Prólogo

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Ela esperou escutar o barulho do impacto da mochila no chão antes de deslizar pelo os lençóis que amarrou, por sorte ninguém tinha ouvido. Nessa hora o castelo estava em um longo sono da madrugada. O seu quarto era um dos mais afastados da ala real, daria exatamente para os jardins. Quando mais nova, passara as tardes na varanda junto a sua mãe, em um longo e divertido chá de princesas. Todavia, isto já passara-se. Agora, ela era simplesmente um pequeno lírio em mares de rosas. Apenas um objeto para atrair pretendentes.

Assim que seus pés tocaram a grama, em segundos, sua mochila já estava nas costas. Em contrapartida, aquela corda de seda veio ao chão. Seria difícil carregar aquilo tudo, se fosse deslizando alguém poderia acabar vendo. Provavelmente achariam que era uma cobra branca gigante, assim ela deveria apressar os passos.

Os muros que rodeavam o castelo eram grandes, precisaria de muita sorte para conseguir jogar suas cúmplices de fuga do outro lado. Mas a Sorte nunca foi sua aliada. O brilho da lua estava forte, pudera ver perfeitamente cada centímetro da figueira ao seu lado.

— Quais são as chances de machucar-me? — Sussurrou para si mesma. Poderia voltar para dentro e deitar na sua cama novamente. Fingir que nada ocorrera, que não colocou sua vida em risco, e sonhar tranquilamente em um mundo aonde seria completamente provida de livre-arbítrio. Todavia também significaria voltar para aquela maldita rotina com tiaras, vestidos e encontros a cegas. Não poderia dar-se o luxo de ignorar tudo, nem que precisasse esfolar-se toda nos galhos de tal figueira, afiados como navalhas.

Os galhos arranhavam suas pernas expostas pelo short que utilizava. Quando chegou no galho mais alto, cada osso seu gritava de dor. Parecia que tinha acabado de sair de seu primeiro treino de defesa. A luz da lua refletia seus olhos castanhos marejados, e seus cabelos ondulados estavam úmidos. Talvez pelo o suor ou sereno do fim de verão. Era uma visão que até o mais ganancioso pagaria para vislumbrar.
Com um impulso, jogou a corda de seda pelo o muro, repetindo a mesma coisa quando pulou pela janela. Primeiro a mochila e depois seu corpo. Mas mesmo quando escutou o impacto no outro lado, ela não pulou. Ouviu sussurros roucos embaixo dela. Guardas fazendo sua ronda.

— É melhor atacar, e depois defender. Assim vai deixar o inimigo despreparado – disse o guarda da direita.

— Eu acho melhor ao contrário. Por motivos lógicos – retrucou o outro.

O coração da morena nunca tinha batido tão rápido como agora. Se olhassem para cima por reflexo, o que iriam fazer? A jovem princesa sobre o galho de uma figueira tomando o sereno da madrugada não seria uma bela lembrança, já que eles estavam respondendo pela a segurança da própria.
Um silêncio tortuoso suspendeu-se no ar. Um movimento errado, seu plano iria para o ralo. Mas talvez a Sorte tivesse virado para seu lado hoje. Alguma divindade romana ficou com pena dela, seria o mais lógico. Quando os jovens guardas viraram no outro lado do jardim, um suspiro angustiado saiu da sua garganta.

Virou seu rosto para o castelo. Um último olhar para aquelas antigas paredes de mármore que a protegia desde que nasceu. Várias memórias voltavam em sua mente, fazendo tal ato de egoísmo ser de partir seu pequeno coração. Mas ignorou, já que nada faria ela voltar para aquele Inferno novamente. O chão duro veio de encontro ao seu corpo em questão de segundos. Sua visão embaçou, pontos escuros tomou conta dela. Um gemido rouco escapou do fundo do seu peito ao se levantar. De dentro da mochila, puxou um isqueiro. A chama esquentando seu rosto. Tão perto, tão letal. Poderia simplesmente jogar contra si mesma, mas não. Sentia que teria um futuro bom pela frente, sem todos os paparicos irritantes da realeza. Sentia que tudo aquilo valeria o esforço.

Ela não só sabia que assim que colocou fogo nos lençóis estava começando uma guerra. Ela só não sabia que quando começou a correr para longe até a divisa do país, ela estava deixando um povo necessitado. Ela não sabia que o grito desesperado de sua mãe ao entrar em seu quarto marcaria aquela família. Ela não sabia que seus irmãos pagariam por aquilo. Ela não sabia que havia forjado sua própria morte.
A única coisa que ela sabia era que, a cada passo que dava ficava mais distante daquele pesadelo, que a cada passo ela deixava de ser a princesa caçula, que a cada passo uma nova Isabella Marinni estava nascendo.
Uma nova menina. Uma nova guerra. Uma nova família. Uma nova vida.

After the warOnde histórias criam vida. Descubra agora