Capítulo 5 : Urzais (Parte 1)

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     Dor brilhante se derramava dos olhos do tengu.

     Sorel o observava encostado contra um álamo negro, enquanto improvisavam uma tala para sua asa. Pelo horror com que Eirmi evitava olhar para ruína ensanguentada que tinha nas costas, parecia completamente esquecido da orelha que faltava. Um espesso filete vermelho tingia suas roupas, na medida que ele ficava mais pálido e entorpecido pela dor. O guerreiro ferido tinha a mente distante quando Carter o segurou junto com o graveto de máscara rachada e Lohkar posicionou o membro emplumado no lugar. Eirmi chorou, mordendo os lábios para abafar o grito. Ainda inflamava de raiva.

     A beleza pueril de seu rosto fino estava deformada, tão moribundo quanto parecia. Que Cernudos o leve. Seria uma questão a menos para se preocupar e a banshee receberia a alma que esperava. Sorel se aproximou dele em passos calculados. Era alta e magra, sem muito para se ater nos traços que considerava bem mundanos, mas seu cabelo contornava sua face com delicadeza e esta, trazia uma insinuação de preocupação no rosto.

– Você vai ficar bem? – perguntou com a gentileza de um sorriso terno.

– Adoraria que eu morresse – disparou o tengu. As palavras vinham tão ríspidas e arranhadas quanto ele gostaria.

– Não me conhece – retrucou com ainda mais doçura. Já se sentia enjoada.

– Todas as cadelas feéricas são iguais. – Sua garganta estava seca e os olhos úmidos.

      Dessa vez Sorel dependeu da garganta uma baixa risada genuína. O encarou demoradamente com certo fascínio. Era quase tão intrigante quanto a fracassada regicida, porém menos irritante. Olhou em volta ainda de lábios arqueados. Repulsa escorria sem pudor da face dele e a feérica debruçou-se para falar ao seu ouvido bom:

– Somos mais parecidos do imagina.

      Teria enterrado a unha no ferimento dele se Lohkar e o outro tengu não estivessem olhando com cautela seus movimentos. Limitou-se a manear a cabeça inofensiva e bater os cílios longos. Finos olhos de amêndoa incapazes de disfarçar sua natureza, cortantes e afiados devolvendo ao moribundo seu desprezo. Assumido sua habitual expressão, Sorel se afastou para deixá-lo com sua dor e pensamentos. Ele teria dias agonizantes pela frente.

      Diferente dela, Carter parecia confortável ao lado dos tengus, com um metro e meio ela conseguia ser menor que eles, todavia, Eirmi ainda a encarava como a uma ameaça. Após muita insistência, ela virou o conteúdo de um frasco na boca do rapaz e ofertou ao outro guerreiro alado que recusou com um aceno – sua máscara partida ameaçava se desprender a qualquer momento.  Em seguida, a humana tamborilou com sua mochila pesada até Sorel.

       A feérica não deu atenção a tristeza amuada da humana quando esta balançou a cabeça negativamente para o estado dos feridos do outro grupo.

– A asa está perdida... talvez até mais.

– Que lástima – pronunciou Sorel, desprovida de emoção. Minha renda de Sneah está arruinada.

      Com a barra salpicada de negro, a feérica não via salvação para seu vestido depois que a égua se enfiou, assustada, no regato. Lama fétida e finos ramos de álamo haviam se prendido ao delicado tecido. Carter confidenciava em tom baixo, não que a feérica tivesse a par do que dizia. Sorel estava a todo ouvidos a conversa reservada de Elawan.

      O único tengu que ainda se mantinha de pé de maneira decente conversava com o lorde feérico sobre a posse da fugitiva. Como dois vizinhos que decidiam a quem pertencia os frutos caídos da árvore, eles argumentavam. Elawan havia chegado até ali, em parte para fugir de casa, principalmente para irritar o príncipe Sõjo ao não entregar a assassina a ele. 

Entre Damas e EspadasOnde histórias criam vida. Descubra agora