Dentro do carro de espaço interno pouco considerável a candidata buscava não fazer contato visual com a agente e a recíproca era completamente devolvida em forma de indiferença e rosto inexpressivo. Em teoria aquela postura de ambas era a fórmula para uma viagem tranquila, entretanto, não na prática.
Na ausência de palavras ecoando por entre o veiculo a distração de Rafaella decaia a diversos pontos não especificados a parte da janela que apresentava a o trânsito paulista às onze da noite. Sem perceber seus olhos contemplavam os braços fortes da agente e como sua camisa preta polo se agarrava aos seios médios. O distintivo descansando entre eles teria toda sua admiração se a mulher que o levasse não fosse tão insubordinada.
A candidata não seria impedida por sua pseudomoralidade se a agente não fosse, desde o primeiro instante em que abriu a boca, uma típica mulherzinha da lei cheia de regras para proferir como se todos fossem obrigados a seguir sua cartilha. Teria mantido seu olhar sedutor por quanto tempo desejasse e depois iria embora como se nada. O poder era seu, como tudo o que queria estava, se não sobre a palma, ao alcance de sua mão.
— Preciso de um pouco de ar, esse cubículo já ameaça asfixiar-me — Rafaella cortou a ausência de diálogo começando a mexer no painel em busca do que dissera.
Bianca não contestou o ato. Fora difícil conduzir a mulher até ali e mais ainda conseguir o endereço onde a deixaria em segurança, portanto, só por um segundo, cogitou em levar seu trabalho na mais solene paz ao menos quando estava perto de encerrar.
— Seu ar-condicionado é péssimo — Rafaella pontuou e Bianca agradeceu a coincidente parada no engarrafamento para poder olhar profundamente no rosto tão lindo quanto presumido. Os olhos verdes brilhavam ainda mais com as luzes difusas que atravessavam o vidro do carro.
Estonteante, até abrir a boca.
— Sério? Juro que sequer tinha percebido ao ter que fazer uso dele todos os dias! Mas já que a senhora parece se importar tanto com as condições do meu carro por que não começa a pensar que, ascendendo a um cargo público, pode começar a mudar isso? Quem sabe um salário mais digo para os profissionais da segurança, não? Ah... esqueci que geralmente não tem verba, certo? Afinal vocês passam a mão no que podem e o povo que, com todo respeito, se fode no final — Bianca disse num tom pleno e no fim deu um sorrisinho sarcástico dos que Rafaella já tinha se afetado alguns momentos atrás. Não deu permissão para aquela postura e estava ultrajada que se desempenhasse bem diante de si.
— Não tenho culpa se seu salário é uma porcaria e não dá para você comprar um carro que preste. E, mais ainda, não tenho por que me sentir insultada com suas palavras. Não sou corrupta e muito menos sou cadelinha de um delegado. Eu faço as minhas regras agente — Rafaella declarou se colocando novamente acima do bem e do mal. Era o que gostava.
— E isso que mais cedo falou sobre privilégios. Nada que você fala se escreve, senhora? Típica política, só falta vencer as eleições — Desdenhou Bianca se concentrando outra vez no tráfego conforme começava a avançar.
— Eu vou ganhar. E não me chame de senhora com esse seu tom insolente — A candidata criticou irritada com a forma daquela policial ironizar o respeito que lhe devia.
— Se não me engano tem pelo menos trinta e cinco, logo, é uma senhora para mim independente da hierarquia que nos separa. Eu tenho somente vinte e cinco anos senhora — E repetiu o último piscando o olho na direção da mais velha que parecia cuspir fogo pelas narinas. Nem o fato daquele olhar ser capaz de sumir com uma calcinha com só mover a pálpebra foi suficiente para que Rafaella não encarasse de volta com a ira inflamando o verde.
Era o encontro do fogo com fogo, da chama crepitando com uma fogueira alta tentando engoli-la antes que se fundissem. Era uma queda de braço de alfinetadas camufladas pela boa educação. Era inteligente, instigante e ameaçava a manutenção de valores óbvios.