Felipe ainda não tinha se recuperado do encontro tão inesperado, e a parada no Bar do Oscar seria providencial. Quando se aproximaram da porta, antes de vê-la, ouviram a gargalhada de Helena. Ao olhar para dentro, viram que estava acompanhada de uma garota muito bonita. Oscar, em sua fantasia esplendorosa, se aproximou do trio, fazendo chover purpurina.
- Seria maneiro se vocês não atrapalhassem. - ele cantarolou. - E sim, esta é a famosa Clara. Bonita, não?
- Elas já se beijaram? - Samanta quis saber.
Oscar gargalhou, afagando o rosto dela.
- O seu apetite por enredos românticos me compadece, mas não, elas não se beijaram. E duvido que façam isso enquanto estiverem aqui. - ele revirou os olhos. - Apesar da descontração, Helena está irredutível.
A observação da vida alheia foi interrompida por gritos estridentes e fervorosos, que no meio do caos, pareceram familiares aos ouvidos de Samanta. Seu corpo congelou, seu coração acelerou a ponto de lhe causar falta de ar, e sua boca secou. Não conseguia explicar como, mas ela sabia o que encontraria quando se virasse.
- Puta que pariu, crentes?! - Gabriele estava incrédula. - Eles vão apanhar aqui!
Samanta não quis se virar para ver. A horda de evangélicos se aproximava deles, para acessar a avenida principal. Quanto mais eles se aproximavam, mais ela reconhecia a voz que puxava os gritos preconceituosos.
- Chegamos a Sodoma e Gomorra, e com a fé que Deus nos deu, meus irmãos, os que aqui estão irão arder no fogo do Inferno.
Samanta engoliu em seco.
- Samanta, você está bem? - Felipe quis saber.
Ela não respondeu. Apenas abraçou o próprio corpo e pediu para entrar, mas não foi ouvida. Os gritos ficavam cada vez mais altos, cada vez mais próximos. Foi então que Helena se aproximou da entrada, com uma expressão de pavor, e tentou puxá-la para dentro.
- Samanta, vamos! Eles não te viram.
Samanta olhou para cima. Dali, parecia escondida por seus amigos, mas se subisse os degraus que davam acesso ao bar, com certeza seria vista. Ela não quis se mexer.
- São os seus pais? - Gabriele perguntou, aflita.
Helena assentiu, um pouco desesperada. Gabriele então puxou uma bandeira de uma das drags que passavam na hora, e escondeu a amiga, a empurrando em direção a entrada do bar. Mas já era tarde!
- Dona Marta, é a sua filha ali! - um homem gritou. - É a Samanta, Seu Jairo.
Samanta congelou na escada, e achou que fosse desmaiar. Conhecia os seus pais, sabia que poderia apanhar em público. Nem os seus amigos seriam capaz de protegê-la.
- Samanta, continue andando. Eles não irão se aproximar. - Gabriele suplicou, e lágrimas corriam por seus olhos.
- Tire a mão da minha filha, seu traveco de merda. - Jairo gritou, e toda a horda silenciou. - Aberração!
Houve um momento de silêncio absoluto. Apesar das vozes ao fundo, de pessoas alheias àquela pequena confusão, tudo ali parecia em suspenso, parado no tempo. Aos poucos, Samanta se virou lentamente para encontrar o olhar do pai. Depois o de sua mãe. E então o de Carlos, seu ex-namorado, e quem lhe denunciara.
- Pai, eu...
- Não diga uma palavra! - o homem gritou. - Não diga uma palavra, demônio, eu ordeno!
Seus olhos se sobressaltaram, e Samanta pareceu levar um choque de consciência. Ela voltou a encarar sua mãe, que baixou o olhar, envergonhada. Samanta poderia não compactuar com as práticas dos pais, com a violência e desrespeito que eles pregavam, mas ela acreditava e respeita Deus, acreditava na palavra da Bíblia. Ser chamada de demônio era ofensivo demais para ela.
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CONTOS DA PARADA
Historia CortaQuatro amigos estão a caminho da Parada LGBTQIA+, e prontos para viver grandes histórias.