Cap 2

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Suas pálpebras pequeninas se abriam preguiçosamente, revelando por trás de seus cílios grandes orbes castanhos. Como bolinhas de gude, seus olhos brilhavam e refletiam a visão da parede acinzentada à sua esquerda, tomando uma coloração âmbar quando os raios de sol batiam neles.

A luz atravessava as finas cortinas amareladas que cobriam as janelas e clareava seu corpinho encolhido em meio aos lençóis floridos da cama. Seus braços gorduchos a abraçavam firmemente, e suas pernas curtas dobravam-se o suficiente para seus joelhos encostarem em sua barriga, coberta por uma fina blusinha branca.

Resmungou descontente por ter sido despertada de seu sono ao escutar um barulho estrondoso que sua cabecinha não conseguiu identificar do que se tratava. Tornou a fechar os olhos e se moveu inquieta pelo colchão. Rolou para a esquerda e depois para a direita. Esticou os braços pelo ar e mexeu os dedinhos pequeninos. Bocejou e, por fim, abriu os olhos novamente.

Ao notar a ausência de sua mãe no quarto, um grande bico rosado se formou em seus lábios, e um pequeno soluço manhoso deixou a sua garganta. Não gostava de ficar só, muito menos quando seu estômago começava a reclamar por estar vazio.

[...]

A garotinha andava em passos lentos e desajeitados pelo cômodo como um bebê pinguim. Parou seus passos na saída, tombando seu corpo para o lado encostando-o na porta de madeira áspera, que já estava aberta. Seu pé esquerdo, que mais parecia uma bisnaga rechonchuda, se levantou e coçou ligeiramente a perna direita, que estava forrada por algumas bolinhas avermelhadas protuberantes na pele. Seus dedos gelados esfregavam seus olhos devagar, na tentativa de afastar o sono para longe.

"Mama?" - proferiu baixinho em um sussurro dengoso.

Colocou sua cabeça, coberta por cachinhos castanhos, para fora do quarto, espiando o exterior. Tentando localizar sua mãe, sua visão viajou pelos cantos que podia enxergar dali, mas continuou sem nenhum sinal da mulher mais velha.

Então, se moveu para o lado e começou a caminhar pelo corredor que levava à cozinha, de onde ela acreditava ter escutado o barulho alto. "Mama?" - chamou novamente, enquanto se mexia com dificuldade pela fralda pesada que circulava sua cintura.

O choro começava a se formar em sua garganta. As lágrimas se acumulavam mais a cada passo que a pequena dava pelo corredor.

Ao chegar na cozinha, seus olhinhos avistaram o líquido vermelho escarlate salpicado por toda parte. O carpete branco estava encharcado, e as paredes completamente manchadas em sangue ainda molhado. E sua mãe...

"Mama, acorda!"

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Katherine moveu bruscamente seu corpo nu, imerso até o busto pela água da banheira, derramando um pouco do líquido espumoso pelo chão de madeira.

Seu peito subia e descia freneticamente, acompanhando o tremor de suas mãos. Suas narinas puxavam o ar fortemente para dentro, e seus lábios cheios o colocavam para fora com dificuldade, tentando regular a sua respiração.

Demorou para reconhecer o ambiente em que se encontrava e acalmar seu olhar, que parecia de um coelho prestes a ser acertado pelo cartucho de uma espingarda. Sua pupila dilatada aos poucos voltava ao normal, e seus movimentos agitados já se aquietavam.

Seu olhar se pendurou por longos segundos na espuma que a encobria por inteiro, como as nuvens que tapavam os raios de sol do lado de fora. Ainda tentava assimilar o que acabara de acontecer. Havia dormido enquanto tomava banho; seus olhos não se aguentaram abertos por muito tempo. Teve o que tentava se convencer ter sido somente um pesadelo.

Hereditário (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora