Romance - Camren

II

Há mais perigo em teus olhos do que em vinte espadas!
— William Shakespeare.

A diretora recebera um e-mail no dia seguinte indicando que a visitação ocorreria na sexta, que é o dia de hoje. Ao checar às notícias pela manhã, já notei a movimentação dos meios de comunicação com a notícia de que a Rainha estaria em Londres para angariar fundos para a reformar da Instituição a qual trabalho, o que eu achei que fosse apenas uma visita seria um evento coberto pela mídia pelo que parece, mas já era de se imaginar. Não me mantive tão a par do que aconteceria, só me foi instruído a usar roupas mais adequadas para a ocasião que nossa diretora descreveu como "histórica". De primeiro momento faríamos uma surpresa para as crianças, mas com a divulgação da notícia foi quase impossível, o telefone da coordenação não parou de tocar por um segundo sequer. Confesso que essa questão do envolvimento da mídia me deixara um tanto desconfortável. Por que não ajudar só pelo ato de ajudar?

Quem ficou animada com tudo isso fora Dinah, que preparara gentilmente uma roupa adequada, mesmo que isso não fosse um ponto preocupante para mim em qualquer ocasião. A loira me emprestou seu casaco negro de pele sintética, me indicou uma camisa rosa e uma bota também rosa, uma calça jeans e boina preta. Eu me sentia em Paris com aquela roupa, pronta para dar o bote em algum solteiro rico que passava por mim enquanto eu bebia um café. Ela preparou uma maquiagem leve em meu rosto, o que demorou tempo demais e quase me atrasou para pegar o metrô. Estava ansiosa, eu odiava programar coisas porque não conseguia pensar em nada até que seja concretizado.

Em passos apressados e desajeitados pela falta do costume com qualquer tipo de plataforma sobre meus pés, eu fui em direção a Instituição, que ao longe já revelava a presença de repórteres e uma pequena multidão que aguardava pela chegada da família real. Foi quase impossível adentrar no colégio, tive que me esgueirar em meio há tantos corpos que parei para respirar fundo quando consegui chegar ao meu ambiente de trabalho. Hoje seria um dia cheio, de qualquer forma. Retirei o casaco e o segurei com meu antebraço, caminhando até à Sala de Professores. E pensar que um incidente causaria essa chuva de "presentes" à essa instituição tão pouco chamativa perante a sociedade. Pelo menos tudo que houvera acarretou em circunstâncias favoráveis.

Na ala docente, os professores estavam sorridentes, alguns até ansiosos como eu. A Diretora inquieta à procura de deixar tudo perfeito e digno aos olhos da realeza. Um pigarrear da mais velha bastou para que todos levassem sua atenção a ela, causando um silêncio no lugar.

— Hoje é um dia importante, pessoal! Fico feliz em saber que todos vieram muito bem trajados para este evento. A família real chegará no intervalo do segundo tempo. Reuniremos todos os alunos na anfiteatro, irão conversar com as crianças, passar um tempo com elas. Deixem-os à vontade e fiquem sempre perto para o caso de algo acontecer.

Todos assentiram em uníssono, incluindo a mim.

— Eu achei que seria algo mais casual. Tinham tantas pessoas lá fora que eu mal pude entrar. – Comentei quebrando o silêncio que se instaurara novamente.

— Impossível algo casual acontecer na família real. Eles tem uma agenda de compromissos, qualquer um pode vê-la, qualquer um pode saber. – O Educador físico respondeu à mim. Ele tinha uma grande mania de grandeza e um olhar um tanto soberbo, falou com um certo desdém. 

Eu não entendia muito bem porquê determinada família recebia através de impostos pagos pelo povo apenas para sorrir e acenar, mas ficava feliz por saber que eles se compadeciam para com os menos favorecidos. De fato, eu não era a maior fã da monarquia, mas sabia apreciar bons gestos, por mais que estes fosse de boa ou má fé. Quem sou eu para julgar afinal? Não acho que viera de uma ordem divina e por mais que eu não fosse religiosa, acreditava que o universo era responsável por trazer o que cada um merece de acordo com suas ações e julgamentos. Não caberia a mim ser a grande juíza das ações sociais providas do povo de sangue de azul.