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 “Ele não está com você?”

“Não, a última vez que falei com ele foi há dois dias.”

“Onde está o Pablo, Daniel?”

“Você precisa ligar para a polícia, Raquel. Daqui a pouco chego aí.”

Era como se ouvisse uma música em minha mente me dizendo que tudo ficaria bem.

Meu namoro com Daniel havia começado a exatos sete meses, oito dias e treze horas. Para saber com precisão eu teria que ser meio louco e obcecado por minha relação, e bem, descobri que sou exatamente isso mesmo. Não que um psiquiatra tivesse me dado esse laudo, mas também não sou burro a ponto de achar que as coisas que se passam dentro de mim são de uma pessoa normal.

Assim que ele disse as palavras mágicas: “Sim, estamos namorando”, as coisas dentro de mim foram perdendo o controle. Primeiro eu poderia achar que isso era os sintomas da paixão, dizem que quando uma pessoa está apaixonada ela perde o controle de sua vida, faz coisas que nunca pensara em fazer e se tornava uma tola incorrigível. Se confundir com isso não seria surpresa nenhuma. Mas sempre sabia que existia algo mais.

Para mim o amor nunca havia sido tão bom.

O conheci por acaso.

Foi em uma praça de skate. Eu estava sentado em um banco lendo e observando as pessoas que passavam caminhando por ali. Ele saía de um carro para encontrar alguém que nunca aparecera.

- Posso me sentar ao seu lado? - perguntou ele, que ainda era um completo estranho, com um sorriso que poderia curar o câncer.

Fechei meu livro por alguns segundos, antes de levar um susto ao ver quem se dirigia a palavra a mim, e meio sem jeito respondi: - Fique à vontade.

Por mais que estivesse acostumado a ler prestando atenção em tudo a minha volta, vê-lo olhar no relógio de minuto a minuto me fez perder toda a concentração. Eu poderia ter levantado dali e ter ido procurar outro lugar para ler, mas ele era muito bonito (e cheiroso) e não queria perder essa oportunidade de ficar perto de uma pessoa como ele.

Claro que em minha mente passaram milhões de pensamentos imaginando-o de todas as formas, mas não tinha coragem de iniciar uma conversa com aquele estranho. O celular dele tocou “It's not right but it's okay” da Whitney Houston e ele atendeu imediatamente.

- Você já está vindo? - perguntou com a voz oscilando, ele estava nervoso. - Entendo... Não, tudo ficará bem... Pode excluir... Boa sorte.

Ele colocou o celular no bolso e levou as mãos ao rosto suspirando fundo.

- Noite difícil? - perguntei.

- Se contar levar um fora como algo difícil, então acho que sim.

- Nossa, que chato.

- Já passou por algo assim? - perguntou ele me olhando com curiosidade.

- Quase todos os dias – respondi brincando. - Toda vez que chego ao final de uma leitura é um término doloroso. Quase igual um fora.

Ele sorriu. Ficou mais bonito ainda.

- Mas não, nunca levei um fora assim como o seu. Acho que sou imune, ou me fiz de imune, já que nunca namorei.

- Oi? - perguntou ele espantado. - Você nunca namorou? Quantos anos você tem?

- 19 – respondi.

- Está novo ainda.

- Até parece que você é velho, não deve ter mais que vinte e dois.

- Quem me dera – ele gargalhou. - Bons tempos aqueles, mas agora com trinta e três a realidade é outra.

- Você acha que vou acreditar que tem trinta e três anos? Conta outra.

- Tenho sim. Posso te provar – ele parou sério, depois sorriu. - Bem, não agora. Acho que esqueci minha identidade em casa.

- Desculpa – brinquei. - Você é novo.

- Sou não. Já sou maduro.

- Bem, se é maduro, um fora desses você tira de letra. Deveria ligar para ela para conversar novamente.

Sua expressão ficou pensativa. Ele colocou a mão sobre o bolso onde estava o celular, mas desistiu de pegá-lo.

- Não. Não vale mais a pena e conversar com você está sendo mais interessante do que ter saído em um encontro hoje. Nossa relação já estava desgastada.

- Entendo.

Muitas histórias de amor começam com encontros casuais. Sempre busquei acreditar nisso, pois esperava começar a minha história assim. Para falar a verdade ser um romântico incorrigível estava ligado a minha personalidade. Então, por mais que não soubesse nada daquele cara (nem se ele gostava de homens), em algum cantinho dentro de mim, eu começava a me apaixonar por ele. Estranho. Mas natural, como aqueles flertes dentro de um ônibus ou em um restaurante que nunca levam a nada, mas que é gostoso sentir.

Então quando ele me convidou para dar uma volta de carro com ele, não pensei duas vezes antes de entrar no carro e seguir para o desconhecido. Uma viagem sem volta.

Daniel era muito divertido. Muitos héteros têm essa característica e isso é uma perdição para os gays, pois sempre buscamos mensagens subliminares e fantasiamos olhares.

“Será que esse sorriso é uma deixa para eu investir?”

“Esse olhar é porque ele está afim?”

“Ele passou a mão no cabelo, será que me ama também?”

“Ele gosta de banana, isso é um sinal?”

“O toque de celular dele é da Whitney, será que ele gosta de I will survive também?”

Ele deu uma volta pela orla e pensei que pararia em algum barzinho para bebermos, mas ele parou perto do píer, onde era mais escuro e não havia ninguém.

Espera.

NÃO HAVIA NINGUÉM!

Foi então que milhares de cenas começaram a passar em minha cabeça: estupros, assassinatos de travestis e gays, conversas amigáveis, sexo consentido, assassinatos, pegadinhas de mal gosto, ASSASSINATOS! Em que eu estava pensando ao entrar em um carro com um estranho.

Mas ele continuava a sorrir.

- Seu rosto está muito engraçado. No que você está pensando?

- Nem queira saber – falei, tentando disfarçar a tensão em minha voz.

- Você parece ser bem intelectual – disse ele, mudando de assunto.

- Obrigado – levei como um elogio.

Havia um alerta de perigo gritando em minha cabeça. Corra! Fuja! Saia desse carro enquanto é tempo! Mas nunca fui de seguir o que minha mente falava.

Mentira! Eu seguia sim, graças a isso passei dezenove anos lutando contra o que era e nunca busquei encontrar alguém para viver alguma coisa, ter uma experiência maior que uma amizade ou experimentar pelo menos uma vez o que era se apaixonar. Talvez por isso eu estava correndo todos esses risco de me manter ali, na esperança de minhas expectativas serem correspondidas.

- Você parece estar tenso – disse ele pousando a mão em minha perna. - Relaxa, não vou fazer nada com você.

- Não estava pensando nisso – menti.

- Moro aqui perto. Quer dar uma passada lá em casa para bebermos alguma coisa?

Não! Nunca aceite bebidas de estranhos! Nem aceite convites para ir a casa de estranhos! Nem beba algo que algum estranho te ofereça em sua casa! SAIA DESSE CARRO!

- Sim.

Nossa, eu era patético!

Ele sorriu. Algo que poderia ser interpretado como “consegui minha vítima da noite”, ou simplesmente “ele é engraçado de uma maneira peculiar, gostei dele”. E dirigiu cinco quadras de onde estávamos.

A verdade sobre nós (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora