Capítulo 19: Picanço

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        O vento trazia o clamor dos mortos e condenados.

        Sõjobõ entrou em passos curtos portando a lança do marechal, emproado como uma águia. Está mancando. Sakebi conteve a vontade intrínseca de ajudar o pai. O dia que o rei precisasse de ajuda seria em seu enterro e não antes, o príncipe sabia. Ainda assim, queria.

         As longas sobrancelhas dele franziram ao observar o grupo. Quando falou pareceu a Sõjo Sakebi que os céus ecoaram em resposta. Mas era só a tempestade outonal.

– Corte – Sõjobõ exclamou.

      O peito de Sakebi tinha euforia em descompasso, ela logo foi esmigalhada como pão seco sob o desgosto do rei. O príncipe não sabia o que fazer, muito mais tarde notou a quem se dirigiam as palavras.

– Sem as ervas ele não consegue – objetou Delilah. – Meu senhor.

        Os olhos de Eirmi tremiam. Mas quando ele próprio tentou encontrar a voz, o rei o interrompeu.

– Qual o nome da sua espada?

– Geada – respondeu com a voz fanhosa.

       Usando a katana embainhada, o rei ergueu a cabeça do jovem tengu. Sobre a cabeça não ostentava coroa, apenas um chapéu de gaze preto conferido aos sábios. Sua voz era baixa e o príncipe inclinou sua atenção.

– Seja frio como o aço e cortante como o gelo, só então encontrará sua glória. Seja aquilo que representa.

       O mais novo trincou os dentes. Não, ele não queria prosseguir, mas estava determinado a não vacilar diante do rei. Com um olhar, os demais foram dispensados com exceção de Delilah, os outros saíram como se tivessem esquecido panelas no fogo. O mesmo aconteceu com os tengus do lado de fora, cheios de especulação e murmúrios. Fofoqueiros como gralhas.

        Sõjo deu um relance na própria arma. Torpor Noturno era um negro metal ondulado que o rei desdenhava e sabia o porquê. Na máxima de seu pai, Sõjo Sakebi seria um bêbado na noite; não estava longe da realidade afinal.

        Os jardins de seu pai davam acesso direto aos principais cômodos do palácio.

        A lua outonal se ocultara no céu, restando apenas rosadas nuvens de tempestade e o príncipe esperava do lado de fora. Com os pés descalços sobre as pedras, pensou em Nidaly, seus dedos escavavam o musgo e imaginava se ela estaria à espreita. Não. Pelos deuses, estou torcendo para ela estar sob o teto de Elawan. Qualquer lugar que não uma cova. Mas você tentou matar meu pai, exílio era o melhor que eu podia fazer? Ela nunca voltaria, lhe ocorreu com um rompante de trovão. Não sei quem deveria odiar ou por quem lamentar. Sentia o odor férreo do sangue do mestiço e lamentar já não se fazia tão importante. Sõjo não sabia ao certo o Eirmi Aoi sentia por Nid nesse momento, mas certamente algo tão maculados quanto suas asas.

– Nem o rei pode prever o destino do seu protegido – lamentou um dos guardas enquanto cruzava os céus em patrulha. – Ele nunca mais vai voar, ou poder ocultar suas feições, talvez nem mesmo lutar

      Maldição, praguejou o príncipe.

       Pelo menos é bonito, um bom rosto de se manter, considerou Sõjo, buscando alegrar a si mesmo, mas sem orelha, sussurrou a mesma voz inquietante. Suspeitava que nem mesmo Lágrimas de Sol poderiam aquecer seu peito agora. Tenho tanto controle da situação quanto um pássaro voando cego na tempestade. 

      Contra o açoite dos ventos e das chuvas, todos os pássaros eram cegos. Ele com certeza era. 

      Uma pena negra escapou ruma as pedra e jasmins antes de Eirmi desmaiar. Sakebi não soube bem o porquê, mas a guardou no bolso. Não muito depois, o rei o chamou noutro comodo. Velas bruxuleavam no interior minimalista, o aspecto do senhor seu pai era rigoroso.

Entre Damas e EspadasOnde histórias criam vida. Descubra agora