🩸 Capítulo 1

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E1

Sento-me na poltrona reclinável do laboratório e estico meu braço aguardando a coleta de hoje. Logo o senhor White se aproxima com o toque gelado da sua luva e a picada da agulha na minha pele antes que eu possa abrir a boca para desejar bom dia. O desconforto que sentia no início foi substituído no decorrer dos anos por costume. Não é algo que me incomoda mais.

Não isso, pelo menos.

Decido pelo silêncio ao notar o homem de cabelos brancos e olhos azuis com o semblante sério e os dedos rígidos segurando a seringa. De todos que ficam aqui conosco, ele e o doutor Russell são os que menos interagem e os que mais perdem a paciência com frequência. Aprendi a perceber os sinais da irritação e evito provocá-la ainda mais. Não suporto gritos.

Fico observando as manchas pequenas no teto enquanto o espero encher dois tubos. Tento focar na informação que James me disse uma vez, sobre os componentes do nosso sangue se reporem no organismo dez vezes mais rápido que de um humano comum, por isso, podemos coletar com tanta frequência, contudo, é impossível reprimir da mente a única lembrança que tenho do meu pai só por pensar em gritos.

Ele está discutindo com algumas pessoas dentro de uma sala fechada e eu estou do lado de fora, desenhando algo desforme e rabiscado numa folha sulfite. Tampo os ouvidos à medida que as vozes aumentam e o vejo jogar alguns papeis no chão pelo vidro da janela.

Respiro fundo e engulo em seco, percebendo meu coração acelerar com o flash curto. Tenho tanta raiva de ser uma memória barulhenta e confusa. Não entendi nada da conversa, tampouco enxerguei com quem estava falando. É apenas uma tortura frequente na minha vida, que aumenta ainda mais minha angústia por respostas. Talvez sejam os homens que o mataram e eu sequer consigo me lembrar para ajudar a fazer justiça.

"Você era apenas uma criança, esqueça isso. Você vai salvar muitas vidas, Dylan, e seu pai terá orgulho onde estiver".

O doutor Patterson contou que minha mãe morreu no parto e meu pai ficou cuidando de mim em tempo integral até os três anos. Ele era um biólogo renomado que descobriu que meu sangue é de um tipo raro denominado Bombaim – local onde foi descrito pela primeira vez, na Índia. Essa condição faz com que o indivíduo não possua o antígeno "H" comum aos grupos sanguíneos conhecidos A, B, AB e O. Uma em cada 250 mil pessoas tem esse fenótipo no mundo e, dentre eles, apenas cinco foram descobertos até agora com uma mutação capaz de criar glóbulos brancos em uma velocidade tão rápida e tão potente que pode curar vários tipos de doenças. Essas células circulam pelo sangue e atuam como uma frente de proteção, que age de forma específica contra cada tipo de invasor.

O problema é que sua descoberta não ficou apenas entre ele e seus amigos, doutor Patterson e doutor Russell. De alguma forma, que os dois ainda não sabem como, gente gananciosa soube dos testes que estavam sendo feitos e foram atrás do meu pai exigindo respostas. Ele nunca disse que a fonte da cura das doenças era o meu sangue e acabou morrendo por isso.

Sabendo que eu estava em perigo, fui deixado aos cuidados dos seus amigos antes do pior acontecer e é, por isso, que estou escondido aqui desde então. Para todos lá fora, meu pai morreu e eu estou desaparecido. Não é seguro ainda me mostrar ao mundo. Não até que as pesquisas sejam finalizadas e divulgadas da forma certa; para o bem das pessoas, não por dinheiro.

Noto a agulha sair do meu braço e ser substituída pelo aparelho de pressão que aperta meu músculo. Faço o exame de glicemia com uma picada no dedo e também tenho os batimentos cardíacos auscultados antes de receber uma bandeja de medicamentos. Todo dia de manhã eu tomo cerca de dez comprimidos de vitaminas e suplementos.

Basicamente, o dia passa entre comer, fazer exames, realizar testes, me exercitar, estudar, ler e dormir. Nada além disso.

— Manda o E2 vir e vai ficar um pouco no sol — White fala pela primeira vez depois de longos minutos.

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