ENCONTROS CASUAIS

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 "Amor, eu te avisei para não ficar me esperando..."

- Eita que esse viado tá a coisa mais linda do mundoooo! - Felipe estava em êxtase. Não poderia estar mais feliz do que ali, na Parada, na companhia das suas melhores amigas e curtindo a sua ídola. - Sério, gente, eu tô feliz demais! A Helena tinha que estar aqui!

- Ela está bem, o Oscar é praticamente dela! - Gabi ria. - Queria logo encontrar o Thor, sabia? Ele não deu as caras.

- Relaxa, Gabi. Já já ele aparece!

Muita música, cores, purpurina, pegação e felicidade. Nada parecia poder estragar o dia deles, até que...

- Ah não, gente, puta que me pariu! - Felipe estava pálido. Samanta e Gabi ficaram atentas. - Lembra daquele garoto que eu vivia falando para vocês, que era um homofóbico escroto no ensino médio?

- Não vai me dizer que ele está aqui! - Gabriele começou a olhar em volta, desesperada.

- Não, mas o irmão dele está. Eu achei que nunca mais o veria. Pronto, perdi a minha paz!

- Nem pensar! - Samanta o estava puxando para o outro lado do trio. - Nada vai estragar o seu dia, baby. Nada!

Eles atravessaram a multidão, e Felipe acreditou que se livrara dessa sombra do passado. Mas não demorou muito para entender que aquele encontro tinha que acontecer.

- Felipe?! - ouviu seu nome ser chamado em meio ao coro de "Amor de Que". - Eu não acredito!

Hugo surgiu atrás deles, lindo, esplendoroso em uma sunga metálica e muita purpurina.

- Oi! - Felipe estava sem graça.

- Gente! - Hugo puxou Felipe pelo braço e se virou para o grupo que o acompanhava. - Esse foi o primeiro cara que eu beijei na vidaaaaa! Tá vendo que eu tenho bom gosto?

Todos riram, menos Felipe. Não ia fazer aquele papel de ridículo mais uma vez.

- É, por causa disso, eu fui parar no hospital.

Todos pararam de rir, e Hugo olhou para ele, assustado.

- Como assim?!

Ele iria mesmo fingir que não sabia? Felipe simplesmente revirou os olhos e lhe deu as costas, se reaproximando das amigas.

- Não, espera, você vai me explicar isso!

- Hugo, pelo amooor da Deusa da Purpurina! Isso já fazem mais de dez anos, não precisamos falar sobre isso. Nem se dê ao trabalho de fingir.

- Fingir?! Felipe, eu não sei de nada! Eu não sei do que você tá falando. - ele parecia desesperado. - Inclusive até hoje eu não entendo porque você sumiu daquela maneira e nunca mais atendeu as minhas ligações.

Felipe olhou para Samanta e Gabriele, que mantinham os olhares atentos na discussão, prontas para defendê-lo de qualquer perigo.

- O seu irmão viu a gente se beijando, me esperou na esquina da escola e me deu uma surra. Fiquei quatro dias internado e a minha mãe me mudou de escola.

Hugo ficou verde, parecia que iria vomitar a qualquer momento. Então ele realmente não sabia? Felipe quis chorar. Passou anos ruminando uma raiva e uma decepção completamente desnecessárias. Conseguiu até lidar com o trauma deixado pela surra com terapia e hipnose, mas o medo de se apaixonar novamente o acompanhava diariamente, o bloqueando de qualquer envolvimento mais sério. Eles tinham dezesseis anos na época do beijo, estavam perdidamente apaixonados um pelo outro. Ou pelo menos Felipe achava que Hugo estava. Até a surra. Até Hugo nem procurá-lo.

- Você tentou falar comigo?! - Felipe quis saber.

- Inúmeras vezes! Liguei para o seu celular, para a sua casa... Até na sua casa eu fui! Mas uma moça me atendeu e disse que vocês tinham se mudado. Nem na escola me deram alguma satisfação.

Felipe não poderia chorar ali, de jeito nenhum. Aquela conversa poderia caminhar para um lado ruim, e ele não queria estragar (mais!) aquele momento tão especial.

- Olha, Lipe. - Hugo não se importou em disfarçar as lágrimas. Os seus amigos também. Todos choravam, o que fez Felipe querer rir. - O Heitor está preso, aquele ali nunca prestou. Ele também me surrou inúmeras vezes. Mas eu nunca poderia imaginar que ele poderia ter feito isso com você, nunca, eu juro! Por favor, acredite em mim!

Felipe o encarou, e por uma fração de segundos, sentiu novamente o gosto do seu beijo. Sacudiu a cabeça de leve e então pegou o seu celular e abriu no discador, entregando-o a Hugo.

- Salva o seu número. - pediu. - Essa conversa está mexendo em lugares muito difíceis, e acho que aqui ninguém quer estragar o show da Pabllo, né?

Os amigos assentiram enxugando as lágrimas.

- Por favor, promete que vai me ligar?

- Se até amanhã a noite eu não fizer isso, é porque não vai acontecer. - Felipe foi firme, mas seu coração estava completamente descompassado. - Não precisa ficar esperando.

Hugo assentiu, contrariado, acenou para Samanta e Gabriele, e se afastou, olhando ainda mais umas duas vezes na direção de Felipe.

- Meu Deus do céu, Lipe! - Gabriele estava vermelha. - Ele nunca te abandonou!

- Você precisa ligar para o seu terapeuta agora! Falar que tudo foi uma mentira, uma ilusão. Que o grande amor da sua vida nunca te abandonou e... - Samanta começou a divagar sobre a linda história de amor que estava por vir, mas Felipe parou de ouvir.

Ele encostou em um isopor e pediu ao vendedor ambulante três cervejas. Distribuiu as bebidas entre as amigas, enquanto Samanta ainda divagava. Ele não ouvia mais o barulho da multidão, a Pabllo cantando, os delírios da Samanta ou sequer os resmungos da Gabi. Seus pensamentos bloquearam tudo. Passou anos de sua vida remoendo um abanono que nunca existiu, pensando em uma decepção amorosa que não precisava ter acontecido. Mais uma vez percebeu o quanto a homofobia havia destruído uma parte da sua vida. Não queria entrar naquela bad no meio da Parada, mas era praticamente inevitável. Como não pensar em tudo que perdeu por causa da homofobia, diante daquela descoberta? Diante desse encontro tão providencialmente casual.

- Já agradeceu a RuPaul pelo encontro, beloved? - Samanta ria. - Eu disse que poderia ser hoje.

- Samanta, pela honra e glória dos LGBTQIA+, não força! Vamos voltar, já perdi demais desse show.

Mas Samanta não estava mentindo. Ela havia levantado a possibilidade. E com uma mania muito peculiar de pressentir as coisas, Sam talvez tivesse visto algo ali além do que pôde ser visto a olho nu.

- Talvez, meu querido amigo, eu tenha visto uma luz no fim do túnel para você. - ela sorria. - Uma luz beeem colorida, brilhante e purpurinada.

Felipe sorriu, achando que, por enquanto, estava tudo bem seguir essa luz.  

CONTOS DA PARADAOnde histórias criam vida. Descubra agora