Capítulo 1: Não sei como existir

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Há algo em minha alma que arde e clama, que sente a chama, que ressurge e quer rebelar.

***

É brutal e aterrorizante a gélida sensação que se tem previamente a perda de alguém. A proximidade com a morte traz consigo uma dor que consome seu corpo e alma, escancarando a falta e o vazio presentes em mim. É fato que, a falta sempre foi um visitante assídua da minha vida. Mas, em vez de me acostumar, eu tentava a todo custo livrar-me dela.

- Chegue mais perto ... Nós não temos muito tempo! - Sussurrou meu pai em seu leito de morte. O dia estava nublado assim como meu humor. A tempestade parecia iminente.

- Minha Emma, recordo-me de vê-la aos oito anos de idade confessar que não sabia como existir. Seus olhos cor de âmbar estavam embebidos em lágrimas e... - Uma crise de tosse o interrompeu. Havia tanto o que dizer, mas, naquele momento, eu estava petrificada. Totalmente paralisada. Pensamentos invadiam minha mente fazendo rápidos o suficiente para que eu não conseguisse me prender em nenhum. Meu pai era minha única família. O único que sabia realmente quem eu era. A única pessoa que me amou apesar de tudo. Se eu o perder, o que haverá para mim?  O futuro nunca foi tão incerto e amedrontador quanto agora.

- Minha querida, você nasceu para criar um novo mundo... - Mais uma vez meu pai foi interrompido pelos sintomas da doença. Os serviçais, o alquimista e Helene adentraram rapidamente no quarto. A tensão percorreu meu corpo. Os poucos minutos que eu tinha a sós com meu pai foram cessados.

- Não me deixe, por favor! - Implorei como se a força de vontade do meu pai fosse o suficiente para vencer a tuberculose. Roguei como se o Karma, pela primeira vez, atendesse um dos meus pedidos.

- Ouça bem o que lhe digo: Draco vive! Vá para Nedeb e não descanse até encontrá-lo! - Ele sussurrou para mim antes que Helene, minha madrasta, me expulsasse dos aposentos. As últimas palavras do meu pai ecoavam em minha mente. Ele mentiu para mim quando disse que Draco havia sido capturado?

***

Minha sanidade estava por um fio. Naquela mesmo dia meu pai faleceu, sem que eu tivesse a chance de dizer o quanto o amava, sem que eu tivesse a chance de dizer que ele era o meu mundo. Toda aquela dor me consumia por dentro. Meu corpo tremia ininterruptamente, uma imensa dor no peito fazia parecer que era impossível respirar, uma ânsia de vômito me fazia suar frio. Minhas mãos formigavam e tudo girava ao meu redor. Eu estava com medo de enlouquecer, medo de não saber quem eu sou. Quem eu sou? Onde estou? Eu já não tinha essas respostas. Não me recordo de sair correndo do Pequeno Castelo e adentrar na floresta, tampouco de ter materializado meu poder em uma chama branca que abateu inúmeras árvores ao meu redor. Quando despertei já era manhã, percebendo que, como tantas outras vezes, tinha perdido a consciência e o controle. Retornei para o Pequeno Castelo lentamente, tentando me recordar da noite anterior.

- Sua tola! Onde você estava? Te procuramos por todo o Palácio.- Bárbara, minha meia irmã, gritou assim que me avistou. Ela, Helene, os guardas e os serviçais estavam à frente do Pequeno Castelo, todos com suas melhores vestes. Compreendi, então, que, assim como havia dito em carta uma semana antes, sua majestade, o Rei Duncan viria dá seu último adeus ao seu irmão de criação. Mas ele chegaria tarde demais. Meu pai estava morto e, com ele, o resto de esperança que havia em mim. Esperança de encontrar uma saída, esperança de sobreviver.

- Você não cansa de me envergonhar... O que seu pai pensaria disso? Por que você sempre tem que nos desapontar? - Censurou-me Helene. Para minha madrasta eu era um fruto podre. Uma pessoa ruim, indigna de amor. Em outros tempos eu choraria e tentaria, miseravelmente, fazê-la mudar de ideia. Agora, a apatia tornava-se cada vez mais constante em mim.

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