Esperaram algumas semanas pela resolução real. Quando Inari, na qualidade de porta-voz da rainha, proferiu a sentença, o rosto da feérica ganhou as iluminuras de uma manhã campal.
— "Assim sendo, e tendo ciência de suas perdas e transtornos causados pelo réu, eu, Kara da casa Skavir, Rainha de Awen, declaro sem fundamento suas acusações e repudio suas ações recentes. A propriedade de inverno do Lorde de Hirai deve passar ao Duque de Linmor junto com todos os arrendamentos da mesma. A partir deste dia a linhagem de Kervan Kanht está destituída de seus direitos de nascença por perjúrio e traição, violando a paz no reino com um atentado premeditado a diversos membros da alta corte. Seus títulos devem passar ao ramo menor da casa, bem como a sede principal. As demais propriedades passarão à filha e herdeira de Lady Woozai, prima de Lady Kanht e órfã de mãe pelos crimes da mesma." Essas foram as palavras de sua rainha, considerando Lorde Kervan Kanht, Senhor de Hirai e antigo Mestre da Colheita, culpado.
Inari moveu a língua entre os dentes antes de prosseguir:
— E para restaurarmos a paz da rainha, faço o pedido formal para que matilha de caça seja sacrificada, milorde. Como Mestre da Guerra, entende os riscos que oferecem animais tão perigosos e acredito ser justo para com os que perderam seus entes na noite do Maybh que tais criaturas não estejam a solta.
Você tem wyverns! Sorel quase riscou. Mas os vassalos de Liffey não pareciam discordar. E no momento, eram a maioria.
No escritório principal, Sorel revisava papéis, como era próprio do seu cargo de intendente, na companhia de Elawan e chá gelado. A decoração de madeira simplista estava bagunçada, refeições anteriores disputando a mesa com cartas, livros, tocos de vela e um cinzel.
"Acredito que o Mestre da Guerra entenda essa necessidade". Os traços fortes com floreios fizeram Elawan ranger os dentes. Ele passou a mensagem de Inari nas chamas e esperou se torcer numa flor espectral.
— Kervan abriu os cofres quando desapareceu pela primeira vez. O resto é meramente simbólico. Inari envenenou e ameaçou meus cães e espera que um punhado de cobres possa curar. Preciso convencer o druida a aceitar minha proposta — comentou Elawan, debruçado sobre meia dúzia de mapas.
A princípio, julgava que ele estava preocupado com o estado do irmão de Inari, se perguntando qual rota ofereceria o tempo que Tenno não dispunha, para cruzar metade do continente até as terras da Marca onde havia chance de ser tratado. Mas essa ideia se desfez não muito depois. Como o feérico não lhe revelou o propósito, decidiu que não estava interessada.
— Ocupada com outra questão: quem irá financiar a reforma de Coillemori. Só trazer as pedras de Bai vai custar a renda de um senhor menor. Não de uma estação, Elawan, de dois anos, para custear a obra. — A feérica espetou o dedo na testa, martelando o último prego. — Podemos aumentar os impostos do vinho, navios e bordéis.
Os dedos dele tamborilaram na mesa.
— Está pedindo revoltas populares — falou Elawan. Já temos isso, objetou. A noite do Maybh contava agora com duzentos e dezesseis mortos, alguns amputados e um número equivalente de feridos. O povo pedia a eliminação dos cães à porta desde então. — Não vamos trazer as pedras. Contrate carpinteiros. — O rosto da feérica enviesou com a proposta. — Estamos cercados de amieiros, e carvalho dourado é a madeira mais nobre e resistente nessa porção do continente.
— Excelente ideia — debochou. — Quando quiserem derrubar sua sede, óleo e velas vão bastar.
— Queimar o Lorde do Fogo Encarnado, há poética nisso. — Gal'win surgiu a suas costas como se conjurado da fumaça. Estendendo uma caixa revestida de veludo, o humano fez balançar brincos de prata. — Os entalhes antigos me lembraram você — ronronou Gal'win. Elawan apertou os lábios para evitar sorrir. — Um presente!
O sorriso da feérica não mostrou os dentes para a prata batida com formatos estranhos e outras contas mais. Se afastou quando o ladino tentou depositar um beijo em sua bochecha.
— Deve ter vindo direto do tesouro de Cernudos. Com tanto tempo para se livrar de um corpo, deve ter ido até o reino dos mortos — falou Elawan. A fêmea o recriminou. — Não me culpe, ele ficou fora duas semanas. Fazendo o que mesmo?
O humano revirou os olhos, era difícil não sentir a aspereza na voz do lorde.
— Vivaldi pergunta pela investigação dos incêndios — interrompeu Sorel. Balançando a petição do comerciante. — Quer o culpado punido ou os bens ressarcidos.
— Não há o que investigar, o fogo começou com o inferno gris roubado. — Elawan parou a estudar o humano. — Riverdeep conhece a corja da cidade, talvez possa nos apresentar ao ladrão...
O ladino pareceu considerar a questão. Então o rosto sereno deu lugar a um olhar tirano.
— Fique sabendo que o fidalgo está em tantas partes que nem Cernudos ou seus cães podem encontrar — silvou baixinho.
Elawan ficou inexpressivo à provocação por mais que alguns instantes, e o protegido irritadiço saiu praguejando em pensamento. Sorel não o impediu.
— Justo você, o acusando por baixo nascimento? — A ironia não ficou disfarçada. — Gal'win voltou na semana seguinte ao Maybh — falou branah. Tentando mudar de assunto: — O apoio da casa Woozai e Inari. Kara pode cobrir fácil sua oferta. É uma aliança instável — disse por fim.
— Tudo é. — Elawan parecia se perder em algum ponto acima de suas terras. — Sabia que Lohkar me acusou de planejar a morte de Ariah?!
A feérica estreitou as sobrancelhas.
— A Coruja? — perguntou.
Elawan franziu a testa.
— O que, não. Ariahyami, a Cotovia. Nossa espiã.
— Entendo, e amante de Cardiff. — O aroma do chá aquecia seu nariz e descia cremoso na garganta.
O Senhor de Liffey suspirou para a acusação implícita.
— Pois bem. Se Ariah estivesse grávida do príncipe, faria mais bem, casando com ela do que a matando — Isso era verdade. Engodo passava em sua mente. — Nossa rainha tinha mais a ganhar com sua morte. Lohkar colheu de Kervan essa história...
— Ele está morto, junto com suas crenças. — Ambos estão. O ar cavou nela um buraco mais profundo — Concentre-se em encontrar o buraco onde os filhos dele se meteram e em contornar a perda dos seus aliados entre os Pares do Reino.
Quando ele nada disse, soube que tinha um plano.
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Entre Damas e Espadas
FantasyFeéricos governam o reino de Awen, mas esse poder vem a custa de muito sangue, tramas e mentiras. Talvez o mais ambicioso deles seja Elawan, que controla as sombras do reino, mas não deve sua lealdade a ninguém além de si. Após ser traído, um nobre...