Helena não queria estar ali, mas os três amigos a obrigaram. Gabriele a maquiou, Felipe escolheu sua roupa e Samanta arrumou o seu cabelo. É certo que eles perderiam a saída do trio da Pabllo, mas ainda assim fizeram questão de deixá-la linda e coberta de purpurina.
- Se não melhorar essa cara, eu dou uma de lesbofóbica aqui e faço um homem te beijar. - Gabriele repetia a cada dez minutos, enquanto cumprimentava quase todo mundo da parada.
- Olha só! Eu prometo a vocês que encontro todo mundo no final do circuito, mas realmente não estou no clima.
Eles se entreolharam e reviraram os olhos. Helena estava irredutível, e a levar para acompanhar o trio seria como arrastar um cadáver, eles perceberam.
- Ok, nos encontramos no meio do caminho. - Samanta teve a ideia. - Se até lá você não se animar, então nos encontramos novamente no final.
- Isso! - Felipe concordou. - Nem nós, nem você, e todo mundo ganha.
Helena concordou só para que eles a deixassem em paz.
- Largo das Perdidas, no Bar do Oscar.
Gabi gargalhou.
- Sapatão mais óbvia do que você está para nascer. - ela deu as costas e gritou. - Aperte o passo para chegar antes da gente. Não quero perder mais nenhum grito da diva!
Helena se despediu e caminhou rápido pelas ruas paralelas ao circuito oficial, desviando de um ou outro conhecido. Clara havia mexido com a sua cabeça, e as coisas acabaram fugindo do controle. Além de se culpar por, teoricamente, ter forçado a barra, ainda precisava lidar com a vontade louca de ligar, de insistir, de ir atrás... Mas precisava respeitar o espaço de Clara.
- Mas já faz um mês, Clara! UM MÊS! - gritou, sozinha, assustando pessoas próximas.
Quando chegou ao bar, Oscar recepcionava os clientes com uma chuva de purpurina, usando a sua tradicional fantasia de Barbie Fairytopia. Depois do último encontro com Clara, ir ao Oscar passou a ser uma pequena tortura, e ao mesmo tempo, uma fonte de esperança. Fora lá o último encontro com a mulher que enturvou os seus pensamentos.
- Olha quem chegooooou! - Oscar deu um grito quando ela ainda estava no meio da rua. - Achei que você iria ver a Pabllo com as outras letras.
Helena revirou os olhos e riu. Samanta era supersticiosa, e todo ano insistia para os quatro irem juntos, e, também, para que arranjássemos com urgência representantes das outras letras da sigla, antes que "algo de ruim aconteça". O que seria esse "algo ruim", ninguém sabia.
- Consegui convencer a Samanta de que nenhuma tragédia vai acontecer só porque o L não estará n avenida. - ela deu de ombros. - Mas só em partes. Já, já eles estão aí.
- Huuum, e esse desânimo tem um nome, não tem? - Oscar sorria. - Um nome e um rostinho lindo, lindo, que não para de olhar para a porta do bar desde quando chegou, há meia hora.
Helena congelou ainda na calçada. Clara estava lá dentro? Se sim, estava esperando por alguém, que não era ela. Helena olhou em volta, observando todas aquelas pessoas felizes e comemorando a sua liberdade de ser, pelo menos em um dia de suas vidas. Pensou em como Clara se sentia no meio disso, tentando entender e aceitar sentimentos e desejos que ela não conhecia.
Helena não iria fugir, não era mulher disso. Sempre foi a que tomou a atitude, nunca teve medo de nada. Ainda que Clara a tivesse feito questionar todas as suas certezas, não iria desfazer os seus planos, nem se perder dos seus amigos. O Oscar era um lugar seguro, conhecia todos os funcionários e frequentadores. Para não constranger Clara em seu encontro, era só entrar pela lateral e ficar nas mesas de cima. Duas cervejas mais tarde, já teria esquecido da presença dela.
- Vou pela lateral então. - Foi taxativa com Oscar. - Isso não é a novela das nove, Fairytopia.
O dono do bar assentiu, rindo, jogou um pouco de purpurina em seu cabelo, e a deu passagem. A entrada da lateral era próxima a passagem do banheiro, e ainda que aquilo não fosse novela das nove, poderia tranquilamente ser mais um capítulo do folhetim das sete.
- Eu sabia que você viria. - Clara sussurrou quando Helena passou sem perceber que ela saía do banheiro.
Todos os pelos do corpo de Helena se arrepiaram ao ouvir aquela voz, ao sentir aquele sorriso, mesmo sem tê-lo visto ainda. Se virou lentamente, pensando em como não adianta brigar contra as coisas que precisam acontecer. Encontrou o olhar de Clara, que realmente sorria, meio tímida, talvez um pouco insegura.
- Desculpe não ter ligado. - ela murmurou, e mesmo em meio a tanto barulho de gente sendo feliz, Helena conseguiu ouvi-la perfeitamente. - Eu pensei tanto nesse último mês...
- É, você teve bastante tempo. - não queria que aquelas palavras soassem amarguradas. Mas as coisas são o que são, não é? Clara assentiu.
- Posso te pagar uma cerveja? Assim a gente conversa e...
- No meio da Parada? Duvido que a gente consiga, Clara.
- Então a gente pode sair daqui e...
- Clara, olha só, eu...
- Helena, é o seguinte: - Clara estava gritando. - Eu estava confusa e com muito medo. Nunca me interesse por mulher nenhuma nesses meus quase trinta anos de vida, até você aparecer. Como é que você quer que eu lide com isso de uma maneira tranquila?!
Helena olhou em volta, meio envergonhada, mas deixou escapar um pequeno sorriso.
- Não vamos conversar sobre isso aqui, tá bem? Aqui a gente bebe, fala besteira, é feliz.
- Isso mesmo! - Oscar gritou sacudindo o seu saquinho de purpurina em cima das duas. - O Bar do Oscar não é lugar de conversas sérias. É lugar de beijo na boca e muuuuita felicidade.
Clara riu e apontou a mesa onde estava sentada. Elas se sentaram, um dos garçons chegou com uma cerveja da casa e bolinhos de bacalhau, os preferidos de Helena.
- Ok, não vamos conversar aqui. - Clara falou de boca cheia. - Mas uma coisa eu preciso lhe dizer de imediato. - Helena a ouvia atentamente. - Eu não costumo me arrepender das coisas que faço, mas sempre me arrependo das que eu não faço.
Helena riu.
- Eu não parei de pensar em você nem por um minuto desde o dia que nos conhecemos, Helena. E ainda que eu tenha medo, ou esteja confusa, eu sei muito bem o que isso quer dizer.
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CONTOS DA PARADA
Short StoryQuatro amigos estão a caminho da Parada LGBTQIA+, e prontos para viver grandes histórias.