suas costas bateram na parede e ele soluçou, sem nem perceber que estava chorando. De repente, o corpo de Changmin travou. O homem mais velho respirava forte enquanto seus dedos alcançavam o estilete no bolso de sua calça.

Porra, eu vou morrer.

— Me dê o dinheiro, Changmin – ele disse, se aproximando enquanto apontava o estilete diretamente para o pescoço de Ji — É a última vez que vou falar, me entregue a porra do dinheiro!

— Ahjussi, pelo amor de deus — ele tremeu — Eu realmente não tenho dinheiro nenhum. Eu juro — a cada palavra o homem se aproximava mais e consequentemente Changmin se afastava, andando lentamente para trás — Me dê uma semana! Por favor, mais uma semana e eu prometo te pagar tudo o que eu devo.

Mais um passo e agora, as costas do mais novo novamente encontraram a mesa, suas mãos se apoiando contra ela para conseguir continuar em pé, tremendo contra a madeira abaixo de seus dedos. Mas então, Changmin sentiu algo gelado contra a palma da mão, enquanto o homem mais velho finalmente o deixava sem saída.

Mas a tesoura estava bem nas mãos de Changmin.

— Eu não sou idiota, moleque — ele rangiu. Changmin apertou com mais força a tesoura entre os dedos — Você tá' fodido.

Os olhos de Changmin se arregalaram quando o homem atacou-lhe com o estilete num movimento que passou embaçado por seus olhos. Changmin desviou rápido, jogando a cabeça para o laço enquanto sentia o canto da lâmina deslizar por sua bochecha. Seu coração parou. Ele não sentia mais nada. Não enxergava mais nada.

Tão rápido quanto o mais velho foi, antes mesmo dele poder pensar em atacar mais uma vez, Changmin fechou os olhos e apertou a tesoura mais forte antes de a pressionar contra a pele do homem.

Com os olhos ainda fechados, ele ouviu um grito agudo, resmungos engasgados e um som abafado caindo contra o piso. Ele ficou na mesma posição, parado do mesmo jeito até que ele finalmente sentiu seu coração voltar a bater e o sangue correr novamente por suas veias. O corte em seu rosto pingava sangue, e ele finalmente começou sentir a ardência em sua bochecha.

Mas então ele abriu os olhos, e tudo perdeu o sentido novamente.

O homem mais velho estava jogado no chão, as mãos contra o próprio o pescoço com o sangue vermelho escuro decorando o piso em volta de seu corpo.

Changmin gritou, perdendo o equilíbrio e caindo no chão, o sangue escuro agora manchando suas próprias roupas. Ele escorregou enquanto pegava qualquer pano que via pela frente para tentar limpar todo aquele vermelho ofuscante que cercava os dois corpos ali. Um já sem vida.

Assustado e anestesiado, finalmente se dando conta do que havia feito. Changmin se ajoelhou desesperadamente no chão, abraçando o próprio corpo enquanto o cheiro forte de sangue transbordava por todos cantos.

Sua vida sempre havia sido assustadora, mas não daquela maneira.

Porra. Changmin pensou. Eu tô' fodido.

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