PARTE II - COGITO, ERGO SUM

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Passou-se um mês desde que o rapaz encontrara pela última vez seu amigo desconhecido. Curatt ainda foi ao local de encontro por quinze dias consecutivos, na esperança - que se tornou cada vez mais remota - de reencontrar o homem misterioso. Todas as vezes em vão.

***

O jovem colhedor pulou da cama, assustado com o pesadelo no qual estava preso. O sol ainda estava despontando por trás das montanhas que ficavam além das muralhas que demarcavam os limites da unidade onde ele vivia, a primeira contagem do dia já iria ser feita e todos já estavam a caminho do descampado. Curatt tomou seu lugar na fila e após alguns minutos de contagem, todos estavam a caminho de seus postos para mais um dia de servidão à Bastileza. Curatt caminhava taciturno e acabrunhado, como seu amigo nunca o vira antes.

- ... tempo?

- Como? - respondeu ao seu amigo, deixando claro que não havia ouvido o que ele lhe havia falado.

- Nos conhecemos há quanto tempo?

- Há uns seis, talvez sete anos.

- E nesse tempo todo nunca vi você assim! Aconteceu algo?

- Não! - respondeu ele.

- Sabe que pode me falar, não sabe? - insistiu Nove-Oito.

Os dois desaceleraram seus passos, ficando propositalmente para trás dos demais colhedores, adentraram em uma ruela, a última antes de chegarem no campo de milhetes, tomando o devido cuidado para não serem vistos. Era um beco que não tinha saída, apenas um muro de cimento bruto havia no final e ninguém estava por perto, já que daquele lado da URB havia apenas as casas dos trabalhadores da colheita e todos já estavam se locomovendo para seus postos de trabalho.

- Daylon - ouviu o amigo do rapaz, estranhando seu próprio nome ser pronunciado, já que quase sempre eram chamados apenas por seus respectivos números de identificação - acho que aquele objeto tem algum poder. Sei lá, eu ando tendo uns sonhos muito estranhos.

- Aquilo é apenas um objeto que marca o tempo - disse o amigo e você deveria livrar-se dele.

Curatt contou ao amigo sobre os sonhos que estava tendo e como eles o deixavam intrigado. Contou que geralmente se tratava do mesmo sonho; ele sempre estava fugindo de algo ou alguém. Contou que ele se via perseguindo a ele mesmo, juntamente com homens da Bastileza.

- São apenas sonhos! - disse Daylon. - Talvez sua mente esteja funcionando diferente agora.

- Precisamos sair daqui!

- Sim. Vamos!

- Não. Você não está entendendo. - disse Nove-Nove, puxando o amigo para trás - Precisamos fugir da URB. Eu sei que parece loucura, e talvez seja, mas... o que... o que você faria se soubesse que poderia deixar esse lugar?

- Sabe que isso é impossível - respondeu seu amigo dando gargalhadas.

- Shhhhiiii! - sinalizou Curatt com o indicador no meio dos lábios - fale baixo! Olha, eu acho que podemos fazer isso juntos. Só temos que chegar até o outro lado da floresta.

- E como faríamos isso sem antes sermos fuzilados pelos juízes que ficam por todos os lados?

- Bom, eu acho...

- Não seja indiota - interrompeu Daylon - foi uma pergunta retórica. Não há como sair daqui sem fazer parte da Bastileza, sem ter uma autorização para passar por aqueles portões ou cruzar os limites da vila. E adivinha? Somos colhedores, portanto não fazemos parte da Bastileza e, sendo assim, não teremos uma autorização.

- Podemos ultrapassar os limites da vila e...

- Você está louco - interrompeu Daylon novamente.

- Daqui a 30 dias eu cruzarei os limites da vila.

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