CAPÍTULO 4

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Adentro o restante de floresta que existe entre mim e a cidade, e faço de tudo para tentar parecer o mais normal possível. Troco meu macacão azul marinho por um moletom preto com capuz, que vai esconder a maioria das minhas cicatrizes nos braços, ombros, barriga, em todo o meu corpo praticamente. Só tenho uma cicatriz pequena no rosto, que corta o canto direito dos meus lábios na vertical, mas é quase imperceptível, essa eu não herdei de meus pais, e sim de um galho de árvore que rasgou minha boca enquanto eu corria pela floresta quando tinha sete anos. 

Coloco também uma calça confortável e flexível cinza, mas continuo com meu tênis de corrida. Prendo a minha máscara de ar no rosto e minhas lentes já estão nos meus olhos, penduro o medidor de radiação no meu cinto de couro, feito exatamente para isso, mas com vários bolsos menores, que ajustei tempos atrás, onde eu posso guardar algumas coisinhas que eu venho criando aos poucos, desde quando eu tinha 13 anos. Meu corpo está adornado de pequenas armas que eu mesma criei, e também algumas que eu roubei do arsenal da família. Tenho discos de choque, imãs de gravidade (esses eu projetei especialmente para os Nanocops), algumas coisas antigas como adagas da coleção de meu pai, e um soco inglês que eu achei na floresta e o automatizei para virar um escudo quando necessário.

Não tenho nenhuma arma de fogo, pois elas são inúteis contra os robozinhos que são à prova de balas. Eu me lembro de quando o mecânicos do governo criaram os Nanocops e apresentaram a nova evolução da tecnologia em uma reportagem ao vivo na TV, dizendo que essa nova invenção iria proteger os lares, que nenhum Céleto precisaria arriscar a sua vida, e que todos estariam seguros (foi uma questão de necessidade, nenhum Céleto tinha capacidade de ser um policial, então tiveram que criar um.) Confesso que achei o nome deles meio tosco no início, mas depois de um tempo me acostumei. 

Eu ainda tinha acesso a internet quando eles foram lançados, mas tudo foi por água abaixo quando eu tentei contatar um agente do governo para contar o que meus pais faziam comigo. Na época eu não entendia que se o governo soubesse da minha existência iria ser muito pior, então agradeço meus pais por terem me impedido. Depois do ocorrido, passei a ficar completamente desconectada do mundo, e isso quer dizer que eu não sei absolutamente nada do que está acontecendo na cidade, e terei que confiar no GPS de Liana para me guiar.

⎯  Está pronta? – Pergunto para minha boneca.

⎯  Na verdade não, mas não temos outra escolha – Ela responde entrando na minha mochila.

⎯  Adoro o seu pensamento positivo, me conforta – Ouço ela gargalhar atrás de mim e começo a percorrer a distância entre mim e um novo mundo que faz séculos que eu não frequento.

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Olho para um lado e vejo uma cápsula transparente com alguém dentro passar em alta velocidade, olho para o outro e tem várias crianças brincando com algum tipo de animal estranho, provavelmente fruto de alguma mutação. Parece um cachorro, mas tem 6 patas curtas e um focinho achatado,com a boca aberta e babenta, a visão faz meu estômago revirar. Olho para cima e vejo a lua e as estrelas, sendo cortadas por coisas voadoras e metrôs flutuantes. Tem tanta poluição luminosa que meus olhos ardem.

Definitivamente, Oryn está bastante diferente de sete anos atrás, quando vim pela ultima vez no enterro de Ana Lia. As pessoas parecem mais... Felizes? Ou talvez fosse eu quem enxergou todo mundo triste, naquele dia em que todo mundo deveria estar triste pela morte da melhor pessoa do mundo. As ruas estão mais limpas e as crianças parecem mais saudáveis, não sei o que aconteceu aqui, mas melhorou bastante o aspecto da cidade.

Entro em um beco para poder falar com Liana, e me deparo com um homem alto e forte, os cabelos compridos tampando metade do rosto, a jaqueta de couro surrado e a calça jeans apertada parecem feder álcool e fumaça. Não quero nem imaginar que cheiro tem aquelas botas sujas.

⎯  O que esta garotinha está fazendo aqui essa hora da noite? – Ele diz, caminhando devagar em minha direção. Quando seu cabelo se mexe com o vento, consigo ver uma cicatriz em sua bochecha, da orelha até o canto esquerdo da boca. Ele a tampa rapidamente.

⎯  Acho que ela tem coisas valiosas para nos dar de presente, não é mesmo? – Uma mulher fala atrás de mim. Ela tem tatuagens nos braços e está usando uma camiseta, mesmo com o frio se rebelando. Ela deveria tomar cuidado, Céletos não devem pegar resfriados, é uma das maiores taxas de morte que existem. Sua calça tem vários bolsos e aberturas, para guardar armas imagino. Tem um cabo de uma faca pequena saindo do tênis de cano alto vermelho que ela está usando. Não estou preocupada com isso, eu também tenho meus brinquedos.

Reparo que os dois estão usando um “colar”, que mais parece uma coleira de metal ao redor do pescoço, um metal grosso que me parece algo desativado.

⎯  O que é isso no seu pescoço? – Pergunto sem conseguir segurar a minha curiosidade. É um dom, falar em momentos de pura tensão para “descontrair” o ambiente.

⎯  Direta e corajosa ao que me parece, gostei. Mas não venha fazer a sonsa para o meu lado garota. Todos vocês Céletos sabem da coleira que usamos e como ela beneficia todos da sua espécie. – A mulher responde fazendo uma expressão de desdém misturada com um ódio mortal.

Dou um passo para trás, mas lembro que o homem continua me cercando, então paro e cruzo os braços.

⎯  Então quer dizer que você não é uma Céleto? – Respondo com sarcasmo e sinto um cutucão nas costas, provavelmente Liana me mandando calar a boca e sair rápido dali.

⎯  Obvio que não, e Deus que me livre, ser fraca e indefesa igual a vocês. Céletos se acham donos de tudo só pela inteligência que tem, mas esquecem que não são capazes nem de matar uma mosca.

⎯  Eu sou capaz de matar uma mosca! – outro cutucão – O que vocês querem de mim?

⎯  Ora, queremos te assaltar! Depois de tudo que vocês tiraram de nós,  acho que merecemos alguma coisa em troca não é Risp? – Ela olha para o homem atrás de mim, com uma sobrancelha erguida e um sorriso malvado no rosto.

⎯  Concordo plenamente Capitã! – Ele preenche a distancia entre nós e me agarra por trás, mantendo os braços firmes em meu tronco. Tento chutar suas pernas mas o volume da minha mochila me atrapalha. .

Pena que ele foi idiota o bastante para deixar minhas mãos livres, pego um disco de choque preso no cinto e grudo na nuca dele, fazendo esforço para escapar antes da descarga elétrica disparar. Consigo acertar um chute em seu joelho e pulo rápido contando mentalmente 3,2,1... A eletricidade entra nas veias dele, fazendo-o desmaiar. Olho para a mulher tatuada, que agora está me encarando boquiaberta.

⎯  Não vou me desculpar pelo seu amigo, se atreveu a tocar em mim sem permissão e teve o que mereceu. Agora onde estávamos? Ah é mesmo, você ia me contar de qual espécie você é, e por que tem essa coleira no pescoço. 

⎯  Calma aí garota, quem faz as perguntas aqui sou eu! De onde você é, e de onde tirou essa força? – Ela pergunta se aproximando e pelo o que eu percebo, mantendo uma posição de ataque.

Pego a adaga presa em minha coxa rapidamente e vou pra cima dela, prendendo-a entre mim e a parede do beco.

⎯  Você quer acabar igual ao seu amigo? Ou talvez pior? – Ameaço levando a adaga até sua garganta, acima da coleira.

Ela tenta me empurrar, mas eu a seguro firme e mantenho a adaga bem próxima ao seu pescoço.

⎯  Olha aqui garota, eu não quero te trazer más notícias, mas infelizmente você já era. – vejo uma sombra no reflexo de seus olhos verdes. 

Sinto alguém me puxar e colocar um saco na minha cabeça. Entro em pânico, mas a pessoa é mais rápida que eu e acerta uma coisa dura na minha testa me fazendo desmaiar.

Depois disso é só escuridão...

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⏰ Última atualização: Jun 30, 2021 ⏰

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